Resumo: Este trabalho aborda, sinteticamente, o Acesso Individual Classe Especial – AICE. Assim é que o presente estudo discorre sobre a definição desse serviço, suas peculiaridades e regulamentação.
Sumário: 1. Introdução. 2. Do Acesso Individual Classe Especial – AICE - Serviço telefônico fixo comutado de oferta obrigatória e exclusiva ao assinante de baixa renda. 3. Conclusão.
Palavras-Chave: Do Acesso Individual Classe Especial – AICE. Assinante de Baixa Renda. Meta de universalização. STFC. Regulamento anexo à Resolução nº 586, de 5 de abril de 2012.
1 Introdução
O Decreto nº 7.512/2011, que aprovou o novo Plano Geral de Metas para Universalização do STFC prestado em Regime Público para o período de 2011 a 2015, definiu Acesso Individual Classe Especial – AICE da seguinte maneira:
Art. 4o Para efeitos deste Plano são adotadas as definições constantes da regulamentação, em especial as seguintes:
[…]
II - Acesso Individual Classe Especial - AICE: é aquele ofertado exclusivamente a Assinante de Baixa Renda que tem por finalidade a progressiva universalização do acesso individualizado do STFC por meio de condições específicas para sua oferta, utilização, aplicação de tarifas, forma de pagamento, tratamento das chamadas, qualidade e sua função social;
Demais disso, definiu como assinante de baixa renda “o responsável pela unidade domiciliar inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, criado pelo Decreto n 6.135, de 26 de junho de 2007, ou outro que o suceda” (art. 4, inciso VII).
Como meta de universalização atinente ao AICE, o Decreto nº 7.512/2011, determinou o seguinte:
Art. 8o As concessionárias do STFC na modalidade Local, nas localidades que dispõem do STFC com acessos individuais, devem ofertar o AICE, atendendo às solicitações de instalação no prazo estabelecido no § 1o do art. 5o deste Plano, observados os termos da regulamentação, que deverá assegurar a viabilidade técnica e econômica da oferta.
2 Do Acesso Individual Classe Especial – AICE - Serviço telefônico fixo comutado de oferta obrigatória e exclusiva ao assinante de baixa renda.
Inicialmente, cumpre observar que, no que se refere à definição de assinante de baixa renda, verifica-se que foi utilizado critério de elegibilidade coerente, geral e objetivo.
Nesse ponto, vale transcrever trechos do Parecer nº 1325/2010/LFF/PGF/PFE-Anatel exarado pela Procuradoria Federal Especializada junto a Anatel acerca da possibilidade de utilização do critério de elegibilidade:
II. (b).1. Da possibilidade de utilização do critério de elegibilidade.
18. A área técnica, por meio do Informe nº 442/2010-PBCPA/PBCP, de 5 de novembro de 2010, propôs a utilização do critério de elegibilidade para a identificação dos assinantes que serão beneficiários do Acesso Individual Classe Especial – AICE. Para tanto, consignou a possibilidade de utilização de tal critério e sua total coerência com a legislação de telecomunicações.
19. De fato, in casu, a utilização do critério de elegibilidade é plenamente possível, de modo a reduzir as desigualdades sociais e a universalizar o acesso individual do STFC. Nesse sentido, aliás, esta Procuradoria já consignou a constitucionalidade da proposta de Acesso Individual Classe Especial (AICE) e da definição de Assinante de Baixa Renda, por ocasião da análise da Proposta do Plano Geral de Metas para a Universalização do STFC – ciclo 2011 - 2015 (Parecer nº1261/2010/ICL/MGN/PFS/RLV/PGF/PFE-Anatel), verbis:
II. (k) Da constitucionalidade da proposta de Acesso Individual Classe Especial (AICE) e da definição de Assinante de Baixa Renda.
216. A proposta de Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) previu a reformulação do AICE, a ser implementada por meio de regulamentação da Anatel. Os dispositivos do PGMU que regem a matéria são os seguintes (obs.: versão posta em Consulta Pública):
Art. 4° Para efeitos deste Plano são adotadas as definições constantes da regulamentação, em especial as seguintes:
[...]
