RESUMO: Com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valores dos Profissionais do Magistério, sobreveio o ajuizamento de algumas de ações judiciais discutindo eventuais irregularidades no repasse de recursos integrantes daquele Fundo. Considerando que há, invariavelmente, aporte financeiro federal, a existência da judicialização dessa matéria será de competência da Justiça Federal, nos termos do previsto no art. 109, da Constituição de 1988. Com efeito, embora, em tese, possa haver a inclusão da União no polo passivo de tais demandas, houve, por parte do administrador, a opção por transferir a gestão do FUNDEB ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Nesse passo, uma leitura mais atenta dos atos normativos que regem o assunto aponta para o fato de que, na ampla maioria das demandas relacionadas a desvios de recursos do FUNDEB, é incabível a inclusão da União como ré, sendo que o mais correto é constar o FNDE como legitimado passivo da ação, porquanto ser esta autarquia a gestora desse Fundo, tão importante para a educação básica do país.
Palavras-chave: FUNDEB. Repasses de recursos federais. Ações judiciais. Justiça Federal. União. Ilegitimidade.
I – INTRODUÇÃO
Tema bastante espinhoso no âmbito do programa educacional existente no Brasil, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valores dos Profissionais do Magistério – FUNDEB foi criado pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006, posteriormente regulamentado pela Lei nº 11.494, de 2007 e, ainda, pelo Decreto nº 6.253, também de 2007.
Como cediço, referido Fundo foi criado em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) – que vigorou em nosso Ordenamento Jurídico entre os anos de 1998 a 2006 –, devendo-se registrar a sua natureza contábil, cujo objetivo precípuo é a destinação de valores voltados à área da educação básica.
No entanto, nada obstante possa ser o FUNDEB um Fundo de cunho eminentemente estadual – visto que formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à educação, em razão do previsto no art. 212, da Constituição Federal de 1988 –, existe um aporte de recursos federais que o compõe, a título de complementação, sempre que, no âmbito de cada estado, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente[1].
E é justamente aqui que reside o objeto do trabalho, uma vez que, em razão da usual existência desse tipo de recursos (federais), a existência de eventuais discussões travadas em âmbito judicial serão atraídas para a competência da Justiça Federal, em razão do que restou previsto no art. 109, I, da Lei Maior[2].
II – DESENVOLVIMENTO
Consoante narrado, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valores dos Profissionais do Magistério possui como finalidade principal a aplicação de recursos voltados ao fortalecimento da educação básica, o que se mostra em consonância com as normas constitucionais previstas nos artigos 205 e 208, da CFRB/88[3], na parte que se refere ao dever do Estado de prestar a educação básica.
Todavia, infelizmente, é comum a existência de desvios, das mais variadas formas, na aplicação dos recursos destinados a tão importante fim. Evidentemente que, a par de contribuírem para que o país não alcance a excelência na área educacional – como sabido, o Brasil possui índices educacionais piores que muitos países da própria América do Sul, como Chile e Argentina –, referidos desvios acabam por resultar em ações judiciais que buscam não só o ressarcimento ao erário da verba desviada, como também a condenação dos ex-gestores, dos diversos entes federativos, responsáveis pelos desvios de recursos do FUNDEB, ou porque não aplicaram o mínimo no setor educacional (art. 212, CF/88), dentre os variados fatores que embasam tais demandas.
Ocorre, porém, que, uma vez ajuizadas na Justiça Federal, significativa parcela de ações acabam por envolver a própria União – através do Ministério da Educação, neste caso – em causas que, como veremos, não pode ser Ela envolvida, à medida que não possui legitimidade para estar no polo passivo da ação judicial. Aliás, registre-se que tal confusão acaba por ser muitas vezes referendada pelo próprio Poder Judiciário, que impõe o cumprimento de decisões pela União, ou mesmo determina a sua citação naquele dado processo em demandas que, acertadamente, o autor não a incluiu.
Sobre o ponto, convém esclarecer desde logo que compete ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE manifestar-se sobre questões atinentes a repasses de recursos federais realizados pelo FUNDEB e outras matérias correlatas. Senão, vejamos.
Segundo o que estabelece o art. 30 e incisos, da Lei 11.494, de 2007 – a qual regulamenta o aludido Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valores dos Profissionais do Magistério –, tem-se que:
Art. 30. O Ministério da Educação atuará:
I - no apoio técnico relacionado aos procedimentos e critérios de aplicação dos recursos dos Fundos, junto aos Estados, Distrito Federal e Municípios e às instâncias responsáveis pelo acompanhamento, fiscalização e controle interno e externo;
II - na capacitação dos membros dos conselhos;
III - na divulgação de orientações sobre a operacionalização do Fundo e de dados sobre a previsão, a realização e a utilização dos valores financeiros repassados, por meio de publicação e distribuição de documentos informativos e em meio eletrônico de livre acesso público;
IV - na realização de estudos técnicos com vistas na definição do valor referencial anual por aluno que assegure padrão mínimo de qualidade do ensino;
V - no monitoramento da aplicação dos recursos dos Fundos, por meio de sistema de informações orçamentárias e financeiras e de cooperação com os Tribunais de Contas dos Estados e Municípios e do Distrito Federal;
VI - na realização de avaliações dos resultados da aplicação desta Lei, com vistas na adoção de medidas operacionais e de natureza político-educacional corretivas, devendo a primeira dessas medidas se realizar em até 2 (dois) anos após a implantação do Fundo.
