I – INTRODUÇÃO
O presente artigo trata da análise e evolução histórica da responsabilidade civil extracontratual do Estado, passando pelo estudo da responsabilidade objetiva, subjetiva e do risco integral.
II – DESENVOLVIMENTO.
Inicialmente, impende ressaltar que o presente artigo se restringirá à análise da responsabilidade extracontratual do Estado, eis que a responsabilidade contratual é regida pelas regras próprias dos contratos administrativos, matéria alheia ao contexto do presente estudo.
Celso Antônio Bandeira de Mello define a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado como sendo:
... a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.[1]
A responsabilidade civil/extracontratual do Estado pode decorrer de atos jurídicos, de atos ilícitos, de comportamentos materiais ou de omissões do poder público.[2]
Para se chegar à fase atual de evolução da responsabilidade civil do Estado, houve um período de longa evolução. Vejamos:
A primeira fase foi a do Estado absolutista, na qual vigorava a irresponsabilidade estatal. Algumas expressões clássicas retratam o pensamento da época, tais como: “The king can do no wrong” – o rei não erra; “L’État c’est moi” – o Estado sou eu; “quod principi placuit habet legis vigorem” – aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei.
José dos Santos Carvalho Filho explica as razões da irresponsabilidade do Estado. Diz o doutrinador que o Estado tinha limitada atuação nas relações entre particulares, de modo que a doutrina de sua irresponsabilidade constituía mero corolário da figuração política de afastamento e da equivocada isenção que o Poder Público assumia àquela época.[3]
Naquele período, admitia-se, também, a responsabilização do agente público. Naquela hipótese, o administrado poderia acionar o próprio servidor que causou o dano, mas se este era insolvente, a indenização era frustrada.[4]
A fase da chamada irresponsabilidade civil do Estado foi superada no início do século XIX, momento em que começou a ser adotada a Teoria Civilista da Culpa.
Em 1803 foi aprovado o Código Civil francês, o qual dispunha, em seu artigo 1.382, que todo aquele que por ação ou omissão, por negligência, imperícia, imprudência ou dolo, causasse prejuízo a terceiro, era obrigado a ressarcir o dano causado.[5]
Apesar da positivação da norma, somente no ano de 1873 é que o Tribunal de Conflitos francês, ao enfrentar o caso da menina Agnès Blanco, atropelada por carruagem que pertencia a uma empresa estatal, admitiu a responsabilidade civil do Estado.[6]
Naquela ocasião, considerando a utilização de princípios de direito público para a solução do caso, surgiram os primeiros embriões dogmáticos do que viria a se transformar na Teoria Publicista, a qual, posteriormente, foi dividida em Teoria da Culpa do Serviço e Teoria do Risco.
A Teoria da Culpa do Serviço buscou desvincular a responsabilidade do Estado da ideia de culpa do funcionário.[7] Esta teoria costuma ter aplicação nos casos de ausência ou atraso na prestação do serviço, ou prestação defeituosa, que impliquem prejuízo para o particular. Com a adoção desta teoria, restou fortalecida a denominada culpa anônima, tornando-se prescindível a demonstração de culpa de qualquer agente público específico.[8]
A Teoria do Risco, por sua vez, é o fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado, o que significa que o risco assume posição decisiva para obrigar o Estado a responder pelos danos causados no desempenho de suas atividades, independentemente de culpa.
Esta Teoria surgiu e se consolidou em razão de o Estado ser um ente mais poderoso que os subordinados, tornando injusto que, diante dos prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse o administrado que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos, ou seja, o Estado tem que arcar com o risco natural de suas diversas atividades, caracterizando, desta forma, a justiça social.
José dos Santos Carvalho Filho expõe outro fundamento da responsabilidade objetiva do Estado. Vejamos:
Além do risco decorrente das atividades estatais em geral, constitui também fundamento da responsabilidade objetiva do Estado o princípio da repartição dos encargos. O Estado, ao ser condenado a reparar os prejuízos do lesado, não seria o sujeito pagador direto; os valores indenizatórios seriam resultantes da contribuição feita por cada um dos demais integrantes da sociedade, a qual, em última análise, é a beneficiária dos poderes e das prerrogativas estatais. [9]
Ainda quanto ao histórico da responsabilidade civil do Estado, verificamos, por fim, a Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva. Celso Antônio conceitua esta teoria com muita precisão. Vejamos:
Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano. [10]
A presente Teoria é adotada atualmente e desdobra-se em Teoria do Risco Administrativo e Teoria do Risco Integral.
Hely Lopes Meirelles, citado por Lucas Furtado, aponta a diferença existente entre elas: a Teoria do Risco Integral não admite excludente da responsabilidade civil, mas a Teoria do Risco Administrativo admite nas hipóteses de culpa exclusiva do particular ou de terceiro (o particular que pede a indenização ao Estado não precisa demonstrar que o Estado agiu com culpa, mas o Estado pode provar a culpa do administrado para se eximir da responsabilidade) e nos casos fortuitos ou de força maior (desde que não esteja configurada a omissão estatal).[11]
No tocante ao histórico da responsabilidade extracontratual do Estado no direito positivo brasileiro, cabe destacar que em momento algum vigorou a teoria da irresponsabilidade.