II - Acesso Individual Classe Especial - AICE é aquele ofertado exclusivamente a Assinante de Baixa Renda que tem por finalidade a progressiva universalização do acesso individualizado por meio de condições específicas para sua oferta, utilização, aplicação de tarifas, forma de pagamento, tratamento das chamadas, qualidade e sua função social;
[...]
VII – Assinante de Baixa Renda é o responsável pela unidade domiciliar inscrito no Cadastro Único para programas Sociais do Governo Federal, criado pelo Decreto nº 6.135, de 36 de junho de 2007, e beneficiário do programa "Bolsa Família" de acordo com a Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004 ou outro que o suceda;
Art. 24. As concessionárias do STFC na modalidade Local, nas localidades que já dispõem do STFC com acessos individuais, devem ofertar o AICE, atendendo às solicitações de instalação no prazo máximo de trinta dias, observado o disposto na regulamentação.
Parágrafo único. Enquanto não for editada a regulamentação a que se refere o caput, os contratos vigentes de AICE permanecerão inalterados.
217. Do ponto de vista jurídico, a questão que se coloca é quanto à compatibilidade dessa norma com o princípio constitucional da igualdade e, mais especificamente, com a regulamentação que integra a Lei Geral de Telecomunicações.
218. A principal dimensão do princípio da igualdade, ao menos sob a óptica que interessa para a compreensão do presente caso, determina que a atuação das instituições estatais deve tomar por parâmetro por uma regra de isonomia, que veda o tratamento discriminatório injustificado entre os cidadãos.
219. Daí não decorre que o Estado deva se pautar por um princípio extremado de neutralidade, segundo o qual o respeito à igualdade demandaria – ou, ainda, somente autorizaria – uma atuação baseada em critérios abstratos e gerais. De acordo com essa interpretação, não seria juridicamente admissível levar em conta as especificidades de cada situação concreta e criar distinções entre os indivíduos ou grupos.
220. Esse tipo de leitura não encontra respaldo no modelo constitucional em vigor. Com efeito, uma interpretação meramente formal ou, ainda, que se pretenda neutra, do princípio da igualdade, pode ter por efeito ratificar ou reforçar desigualdades existentes no mundo concreto. Dito de outro modo, aplicar uma mesma norma para pessoas em situações diferentes pode significar a atribuição (ou a confirmação) de privilégios de uns em detrimento de outros.
221. Sendo assim, o princípio da igualdade, consagrado na Constituição de 1988, não pode ser lido, unicamente, sob o ponto de vista formal. Mais do que isso, sob pena de contrariar o seu próprio conteúdo normativo, é necessário considerá-lo também sob o aspecto material, que demanda a avaliação das condições fáticas e do contexto no qual se inserem os destinatários da norma.
222. A igualdade somente é assegurada na medida em que as políticas e os atos públicos levem em consideração as especificidades de cada situação concreta. As distinções demonstram-se possíveis, como forma de tratar desigualmente os desiguais, desde que não sejam erigidas arbitrariamente. A necessidade de justificação é, nesse sentido, parte fundamental do trato com o princípio jurídico da igualdade.
223. Corroborando a nossa análise, veja-se a seguinte passagem de voto do Ministro Eros Grau, proferido na ADIn nº 2.176-6/RO, de 29/11/2007:
A concreção do princípio da igualdade reclama a prévia determinação de quais sejam os iguais e quais os desiguais, até porque [...] a igualdade consiste em dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Vale dizer: o direito deve distinguir pessoas e situações distintas entre si, a fim de conferir tratamentos normativos diversos a pessoas e a situações que não sejam iguais.
[...]
A lei – como qualquer outro texto normativo – pode sim, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio.
[...]
