I – INTRODUÇÃO.
Trata-se da análise relativa ao impacto da alteração do art. 103 da Lei nº 8.112/90, pela Lei nº 12.269/2010, na progressão e promoção dos servidores públicos frente às disposições do Decreto nº 6.530/2008 (que regulamenta a progressão e a promoção para os servidores do quadro efetivo das Agências Reguladoras) que se manteve inalterável desde a origem.
II – DESENVOLVIMENTO.
A Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais, dispunha que se contaria apenas para efeitos de aposentadoria e disponibilidade, dentre outros, a licença para tratamento de saúde de pessoa da família do servidor, com remuneração (art. 103, II). Independia, portanto, do prazo em que a licença era concedida, bastava que fosse licença com remuneração, in verbis:
Art. 103. Contar-se-á apenas para efeito de aposentadoria e disponibilidade:
II - a licença para tratamento de saúde de pessoa da família do servidor, com remuneração;
Em 21/06/2010, a Lei nº 12.269 alterou a mencionada redação e estabeleceu um prazo de 30 dias, quer dizer, que o servidor que se ausentar do serviço por mais de 30 dias para tratamento de saúde de pessoa da família terá esse prazo da licença contado somente para efeitos de aposentadoria e disponibilidade, e não mais para todos os efeitos legais, vejamos:
Art. 103. Contar-se-á apenas para efeito de aposentadoria e disponibilidade:
II - a licença para tratamento de saúde de pessoal da família do servidor, com remuneração, que exceder a 30 (trinta) dias em período de 12 (doze) meses. (Redação dada pela Lei nº 12.269, de 2010)
Assim, a questão a ser estudada é a interpretação a contrario sensu deste dispositivo, ou seja, como ficam as licenças concedidas em até 30 dias para tratamento de pessoa da família: será contada como de efetivo trabalho? Ou será contada apenas para aposentadoria e disponibilidade? Prevalecer-se-á as disposições do citado decreto ou as regras alteradas do Estatuto do Servidor Público?
Pois bem, para saber se esta aludida alteração legislativa impactou as disposições do Decreto nº 6.530, de 04 de agosto de 2008, que regulamenta a progressão e a promoção para os servidores do quadro efetivo das Agências Reguladoras, alguns pontos precisam ser analisados, principalmente a matéria constitucional.
Inicialmente, informa que no preâmbulo do Decreto nº 6.530/2008 consta que o Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, IV, da Constituição Federal, elaborou o mencionado ato legislativo.
O referido art. 84, IV, da CF, arrolou as atribuições de competência do Presidente da República, assim:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello comenta este inciso e define regulamento como “ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias ‘à execução de lei’ cuja aplicação demande atuação da Administração Pública”.
O decreto regulamentar, portanto, apesar de ser ato geral e abstrato, não inova a ordem jurídica, limitando-se à fiel execução da lei, que é seu fundamento imediato de validade. Seu objetivo, portanto, não é interpretar a lei, mas sim torna-la aplicável sem que se permita qualquer divergência possível entre ambas.
Na mesma linha o professor Alexandre de Moraes assinala que “o exercício do poder regulamentar do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da Separação de Poderes (CF, art. 2º; 60, § 4º, III), pois, salvo em situações de relevância e urgência (medidas provisórias), o Presidente da República não pode estabelecer normas gerais criadoras de direitos ou obrigações, por ser função do Poder Legislativo. Assim, o regulamento não poderá alterar disposição legal, tampouco criar obrigações diversas das previstas em disposição legislativa”.
A propósito, o aludido decreto, neste ponto, encontra na Lei nº 8.112/90 o seu substrato de validade, não podendo ir além das disposições legais, muito menos divergir com elas. Ressalta-se que o decreto regulamentar não cria obrigações nem direitos que não estejam contemplados na lei que se originou. Portanto, se a Lei nº 8.112/90 foi alterada, o decreto que a regulamenta deve ser alterado também, sob pena de ser considerado revogado, uma vez que lei posterior revoga lei anterior.
Assim, se a base normativa de um decreto é uma determinada lei ordinária, ele deve estar em consonância com ela o tempo todo. Caso a lei seja alterada, conforme o caso em estudo, o decreto perde a validade no que foi modificado, posto que não pode ser contrário aos dispositivos da lei.
Necessário observar, ainda, que como ato administrativo, o decreto se encontra sempre em situação inferior à da lei, não podendo assim, contrariá-la. Neste contexto, o poder regulamentar se encontra numa posição de submissão em relação à lei, sendo o decreto pressuposto da existência da lei, devendo ser utilizado para a sua correta explicação e aplicação.
O professor José dos Santos Carvalho Filho conclui que “ao poder regulamentar não cabe contrariar a lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser. Decorre daí que não podem os atos formalizadores criar direitos e obrigações, porque tal é vedado num dos postulados fundamentais que norteiam nosso sistema jurídico”.
Diante disso, acredita-se que a alteração da Lei nº 8.112/90 pela Lei nº 12.269/2010 alcançou o Decreto nº 6.530/2008, revogando-o.
III – CONCLUSÃO.
Pelo exposto, acredita-se que é legal a alteração de entendimento quanto à promoção e progressão dos servidores públicos de agências reguladoras que tenham gozado de licença inferior a 30 dias para tratamento de saúde de pessoa da família, posto que a lei ordinária regedora do decreto regulamentar foi alterada e este último ato normativo não seguiu o mesmo regramento, portanto foi revogado automaticamente.
IV – REFERÊNCIAS.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, 14ª ed. Rio de Janeiro Lummen Juris, 2005, p. 44.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, pág. 184.
MOARES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, pág. 433.
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