RESUMO. O instrumento investigatório da sindicância patrimonial tem-se mostrado de grande utilidade para os órgãos que tem a expertise da sua aplicação.
Palavras-Chave. Sindicância patrimonial. CGU. AGU.
1. INTRODUÇÃO
A sindicância patrimonial é um procedimento investigatório, de caráter sigiloso e não-punitivo, destinado a apurar indícios de enriquecimento ilícito por parte de agente público federal, nas situações em que esse apresente uma evolução patrimonial incompatível com sua renda e disponibilidades. Ou seja, em outras palavras, este importante instrumento investigatório se destina a apurar a ocorrência de corrupção ou improbidade administrativa praticada por agente público.
2. DESENVOLVIMENTO
Importante destacar, de início, que todo agente público tem o dever de , desde sua posse ou exercício, apresentar sua declaração de bens e valores.
O artigo 13 da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), prevê esta obrigação:
Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente.
§ 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.
§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.
§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.
§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo.
O artigo 9º do mesmo texto normativo prevê o que constitui ato de improbidade administrativa e dentre suas espécies dispõe expressamente sobre a evolução patrimonial desproporcional à renda do agente público, senão vejamos::
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público
Já o Decreto nº 5483, de 30 de junho de 2005, regulamenta este dispositivo da Lei de Improbidade Administrativo, e institui o procedimento da sindicância patrimonial.
O artigo 8º do referido decreto concede Controladoria-Geral da União (CGU) a competência para instaurar o procedimento de sindicância patrimonial sempre que houver notícia ou indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível de agente públicos.
Art. 8o Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9o da Lei no 8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.
Parágrafo único. A sindicância patrimonial de que trata este artigo será instaurada, mediante portaria, pela autoridade competente ou pela Controladoria-Geral da União.
Desta feita, cabe à CGU instaurar tais procedimentos investigatórios quando receber notícias ou indícios da ocorrência de enriquecimento ilícito praticado por agentes públicos.
Estas notícias poderão ser recebidas de diversas formas, desde denúncias de órgãos de controle externo, até por meio de reportagens veiculadas pela imprensa de modo geral.
Segundo notícia publicada pelo jornal Correio Braziliense no dia 18 de novembro de 2012, com a Lei de Acesso a informação, que obriga os órgãos públicos a divulgar na internet os salários dos servidores nominalmente, começa a apresentar resultados positivos na fiscalização do quadro funcional.
De outro lado, comunicações de operações financeiras suspeitas podem ser feitas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), conforme disposto na Lei nº 9.613, de 03/03/98, que assim estabelece:
"Art. 15. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito".
Assim, recebidas tais informações a Controladoria-Geral da União segue o seguinte procedimento[1] :
a) Análise da Denúncia;
b) Levantamento dos dados pessoais e funcionais do servidor;
c) Análise de Notícias da Imprensa;
d) Análise de Informações encaminhadas pelo COAF;
e) Análise das Declarações de Imposto de Renda e CPMF;
f) Análise da Situação Patrimonial (imóveis, veículos, etc.) – Fluxo de Caixa
g) Análise de eventuais participações societárias ou em associações ou fundações
h) Análise de outros dados levantados
A grande dificuldade para apuração através destes procedimentos investigatórios da evolução patrimonial do agente público, seja comprovar o nexo de causalidade entre sua conduta do agente e o ganho desproporcional, necessário para a responsabilização do agente público.
Aliás, neste sentido decidiu o Tribunal de Contas da União, determinou o estabelecimento da necessidade do nexo de causalidade entre a conduta do servidor supostamente irregular e o resultado jurídico reprovável da mesma, nos seguintes termos:
“Administrativo. Apuração de responsabilidade pelo extravio de bens do patrimônio do TCU. 1. O estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta do servidor supostamente faltoso e um resultado juridicamente reprovável exige a ausência de dúvida relevante acerca da efetiva concorrência desse servidor para o resultado [ … ]”.
Para tanto, a CGU conta com uma Área de Informações Estratégicas que é responsável por desenvolver mecanismos para análise de ilícitos ocorridos, entre os dados e as informações multidisciplinares, obtidos de diversos meios e diferentes áreas do Governo e da própria CGU, fim de se comprovar o nexo de causalidade.
Segundo consta do site da CGU, dentre as competências desta área destacam-se:
a) Intercâmbio com órgãos e entidades públicas e privadas que realizam atividades de investigação e inteligência.
b) Tratamento às informações estratégicas coletadas.
c) Análises e pesquisas visando identificar ilicitudes praticadas por agentes públicos federais.
d) Investigação preliminar para apurar eventual enriquecimento ilícito de servidores públicos federais.
e) Produção de informações e conhecimentos que possam subsidiar as atividades de ouvidoria, corregedoria, controle interno e prevenção da corrupção da CGU.