Dir-se-á, pois, que uma discriminação será arbitrária quando ‘não seja possível encontrar, para a diferenciação legal, alguma razão adequada que surja da natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível’”.[1]
224. Em sentido semelhante, e como exemplo concreto do trato com o princípio da igualdade, pode-se mencionar o caso, recentemente julgado pelo STF (ADIN nº 4.259/PB, DJ 20/08/2010), do programa “Acelera Paraíba”, política de incentivo para pilotos de automobilismo nascidos naquele Estado. O STF declarou a inconstitucionalidade da lei que instituiu o programa ao considerar arbitrária e contrária ao princípio da impessoalidade a distinção efetuada pela norma entre os pilotos. Na prática, a lei assegurava que cerca de 75% do total de recursos previstos – algo em torno de um milhão de reais – seria destinado a uma única categoria de automobilismo, em relação à qual somente um piloto paraibano estava vinculado[1].
225. Nesse caso, a violação à igualdade é fruto da arbitrariedade do privilégio atribuído ao principal destinatário da norma. Parece nítido, nesse aspecto, que a lei estadual valeu-se de critério casuísta, fortemente subjetivo e personalista para efetuar a distinção entre as situações concretas. Aliado a isso, a finalidade do programa restou, na prática, desviada e comprometida, uma vez que, longe de beneficiar e incentivar a prática do esporte pelos cidadãos em geral, criou um benefício singularizado, a ser usufruído, quase que integralmente, por uma única pessoa.
226. Em resumo, e considerando o exposto, demonstra-se compatível com o princípio constitucional da igualdade a instituição de política pública baseada na distinção entre situações e/ou pessoas com o fim de atribuir tratamento diferenciado a uns em relação a outros. Tal distinção deve ser amplamente motivada, fundada em critério coerente, geral e objetivo, e se demonstrar adequada à consecução de finalidades públicas. Não pode, enfim, ser arbitrária, de modo a contrariar o próprio conteúdo do princípio constitucional da igualdade ou de outras regras e princípios correlatos.
227. É essa a compreensão do princípio da igualdade que deve nortear a interpretação dos dispositivos da LGT aplicáveis à universalização do serviço. E assim deve ser por que o princípio da igualdade possui matriz constitucional, de hierarquia, portanto, superior à legislação ordinária. Aliado a isso, deve-se considerar que as determinações da LGT quanto à universalização do serviço possuem intrínseca relação com o princípio constitucional da igualdade. A esse respeito, o art. 79, § 1º, da LGT estabelece que:
Art. 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público.
§ 1° Obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição sócio-econômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público. (grifamos]
228. Como se pode ver, o objetivo primordial da universalização de determinado serviço de telecomunicações é assegurar o seu acesso a todas as pessoas. Trata-se de uma medida programática essencialmente igualitária, que impõe ao poder público a obrigação de tomar as providências necessárias para eliminar ou mitigar as barreiras que impedem o acesso ao serviço por todos os cidadãos.
229. O fato é que, em consonância com o princípio da igualdade, a LGT autoriza o reconhecimento motivado de situações distintas com o fim de tornar mais efetiva a política de universalização. Significa dizer que o princípio de universalização do serviço prestado no regime público é mais bem atendido ao se considerar a real situação de cada usuário, notadamente, quanto aos empecilhos impostos pelos obstáculos econômicos e geográficos ao acesso ao serviço[1].
230. Por isso mesmo, não pode ser vista como “neutra” ou, enfim, compatível com a Constituição e a LGT, uma interpretação que ignore a existência de fortes disparidades econômicas entre os usuários. Ou, ainda, que não leve em conta o fato de que, em geral, as prestadoras têm pouco interesse, dado o baixo retorno econômico, em atender localidades distantes dos grandes centros.
231. A universalização do acesso somente será, de fato, alcançada, quando sejam tomadas medidas que permitam o efetivo acesso dos usuários com menores condições econômicas e/ou que residam em localidades com oferta precária do serviço. Tal é a conclusão que se pode extrair da correta interpretação do princípio constitucional da igualdade e das disposições da LGT acerca da universalização dos serviços de telecomunicações prestados em regime público.
