1.A Lei 8.666/93 estabelece, de forma taxativa, os documentos que podem ser exigidos pela Administração Pública, para fins de habilitação das licitantes. Qualquer exigência a mais configura-se restrição da competição. O doutrinador Marçal Justen Filho[1], entende que “O elenco dos artigos 28 a 31 deve ser reputado como máximo e não como mínimo. Ou seja, não há imposição legislativa a que a Administração, em cada licitação, exija a comprovação integral quanto a cada um dos itens contemplados nos referidos dispositivos. O edital não poderá exigir mais do que ali previsto, mas poderá demandar menos.”
2.Ao passo que a Administração Pública não está obrigada a exigir o atendimento de todos os requisitos previstos nos artigos 27 a 31 da Lei 8.666/93, nem todas as exigências ali previstas podem ser feitas em todos os casos, tal como a qualificação econômico-financeira.
3.Como é sabido, a exigência de qualificação econômica se justifica na necessidade da Administração garantir a execução integral do contrato pelo licitante e, por isso, o caso em concreto deve ser levado em consideração quando da fixação dos requisitos a serem atendidos.
4.Na lição de Marçal Justen Filho[2], “A qualificação econômico-financeira não é, no campo das licitações, um conceito absoluto. É relativo ao vulto dos investimentos e despesas necssários à execução da prestação. A qualificação econômico-financeira somente poderá ser apurada em função da necessidades concretas, de cada caso.”
5.Por isso, não se mostra razoável exigir a comprovação de requisitos previstos no artigo 31 da Lei de Licitações para mera aquisição de entrega imediata, sob pena de se restringir a competição. Por outro lado, não é recomendável que se deixe de exigir a comprovação de qualificação econômica quando o objeto a ser contratado for de grande vulto.
6.Esse é, inclusive, o entendimento da Corte de Contas, senão veja-se:
“Sumário: REPRESENTAÇÃO. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA. PREGÃO PRESENCIAL. RESTRIÇÃO AO CARÁTER COMPETITIVO. ANULAÇÃO DO CERTAME. DETERMINAÇÕES. COMUNICAÇÕES.
1. Não é lícita, em processo de licitação, a exigência da chamada “carta de solidariedade”, uma vez que restringe o caráter competitivo do certame.
2. No certame licitatório, os documentos que podem ser exigidos quanto à habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e prova de cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal estão adstritos àqueles previstos nos artigos 27 a 31 da Lei nº 8.666/1993.
3. O edital de licitação somente poderá exigir qualificações técnicas econômicas que sejam indispensáveis à garantia do cumprimento da obrigação. (TC 008.109/2008-3 – Plenário)”
7. Também a lição de Luis Carlos Alcoforado[3] reforça o entendimento de que a qualificação econômico-financeira deve ser definida diante do caso em concreto, sob pena de se restringir a competetividade:
“ Com margem certeira de convicção, diz-se que, dos quatro grupos que compõem a habilitação, o da qualificação econômico-financeira, mesmo que pequena a margem de discricionariedade, oferece à Administração o poder de estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, exigências referendadas no seu talante, especialmente no que toca ao arbitramento do capital mínimo, de patrimônio líquido mínimo e da modalidade de garantia entre as que o Estatuto permite.
Decorre desse poder, cujo exercício somente se legitima se albergado por razões e justificativas de ordem técnica, a importância de maior fiscalização, evitando-se, conseguintemente, a adoção de índices, inobstante não excederem os limites fixados na Lei, os quais tenham manifesta disposição de frustrar o caráter competitivo da licitação.”
8. Pois bem. Visto que a qualificação econômico-financeira destina-se a assegurar que o licitante disponha de condições para executar a obrigação, cumpre verificar quais os documentos estão aptos a serem exigidos pela Administração com vistas a se comprovar a boa saúde financeira da eventual contratada.
9. O artigo 31 da Lei 8.666/93 dispõe os documentos que podem ser cobrados quando da fase de habilitação:
"Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:
I - balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;
II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;
III - garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no "caput" e § 1o do art. 56 da Lei 8.666/93, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.
§ 1o A exigência de índices limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato, vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade.
§ 2o A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, a exigência de capital 0mínimo ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1o do art. 56 da Lei 8.666/93, como dado objetivo de comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes e para efeito de garantia ao adimplemento do contrato a ser ulteriormente celebrado.
§ 3o O capital mínimo ou o valor do patrimônio líquido a que se refere o parágrafo anterior não poderá exceder a 10% (dez por cento) do valor estimado da contratação, devendo a comprovação ser feita relativamente à data da apresentação da proposta, na forma da lei, admitida a atualização para esta data através de índices oficiais.
§ 4o Poderá ser exigida, ainda, a relação dos compromissos assumidos pelo licitante que importem diminuição da capacidade operativa ou absorção de disponibilidade financeira, calculada esta em função do patrimônio líquido atualizado e sua capacidade de rotação.