Há de se ressaltar, contudo, que a responsabilidade civil do Estado, no Brasil, na sua forma subjetiva, esteve prevista na Constituição do Império, 1824, em seu artigo 179, nº 29, bem como na Constituição Republicana, 1891, artigo 82. Entendia-se, naquela época, que havia solidariedade entre o Estado e os agentes pelos atos praticados por estes.[12]
Em 1916, foi promulgado o Código Civil Brasileiro que adotou a teoria civilista. Vejamos o disposto no art. 15 do mencionado diploma legal:
Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano.
No mesmo sentido, verificamos as Constituições de 1934 (art. 171) e de 1937 (art. 158) que estabeleceram a responsabilidade solidária entre o Estado e os agentes.
A Constituição Federal de 1946, art. 194, por sua vez, constitucionalizou o dever do Estado de ressarcir os prejuízos causados aos administrados independentemente da ocorrência da culpa, isto é, por meio da responsabilidade objetiva. O artigo dispõe, no seu caput, que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiro”. O parágrafo único acrescenta que “caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”.
A Constituição Federal de 1967 (art. 105) e a Emenda Constitucional nº 1, de 1969 (art. 107), repetiram a norma anterior acrescentando apenas, no parágrafo único, que a ação regressiva cabe nas hipóteses de culpa ou dolo do agente.
Por último, a Constituição Federal de 1988 abraçou a responsabilidade objetiva do Estado. O artigo 37, § 6º dispõe, in verbis:
... as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Diante do dispositivo constitucional, os doutrinadores começaram a discutir se passou a existir apenas a responsabilidade objetiva, ou se seria possível conjugar a responsabilidade subjetiva em algumas hipóteses.
Celso Antônio cita o professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello para explicar quando seria cabível a responsabilidade objetiva e quando seria aplicável a responsabilidade subjetiva.
A responsabilidade fundada na teoria do risco-proveito pressupõe sempre ação positiva do Estado, que coloca terceiro em risco, pertinente à sua pessoa ou ao seu patrimônio, de ordem material, econômica ou social, em benefício da instituição governamental ou de coletividade geral, que o atinge individualmente, e atenta contra a igualdade de todos diante dos encargos públicos, em lhe atribuindo danos anormais, acima dos comuns, inerentes à vida em Sociedade.
Consiste em ato comissivo, positivo do agente público, em nome do e por conta do Estado, que redunda em prejuízo a terceiro, conseqüência de risco decorrente da sua ação, repita-se, praticado tendo em vista proveito da instituição governamental ou da coletividade em geral. Jamais de omissão negativa. Esta, em causando dano a terceiro, não se inclui na teoria do risco-proveito. A responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funcionou ou funcionou mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados. [13]
Inegável foi a grande evolução que o instituto da responsabilidade extracontratual do Estado sofreu até chegarmos à Teoria da Responsabilidade Objetiva, que, em regra, vigora atualmente no Brasil.
Ressalta-se, no entanto, que em casos excepcionais – responsabilidade estatal por omissão – ainda se consagra a Teoria Subjetivista.
Celso Antônio Bandeira de Mello analisando o futuro da responsabilidade civil do Estado prevê:
O ponto extremo da responsabilidade do Estado e para o qual vai a caminho é a teoria do risco social, segundo cujos termos esta se promove mesmo com relação a danos não imputáveis à ação do Poder Público. [14]
Diante da breve exposição da evolução da responsabilidade civil do Estado, insta destacar que a responsabilidade do agente público em face do Estado é subjetiva, isto é, é necessária a comprovação do dolo ou culpa deste agente.
III – CONCLUSÃO.
Diante do que foi exposto, tem-se que a responsabilidade do agente público em face do Estado é subjetiva, isto é, é necessária a comprovação do dolo ou culpa deste agente.
IV – REFERÊNCIAS:
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 16ª ed. São Paulo: Método, 2008.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 13ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
SERRANO JÚNIOR, Odoné. Responsabilidade civil do Estado por atos judiciais. Curitiba: Juruá, 1996.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 947.
[2] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 595.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 450.
[4] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 219.
[5] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 1.003.
[6] FURTADO, op. cit. p. 1003.
[7] PIETRO, op. cit. p. 599.
[8] FURTADO, op. cit. p. 1004.
[9] CARVALHO FILHO, op.cit. p. 452.
[10] MELLO, op. cit. p. 959-960.
[11] FURTADO, op. cit. p. 1007.
[12] CAVALIERI FILHO, op.cit. p. 224.
[13] MELLO, op. cit. p. 986.
[14] MELLO, op. cit. p. 952.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39659/responsabilidade-civil-extracontratual-do-estado. Acesso em: 22 nov 2024.
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