232. Feitas essas considerações acerca do conteúdo do princípio da igualdade e das suas relações com a regulação das obrigações de universalização previstas na LGT, passamos a analisar, de forma específica, a proposta do AICE, tal como consta no PGMU III.
233. A nosso ver, a compatibilidade da proposta com a Constituição Federal e com a LGT é total. Com efeito, a distinção realizada a partir da criação do conceito de Assinante de Baixa Renda não é injustificada ou arbitrária. Muito pelo contrário, funda-se em critério coerente, geral e objetivo, qual seja, aquele fixado para o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal.
234. Atualmente, o CadÚnico é regido pela Lei nº 10.836/2004 e pelo Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007. De acordo com o art. 2º do Decreto:
Art. 2º O Cadastro Único para Programas Sociais - CadÚnico é instrumento de identificação e caracterização sócio-econômica das famílias brasileiras de baixa renda, a ser obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal voltados ao atendimento desse público.
235. O critério utilizado para a definição dos beneficiários dos programas sociais – no caso do AICE, o Assinante de Baixa Renda – é, como dito, geral e objetivo: a renda familiar per capita. Nesse sentido, confira-se o que dispõe o art. 4º do Decreto 6.135/2007:
Art. 4º Para fins deste Decreto, adotam-se as seguintes definições:
I - família: a unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos, eventualmente ampliada por outros indivíduos que contribuam para o rendimento ou tenham suas despesas atendidas por aquela unidade familiar, todos moradores em um mesmo domicílio.
II - família de baixa renda: sem prejuízo do disposto no inciso I:
a) aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo; ou
b) a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos;
236. A definição do cadastro, portanto, não singulariza beneficiários, nem toma por base critérios subjetivos ou personalistas. Traz consigo relação da parcela mais vulnerável da população, cuja situação concreta, marcada pela pobreza acentuada, demanda um tratamento diferenciado como forma de realizar a própria igualdade. Por isso, não pode ser tachada de discriminatória a fixação de condições específicas, por ato do poder público, para a oferta do STFC a assinantes de baixa renda.
237. Aliado a isso, o critério econômico vai ao encontro do que determina a LGT quanto à necessidade de se assegurar a universalização do serviço prestado em regime público a todas as pessoas, independentemente de sua condição sócio-econômica. A proposta do AICE, nesse sentido, constitui-se como meio adequado para a consecução de um fim público, estabelecido, de forma expressa, pela Lei Geral de Telecomunicações: a redução ou a mitigação dos obstáculos econômicos ao acesso efetivo ao STFC.
238. De outra sorte, é importante mencionar que a criação do CadÚnico tem nítido propósito de integração e racionalização dos programas sociais. Com ele, evita-se a adoção de critérios díspares pelos diversos órgãos públicos, a focalização arbitrária das políticas sociais, assim como a duplicidade e a sobreposição de estruturas e de informações[1]. A esse respeito, lembre-se que a LGT (art. 2º, VI) impõe a harmonização das metas de desenvolvimento do setor de telecomunicações com as metas de desenvolvimento social do país.
239. Do exposto, conclui-se que a proposta de AICE constante do PGMU III – e, especialmente, a sua destinação aos Assinantes de Baixa Renda – é compatível com o princípio constitucional da igualdade e com a regulação das metas de universalização constante na LGT. O critério utilizado para a distinção entre assinantes restou devidamente motivado, fundado em regras coerentes, objetivas e gerais, cuja adoção se revela adequada à consecução de finalidades públicas, estabelecidas na própria LGT.
240. Vale ressaltar, também com base em toda a argumentação acima expendida, que é desnecessária a edição de lei específica a autorizar a implementação do AICE destinado a assinantes de baixa renda. Como visto, é o próprio princípio da igualdade, em sua versão material, que impõe ao poder público a consideração das especificidades de cada situação concreta. Condicionar a aplicação desse dispositivo à promulgação de lei contraria a própria Constituição, que é expressa ao enunciar a autoaplicabilidade das normas que expressam direitos e garantias fundamentais[1].