§ 5o A comprovação de boa situação financeira da empresa será feita de forma objetiva, através do cálculo de índices contábeis previstos no edital e devidamente justificados no processo administrativo da licitação que tenha dado início ao certame licitatório, vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação.”
10. Como transcrito acima, o artigo 31 da Lei de Licitações permite que sejam previstos no edital índices contábeis aptos a demonstrarem a boa situação financeira da empresa licitante. Todavia, referida exigência encontra, no próprio texto legal, algumas limitações a serem observadas pelo Administrador, quais sejam:
10.1 A boa situação financeira deverá ser comprovada de forma objetiva. Para tanto, a Administração deverá fixar os índices no ato convocatório. A fixação taxativa no edital mostra-se necessária para não se trazer insegurança ao licitante e ainda evitar qualquer discricionariedade no julgamento por parte da Comissão de Licitação;
10.2 O índice escolhido deverá estar justificado no processo que instruiu a licitação. Nesse sentido, oportuna trazer a lição de Jessé Torres Pereira Júnior:
“A escolha dos índices de aferição da situação financeira dos habilitantes deverá estar exposta e fundamentada no processo administrativo da licitação, do qual resultará o texto do edital. Este apenas refletirá o exame e consequente definição de natureza técnica, transmitindo à Comissão elementos bastantes para o julgamento objetivo da matéria. As razões da escolha (incluindo menção às fontes de consulta, sobretudo revistas especializadas) devem guardar nexo causal com a índole do objeto e o grau de dificuldade ou complexidade de sua execução, a fim de que se cumpra o mandamento constitucional de serem formuladas tão somente exigências necessárias a garantir o cumprimento das obrigações que se venham a avençar. (PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 6.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 380). “
Também a Corte de Contas exige justificativa para escolha de índices:
“Exigência de índices financeiros e contábeis com restrição à competitividade do certame, em oposição ao que dispõe o § 5º do art. 31 da Lei 8.666/93.
(..)
14.2.6. Importante frisar-se o que dispõe o § 5º do art. 31 da Lei n. 8.666/93, no tocante aos valores atinentes aos índices econômico-financeiros exigíveis em licitações, que ora transcrevemos:
[...]
A abordagem que se faz é da inexistência de motivos razoáveis para a adoção de índices de liquidez tão elevados e fora da realidade econômica do setor, fatos ou situações que deveriam estar documentadas, de forma clara e objetiva, no processo administrativo correlato à licitação, o que
leva inferir ter sido este um subterfúgio utilizado para reduzir o número de empresas aptas a participarem do certame, mormente se considerarmos que a divulgação do certame deu-se exclusivamente no âmbito do Estado do Acre não houve a publicação do aviso de licitação no Diário Oficial da União [...] — indicando ter havido grande interesse dos responsáveis pelo processo licitatório em manter-se restrito o número de licitantes interessados no certame.”
No mesmo sentido, o Acórdão n. 170/2007 — TCU — Plenário decidiu que:
“ausência de justificativa para os valores fixados para os índices contábeis de qualificação econômico-financeira, o que também está em desacordo com a Lei de Licitações, que estabelece, em seu art. 31, § 5º, que tais índices devem estar devidamente justificados no processo administrativo que tenha dado início ao procedimento licitatório, sendo vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para a correta avaliação da situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação’.