Segundo consta de seu site, a Controladoria-Geral da União, em conjunto com a Secretaria da Receita Federal, a evolução patrimonial de 17 mil servidores, mas o objetivo é proceder à análise patrimonial de todos os servidores públicos federais e tornar a sindicância patrimonial uma atividade sistêmica do Poder Executivo Federal, de forma que a evolução do patrimônio dos servidores seja constantemente monitorada.
Outra discussão atinente ao tema é se haveria ou não quebra do sigilo dados quando a CGU recebe informações de rendimentos de servidores públicos investigados por meio de sindicâncias patrimoniais.
O artigo 5º, incisos X e XII, da CF estabelecem:
“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”
Ora, como acima dito, a sindicância patrimonial é um procedimento investigatório criado para apurar desvios praticados por agentes públicos, quando houver indícios da prática de atos de improbidade administrativa e a evolução patrimonial desproporcional.
É um procedimento de grande utilidade e complexidade e, para que seja exitoso, imprescindível o recebimento de dados e informações dos órgãos da administração pública que os contenham.
Assinala o Código Tributário Nacional, em seu art. 198, § 1º, inciso II:
Art. 198: Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
Assim sendo, sempre que houver solicitações de autoridades administrativas no interesse da própria administração pública, desde que comprovadas a instauração regular de procedimento administrativo, como por exemplo a sindicância patrimonial, com o objetivo de se investigar sujeito passivo por prática de infração administrativa, não haverá qualquer descumprimento constitucional, muito pelo contrário, estará se preservando o patrimônio público e cumprindo com o princípio constitucional da moralidade pública.
Há diversos precedentes jurisprudenciais de Ministros o Superior Tribunal de Justiça que embasam a utilização do procedimento da sindicância patrimonial.
MS 10825 / DF, Ministro Arnaldo Esteves Lima:
(...) 1. Na sindicância, não se exige observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa quando, configurando mera fase inquisitorial, precede ao processo administrativo disciplinar.
MS 10828 / DF, Ministro Paulo Gallotti:
(...) 2. A sindicância, que visa apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem estar dirigida, desde logo, à aplicação de sanção, prescinde da observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar, ainda sem a presença obrigatória de acusados.
MS 10442 / DF, Ministro Arnaldo Esteves Lima
(...)
1. A abertura de sindicância constitui direito-dever da Administração que, em tese, não fere direito líquido e certo do servidor. Inteligência do art. 143 da Lei 8.112/90 e art. 11, inc.II, da Lei 8.429/92.
(...)
3. Havendo indícios de que a movimentação financeira de servidor público mostra-se incompatível com a renda e patrimônio declarados, cabe à autoridade competente apurar a suposta irregularidade, porquanto dela pode originar a prática de ilícito administrativo.
4. Segurança denegada
3. CONCLUSÃO
Segundo reportagem publicada no jornal Correio Braziliense do dia 18 de novembro, nos últimos oito anos a CGU já instaurou 125 (cento e vinte e cinco) sindicâncias para apurar enriquecimentos ilícitos por parte de servidores públicos federais, sendo que 103 (cento e três) já foram concluídas. Destas, 13 (treze) encaminhadas para julgamento e 24 (vinte e quatro) tiveram procedimento administrativos disciplinas. Dos 12 (doze) concluídos, cinco servidores foram demitidos e sete inocentados. Atualmente, vinte e duas investigações estão em curso na CGU.
A quantidade de servidores públicos federais existentes atualmente pode trazer a falsa impressão que esse trabalho é insuficiente, no entanto, o efeito pedagógico que o mesmo traz consigo no combate à improbidade é grandioso.
Assim, conclui-se que utilização do procedimento investigatório da sindicância patrimonial tem-se mostrado de grande valia para a Controladoria-Geral da União e deve ser utilizado por outros órgãos da administração pública federal.
REFERÊNCIAS
1. Apresentação elaborada por Luiz Navarro, Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União, por ocasião do Encontro Brasileiro de Corregedorias Federais. Adaptada e atualizada para atender aos objetivos propostos no I Encontro de Corregedorias do Poder Executivo Federal. Disponível em Sindicancia-Patrimonial.ppt>
2. Jornal Correio Braziliense. Edição do dia 18 de novembro de 2012.
[1] Apresentação elaborada por Luiz Navarro, Secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União, por ocasião do Encontro Brasileiro de Corregedorias Federais. Adaptada e atualizada para atender aos objetivos propostos no I Encontro de Corregedorias do Poder Executivo Federal. Disponível em Sindicancia-Patrimonial.ppt>
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC Campinas e Especialista em Direito Público pela Universidade Federal de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MUNHOZ, Fabio. Instrumento de combate ao enriquecimento ilícito de servidor público. O Procedimento da Sindicância Patrimonial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2012, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32618/instrumento-de-combate-ao-enriquecimento-ilicito-de-servidor-publico-o-procedimento-da-sindicancia-patrimonial. Acesso em: 22 nov 2024.
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