241. Como se não bastasse, a LGT é, também, imperiosa no sentido de que cabe ao poder público, na fixação de metas de universalização, valer-se dos mecanismos necessários à superação dos obstáculos econômicos ao acesso ao serviço prestado em regime público (art. 79, § 1º). Deve-se considerar, ainda, que a Anatel detém competência, enquanto órgão regulador, para implementar a política nacional de telecomunicações (art. 19, I) e, ainda, para deliberar, na esfera administrativa, quanto à interpretação da legislação de telecomunicações e sobre os casos omissos (art. 19, XVI)[1].
242. Dessa forma, a implementação e a regulamentação do AICE, além de encontrar guarida no princípio da igualdade e na LGT, insere-se na esfera de atribuições legais da Anatel, demonstrando-se desnecessária a promulgação de lei contendo autorização específica.
243. Cumpre destacar que cabe ao Presidente da República, tão-somente, aprovar o Plano de Metas de Universalização (art. 18, III, LGT). O Poder Executivo detém competência para orientar e fixar os objetivos a serem alcançados pela política nacional de telecomunicações. Por isso mesmo, o PGMU deve conter apenas princípios e diretrizes, que servirão de norte para a implementação, regulamentação e execução da política pública pela Anatel. Daí que se demonstra juridicamente correta a remissão, constante da minuta, à regulamentação, quer dizer, ao detalhamento da matéria, a ser formulado pela Anatel.
244. Finalmente, cabe menção ao fato de que a proposta de AICE para assinantes de baixa renda não é obstaculizada pelo disposto nos artigos 3º, III, e 107, caput, da LGT. A redação dos dispositivos é a seguinte:
Art. 3° O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
[...]
III - de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço;
Art. 107. Os descontos de tarifa somente serão admitidos quando extensíveis a todos os usuários que se enquadrem nas condições, precisas e isonômicas, para sua fruição.
245. A vedação à discriminação de usuário deve ser lida em consonância com a concepção material do princípio da igualdade, de modo que o que não se admite é a discriminação arbitrária entre os usuários. Assim, uma vez que foi fixado critério objetivo para a definição de “assinante de baixa renda”, em consonância com o objetivo legal de universalização do serviço, e considerando que todos os que se enquadrarem na definição terão acesso às mesmas condições de acesso e fruição do serviço, não há que se falar em violação a direitos dos usuários.
246. Essa argumentação é corroborada pelo disposto no art. 107 da LGT. Embora mais dirigido às prestadoras[1], a regra é precisa quanto à necessidade de a concessão de descontos ser feita de forma isonômica, isto é, acessível a todos os que se enquadrem nas condições para a sua fruição. Eventual desconto nas tarifas do AICE determinado pela Anatel, por exemplo, não implicaria violação ao disposto no art. 107, posto que extensível a todos os usuários que atenderem aos requisitos objetivos fixados no PGMU.
247. Em suma, diante dos parâmetros igualitários fixados na proposta de AICE prevista no PGMU, todos os usuários que se enquadrarem no critério serão, indistintamente, atendidos, de forma que não se vislumbra qualquer incompatibilidade ou violação ao disposto no art. 3º, III, e no art. 107, ambos da LGT.