Destarte, a exigência dos índices supra descritos constitui violação aos princípios insculpidos no art. 3º da Lei n. 8.666/1993, e está em dissonância com o disposto no § 5º do art. 31 da Lei n. 8.666/93 (TCU. Acórdão n. 0326-06/10-P. Sessão: 03/03/2010. Rel. Min. Benjamin Zymler). “
10.3 A fixação dos índices deve ser suficiente para demonstrar a capacidade financeira da licitante em executar o contrato. Não se pode fixar índice excessivo ou insuficiente para se demonstrar a boa saúde da licitante em executar o objeto a ser pacutado. Esse entendimento foi fixado pelo TCU no Acórdão 170/2007, Plenário que entendeu ser “vedada a exigência de índices contábeis não usualmente adotados para a correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação”,
10.4Deverão ser fixados índices adotados usualmente utilizados no mercado. A Corte de Contas trouxe, no Informativo de Licitações e Contratos nº 077/2011, as seguintes informações acerca do julgamento da TC 023.583/2011, que envolvia uma Tomada de Preços onde foram exigidos índices não usualmente utilizados no mercado:
“Licitação de obra pública: 2 – De modo geral, para o fim de qualificação econômico-financeira só podem ser exigidos índices usualmente utilizados pelo mercado, sempre de maneira justificada no processo licitatório
Ainda na denúncia a partir da qual foi encaminhada notícia dando conta de pretensas irregularidades na Tomada de Preços 1/2010, realizada para execução do Convênio 657732/2009, firmado entre a Prefeitura Municipal de Davinópolis/GO e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – (FNDE), também foi apontada como irregular a exigência de índices de liquidez geral e liquidez corrente, bem como de grau de endividamento, não usualmente adotados para a correta avaliação da situação financeira. Instados a se pronunciar a respeito do fato, os responsáveis consignaram que, em seu entendimento, seria possível e plausível a indicação dos índices exigidos no edital para serviços de engenharia, um pouco superiores às demais categorias de serviços, estando de acordo com o disposto no art. 31, § 5º, da Lei 8.666/1993. Além disso, argumentaram que, considerando a complexidade da obra, a intenção foi de garantir o cumprimento das obrigações pela empresa contratada. Todavia, para o relator, ao contrário do afirmado pelos responsáveis, o edital não estaria em conformidade com a legislação, em face das grandes diferenças entre os índices usualmente adotados e os exigidos das empresas participantes do certame, conforme demonstrado pela unidade técnica. Nesse contexto, destacou que, no âmbito da Administração Pública Federal, a Instrução Normativa MARE 5/1995 definiu que a comprovação de boa situação financeira de empresa oriunda de localidade onde o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - (SICAF) não tenha sido implantado, será baseada na obtenção de índices de Liquidez Geral, Solvência Geral e Liquidez Corrente. As empresas que apresentassem resultado igual ou menor do que 1,0, em qualquer dos índices referidos, deveriam, então, apresentar outras comprovações e garantias. No caso examinado, observou-se que as exigências editalícias de índices maiores ou iguais a 5 (cinco) estavam muito superiores ao parâmetro normativo. Do mesmo modo, o grau de endividamento previsto no edital, menor ou igual a 0,16, estaria distante do índice usualmente adotado, que varia de 0,8 a 1,0. Além disso, em qualquer caso, ainda conforme o relator, seria obrigatório justificar, no processo licitatório, os índices contábeis e valores utilizados, o que não foi realizado. Por conseguinte, por essa e por outras irregularidades, votou pela aplicação de multa aos responsáveis, no que foi acompanhado pelo Plenário. Acórdão n.º 2299/2011-Plenário, TC-029.583/2010-1, rel. Min.-Subst. Augusto Sherman Cavalcanti, 24.08.2011.”
10.5. Em que pese o Informativo acima trazer um Acórdão que fez referência a IN MARE 05/1995, é importante registrar que atualmente vigora IN 02/2010 da SLTI/MPOG, que fixa critérios a serem seguidos quando da fixação de índices com vistas a se comprovar a qualificação econômico-financeira dos licitantes, senão veja-se:
“Art. 43. Os atos convocatórios devem conter cláusulas que assegurem o cumprimento das disposições contidas nesta norma, bem como as descritas nos incisos seguintes, de modo a explicitar que:
(..)
V – a comprovação da situação financeira da empresa será constatada mediante obtenção de índices de Liquidez Geral (LG), Solvência Geral (SG) e Liquidez Corrente (LC), resultantes da aplicação das fórmulas:
Ativo Circulante + Realizável a Longo Prazo
LG = -----------------------------------------------;
Passivo Circulante + Passivo Não Circulante
Ativo Total
SG = ----------------------------------------------;
Passivo Circulante + Passivo Não Circulante
Ativo Circulante
LC = -----------------------; e
Passivo Circulante
Parágrafo único. O fornecedor registrado no SICAF terá os índices, referidos no inciso V deste artigo calculados, automaticamente, pelo Sistema.
Art. 44. O instrumento convocatório deverá prever, também, que as empresas que apresentarem resultado igual ou menor que 1 (um), em qualquer dos índices referidos no inciso V do art. 43 desta norma, quando da habilitação, deverão comprovar, considerados os riscos para a Administração, e, a critério da autoridade competente, o capital mínimo ou o patrimônio líquido mínimo, na forma dos §§ 2º e 3º, do art. 31 da Lei nº 8.666, de 1993, como exigência para sua habilitação, podendo, ainda, ser solicitada prestação de garantia na forma do § 1º do art. 56 do referido diploma legal, para fins de contratação.”
11.Por tudo que foi exposto pode-se concluir que:
[1] Comentários à Lei de Licitações e Contratos. São Paulo: Dialética, 2004, p.383
[2] Comentários à Lei de Licitações e Contratos. São Paulo: Dialética, 2004, p.451
[3] Licitação e Contrato Administrativo. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p. 180-181
Procuradora Federal da PGF/AGU
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALVADOR, Juliana Lima. Dos limites para a exigência de índices contábeis para fins de qualificação econômico-financeira dos licitantes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36984/dos-limites-para-a-exigencia-de-indices-contabeis-para-fins-de-qualificacao-economico-financeira-dos-licitantes. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.