Por sua vez, a Portaria MEC nº 952, de 8 de outubro de 2007 (publicação no Diário Oficial da União de 10/10/2007), foi expressa em destinar ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, autarquia federal, a gestão operacional e administrativa do FUNDEB. A esse respeito, veja-se o que previu o seu art. 1º, in verbis:
Art. 1º Atribuir ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Educação, a responsabilidade pela gestão das atividades operacionais relacionadas ao FUNDEB, previstas nos incisos I, II, III e V do art. 30 da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.
Parágrafo único. As ações a que se referem os incisos IV e VI do art. 30 da Lei nº 11.494/2007 serão implementadas de forma compartilhada entre a Secretaria de Educação Básica - SEB e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE.
Verifica-se, portanto, que cabe ao FNDE atuar na qualidade de agente operador e como responsável pela administração do FUNDEB, de maneira que cabe a este ente fornecer, por via de consequência, os elementos relativos aos repasses de recursos e de rateios concernentes a ajustes financeiros daquele Fundo aos demais entes federativos, bem ainda, cumprir eventuais decisões judiciais que se refiram a problemas com a gestão do FUNDEB.
Ressalte-se, sobre este aspecto, que, por opção expressa prevista na referida Portaria MEC nº 952, de 2007, foi atribuída a gestão compartilhada pelo Ministério da Educação e pelo FNDE da responsabilidade atinente aos incisos IV e VI do art. 30, da Lei nº 11.494, de 2007, motivo pelo qual pode se depreender que eventuais impropriedades com a realização da definição do valor referencial anual por aluno utilizada no FUNDEB, bem como a realização de avaliações dos resultados da aplicação daquela Lei, darão azo a legitimidade da União para figurar no polo passivo de ações judiciais que envolvam estes pontos[4].
Sobre o ponto, vale registrar que, a despeito de o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) estar sob a supervisão da Administração Direta Federal – aqui, por meio do Ministério da Educação – com esta não se confunde, mesmo porque possui autonomia administrativa e personalidade jurídica própria, não pertencendo, portanto, à estrutura orgânica da União, considerando a sua natureza jurídica de autarquia federal, como expressamente disposto no diploma legal que o criou à época (art. 1º da Lei nº 5.537, de 1968).
Tal fato somente corrobora a ilegitimidade passiva da União, nas ações judiciais referentes a desvios de recursos do FUNDEB, as quais, vale dizer, têm se revelado serem a grande maioria das demandas dessa natureza.
III – CONCLUSÃO
Diante dos elementos apresentados, conclui-se que, por uma opção da Administração Pública Federal, inserida no âmbito de sua discricionariedade, a União, por meio do Ministério da Educação, transferiu a gestão operacional e administrativa do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valores dos Profissionais do Magistério ao FNDE, ocorrida por intermédio da edição da Portaria MEC nº 952, de 2007.
Dessa maneira, excetuando-se alguns poucos aspectos expressamente previstos pela referida portaria, pode-se inferir que eventuais ações judiciais – que tenham em seu cerne fatos relacionados a problemas de desvios de recursos federais, transferidos no âmbito do FUNDEB aos estados e municípios –, não devem ter a União como parte legítima a estar no polo passivo da demanda, uma vez que é o FNDE o gestor operacional do referido Fundo.
Corrobora esse entendimento o fato de ser tal ente uma autarquia federal, razão pela qual possui personalidade jurídica própria e distinta da União, não devendo, portanto, ser com Esta confundida.
Logo, nas supracitadas ações judiciais, conclui-se que não há interesse da União – por meio do Ministério da Educação – em integrar lide sobre a transferência de recursos financeiros e de rateios de reajustes financeiros da União aos municípios, por meio do FUNDEB, mesmo porque eventuais problemas de gestão são de competência do FNDE.
4. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
BRASIL. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei no 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/Lei/L11494.htm
BRASIL. Decreto nº 6.253, de 13 de novembro de 2007. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, regulamenta a Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/Decreto/D6253.htm
BRASIL, Portaria MEC nº 952, de 08 de outubro de 2007. Transfere para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a gestão das atividades operacionais relacionadas ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais do Magistério (FUNDEB) e dá outras providências. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/fnde/legislacao/portarias/item/3556-portaria-mec-n%C2%BA-952-de-08-de-outubro-de-2007
[1] Disponível no endereço eletrônico: http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/fundeb-apresentacao
[2] Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
[3] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
[4] Nesse contexto, convém asseverar ainda que as informações atinentes à área educacional, naquilo que toca ao eventual não- cumprimento do disposto no art. 212 da CF/88, são gerenciadas por meio do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação – SIOPE, conforme se verifica dos termos da Portaria MEC nº 844, de 08 de julho de 2008[4]. Impende notar, a esse respeito, que referido ato normativo dispõe competir ao FNDE – e não ao Ministério da Educação – a gestão operacional e administrativa de tal Sistema de Informações, razão pela qual, também em ações judiciais relativas a essa matéria, será o FNDE – e não, a União – o legitimado passivo adequado para tais demandas.
Advogado da União. Graduado pela PUC/RJ. Pós-graduado em Direito Constitucional, em Direito Público e Direito Administrativo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Bruno da Rocha. FUNDEB: da legitimidade passiva para a solução de litígios judiciais, na esfera federal, referentes a transferências de recursos do fundo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37371/fundeb-da-legitimidade-passiva-para-a-solucao-de-litigios-judiciais-na-esfera-federal-referentes-a-transferencias-de-recursos-do-fundo. Acesso em: 22 nov 2024.
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