28. Ainda quanto ao tema, vale transcrever a conclusão do Parecer nº1261/2010/ICL/MGN/PFS/RLV/PGF/PFE-Anatel:
v) No que concerne à proposta de Acesso Individual Classe Especial e à definição de Assinante de Baixa Renda:
(v.1.) Pela constitucionalidade e consonância com o princípio da igualdade de política pública baseada na distinção entre situações e/ou pessoas com o fim de atribuir tratamento diferenciado a uns em relação a outros, desde que a distinção em causa seja amplamente motivada, fundada em critério coerente, geral e objetivo, e se demonstre adequada à consecução de finalidades públicas;
(v.2.) Pelo entendimento de que o objetivo primordial da fixação de metas de universalização é assegurar a todas as pessoas o acesso a determinado serviço de telecomunicações, constituindo-se como uma medida programática essencialmente igualitária, que impõe ao poder público a obrigação de considerar a situação concreta de cada usuário e tomar as providências necessárias para eliminar ou mitigar as barreiras econômicas e geográficas que impedem o acesso ao serviço, na forma do que determina o art. 79, § 1º, da LGT;
(v.3.) Pela compatibilidade da proposta de AICE constante do PGMU III – e, especialmente, a sua destinação aos Assinantes de Baixa Renda – com o princípio constitucional da igualdade e com a regulação das metas de universalização constante na LGT, uma vez que o critério utilizado para a distinção entre assinantes restou devidamente motivado, fundado em regras coerentes, objetivas e gerais, cuja adoção se revela adequada à consecução de finalidades públicas estabelecidas na própria LGT;
(v.4.) Diante dos parâmetros igualitários fixados na proposta de AICE prevista no PGMU, todos os usuários que se enquadrarem no critério serão, indistintamente, atendidos, de forma que não se vislumbra qualquer violação ao disposto no art. 3º, III, e no art. 107, ambos da LGT;
(v.5.) A implementação e a regulamentação do AICE insere-se na esfera de atribuições legais da Anatel, demonstrando-se desnecessária a promulgação de lei contendo autorização específica.
20. Note-se, aliás, que proposta de revisão do Regulamento do AICE repetiu, em seu art. 2º, a redação constante da proposta de Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU). Vejamos a proposta de redação do art. 2º do Regulamento do AICE:
Art. 2º Para fins deste Regulamento são adotadas as definições constantes da regulamentação e, em especial, as seguintes:
I – Acesso Individual Classe Especial – AICE é aquele ofertado exclusivamente a Assinante de Baixa Renda que tem por finalidade a progressiva universalização do acesso individualizado do STFC por meio de condições específicas para sua oferta, utilização, aplicação de tarifas, forma de pagamento, tratamento de chamadas, qualidade e função social;
II – Assinante de Baixa Renda é o responsável pela unidade domiciliar inscrito no Cadastro único para programas sociais do Governo Federal, criado pelo Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007, e beneficiário do programa “Bolsa Família”, de acordo com a Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004 ou outro que o suceda.
29. Quanto ao tema, portanto, esta Procuradoria adota integralmente os termos do parecer acima mencionado, o que é permitido pelo § 1º do art. 50 da Lei n.º 9.784/99, e reitera a possibilidade de utilização do critério de elegibilidade proposto.
Cumpre observar, ainda, que o critério de elegibilidade está inserido no juízo discricionário da Administração Pública, sendo a utilização do Cadastro Único plenamente razoável e objetiva, atingindo todos que nele se enquadrem.
O Acesso Individual Classe Especial atualmente está regulamentado pelo Regulamento anexo à Resolução nº 586, de 5 de abril de 2012, da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel.
Tal Regulamento define as regras básicas, os requisitos de demanda e as características para oferta, tarifação, qualidade e forma de pagamento do Acesso Individual Classe Especial – AICE, do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral – STFC, prestado em regime público.
Como se trata de meta de universalização, todos os custos relacionados com o cumprimento do disposto no Regulamento são suportados exclusivamente pela Concessionária do STF na modalidade local. É o que dispõe o art. 4º do Regulamento anexo a à Resolução nº 586/2012.
Trata-se de serviço de oferta obrigatória e exclusiva ao assinante de baixa renda, para uso estritamente doméstico, no domicilio constante do Cadastro Único para programas Sociais do Governo Federal (art. 5º do Regulamento anexo à Resolução nº 586/2012).
Trata-se de serviço oferecido e comercializado com tarifa de assinatura na forma de pagamento pós-paga, sendo as demais tarifas comercializadas na forma de pagamento pré-paga. Vejamos o que estabelece o Regulamento anexo à Resolução nº 586/2012 nesse ponto:
Art. 7º O AICE é oferecido e comercializado obrigatoriamente como plano de serviço com tarifa de assinatura na forma de pagamento pós-paga, sendo as demais tarifas comercializadas na forma de pagamento pré-paga, com crédito vinculado ao terminal, nos termos da regulamentação.
Parágrafo único. É facultada a oferta e comercialização do AICE com tarifa de assinatura na forma de pagamento pré-paga, com crédito vinculado ao terminal, mediante Plano Alternativo de Serviço, observados os seguintes critérios e as demais disposições regulamentares:
I - é facultada a emissão de documento de cobrança para pagamento da disponibilidade e do direito de uso, observada a regulamentação.
II - a fruição de tráfego local será paga exclusivamente com créditos comercializados pela Concessionária responsável pela manutenção da disponibilidade e do direito de uso do acesso.
Art. 8º Havendo incidência de tarifas cuja forma de pagamento seja pré-paga, o Assinante deverá ter à sua disposição recurso que lhe possibilite, de forma gratuita e em tempo real, a verificação dos créditos remanescentes e seu prazo de disponibilidade, sem prejuízo dos demais direitos previstos na regulamentação relativos à oferta do STFC na forma de pagamento pré-paga.
Cumpre salientar que o Regulamento anexo à Resolução nº 586/2012 estabeleceu, como obrigação da concessionaria, a divulgação e a oferta do AICE aos assinantes de baixa renda, como forma de efetivamente implementar o serviço. Como o AICE depende de solicitação de instalação, a divulgação e oferta é de suma importância para sua implementação. Vejamos o que estabelece o art. 14 do Regulamento anexo à Resolução nº 586/2012:
Art. 14. A Concessionária deve ofertar o AICE nas localidades com acessos individuais do STFC aos assinantes de baixa renda inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, ou outro que o suceda, nas seguintes fases e prazos máximos de implementação:
I - a partir da vigência deste Regulamento, aos Assinantes de Baixa Renda com renda familiar mensal de até um salário mínimo, conforme constante no Cadastro;
II - a partir de 12 (doze) meses da vigência deste regulamento, aos Assinantes de Baixa Renda com renda familiar mensal de até 2 (dois) salários mínimos, conforme constante do Cadastro;
III - a partir de 24 (vinte e quatro) meses da vigência deste regulamento, a todos os inscritos no cadastro.
§ 1º As regras estabelecidas no caput e incisos I, II e III não vedam a antecipação da oferta do AICE, a critério da prestadora.
§ 2º Na hipótese de reduzida quantidade de adesões ao AICE no período, a Anatel poderá, mediante ato administrativo, antecipar o início de uma ou mais fases de implementação.
Destaque-se, ainda, que, nos termos do art. 10 do Regulamento anexo à Resolução nº 586/2012, “cabe à concessionária verificar o enquadramento dos interessados no AICE, na condição de Assinante de Baixa Renda e verificar a situação da inscrição no Cadastro Único para fins de notificação e eventual migração para outro plano de serviço, nos termos deste regulamento”.
Por fim, insta consignar que o Regulamento anexo à Resolução nº 586/2012 estabelece os critérios tarifários e de reajustes de valores. Vejamos:
Dos Critérios Tarifários
Art. 11. Os valores máximos cobrados pela concessionária para os itens tarifários aplicáveis ao AICE são estabelecidos em Ato da Anatel, observando-se que:
I - Pela instalação do AICE poderá ser cobrada tarifa de habilitação, respeitado o limite máximo da tarifa de habilitação aplicável à classe residencial, nos termos do contrato de concessão;
II - Pela mudança de endereço de assinante AICE poderá ser cobrada tarifa de mudança de endereço, respeitado o limite máximo da tarifa de mudança de endereço aplicável à classe residencial, nos termos do contrato de concessão;
III - Pela manutenção da disponibilidade e do direito de uso do AICE será cobrada tarifa de assinatura, respeitado o limite máximo de 33% (trinta e três por cento) do valor da tarifa de assinatura aplicável à classe residencial, nos termos do contrato de concessão;
IV - Pela fruição de tráfego telefônico local originado no AICE destinado a outro terminal do STFC, será cobrada tarifa de utilização respeitados os critérios e limites máximos aplicáveis às demais classes do plano básico, nos termos do contrato de concessão;
V - Pela fruição de tráfego telefônico originado no AICE destinado a outros serviços de telecomunicações, será cobrada tarifa por tempo de utilização, respeitados os critérios e limites máximos aplicáveis às demais classes do plano básico, nos termos do contrato de concessão;
VI - Pela fruição de tráfego telefônico originado no AICE, será cobrada pela concessionária do STFC na modalidade longa distância nacional e internacional tarifa por tempo de utilização, respeitados os critérios e limites máximos aplicáveis às demais classes do plano básico, nos termos do contrato de concessão;
VII - O assinante do AICE da Concessionária do STFC local tem direito a uma franquia mensal de 90 (noventa) minutos, que podem ser utilizados nas chamadas locais entre acessos do STFC, não cumulativos para outro período de apuração.
§ 1º Devem ser oferecidas condições para pagamento parcelado do valor da habilitação e do valor de mudança de endereço de que tratam os incisos I e II deste artigo.
§ 2º As regras e critérios de tarifação definidos neste Regulamento constituem parte integrante dos contratos de concessão do STFC.
§ 3º As concessionárias do STFC nas modalidades longa distância nacional e internacional devem oferecer, visando o adequado atendimento ao assinante, plano de serviço na forma de pagamento pré-paga, observados os termos da regulamentação.
CAPÍTULO VI
Do Reajuste de Valores
Art. 12. As tarifas de que tratam o artigo 11 devem ser reajustadas, observando-se os percentuais máximos e demais critérios aplicáveis às respectivas tarifas da classe residencial do plano básico, nos termos definidos no contrato de concessão.
§ 1º A ativação e manutenção de AICE serão considerados para efeito de compartilhamento dos ganhos econômicos previstos no § 2º do art. 108 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, nos termos definidos em regulamentação específica.
§ 2º As quantidades de assinantes do AICE e de minutos por eles originados devem ser computadas para efeito da aplicação das fórmulas de reajuste previstas na cláusula 12.1 do contrato de concessão da modalidade local.
A Anatel, por meio do Ato nº 3.596, de 27 de junho de 2012, fixou os valores tarifários máximos, líquidos de impostos e contribuições, do Acesso Individual Classe Especial (AICE).
3 Conclusão
Como exposto no presente trabalho, o AICE, sinteticamente, traduz-se no serviço telefônico fixo comutado de oferta obrigatória e exclusiva ao assinante de baixa renda e tem por finalidade a progressiva universalização do acesso individualizado do STFC, por meio de condições específicas para sua oferta, utilização, aplicação de tarifas, forma de pagamento, tratamento das chamadas, qualidade e sua função social.
O AICE, de acordo com a regulamentação vigente e com o critério de elegibilidade nela previsto, permite com que as famílias inscritas no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal tenham acesso ao serviço de telefonia fixa em condições especiais.
Desse modo, pode-se concluir que se trata de importante meta de universalização, que, de fato, populariza o acesso ao serviço, daí porque alguns o denominam de ‘’telefone popular”.
Referências Bibliográficas
ESCOBAR, João Carlos Mariense. Serviços de telecomunicações: aspectos jurídicos e regulatórios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
Telecomunicações no desenvolvimento do Brasil. Coordenação Geral Lia Ribeiro Dias, Patrícia Cornils. São Paulo: Momento Editorial, 2008.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELIX, Luciana Chaves Freire. Do Acesso Individual Classe Especial - AICE - Serviço telefônico fixo comutado de oferta obrigatória e exclusiva ao assinante de baixa renda Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39070/do-acesso-individual-classe-especial-aice-servico-telefonico-fixo-comutado-de-oferta-obrigatoria-e-exclusiva-ao-assinante-de-baixa-renda. Acesso em: 22 nov 2024.
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