Recentemente tive a oportunidade de analisar um caso específico. Tratava-se de ação de reintegração de posse onde o réu foi declarado revel por não ter apresentado contestação. O juiz confirmou, por sentença, o direito do autor de ser reintegrado na posse do imóvel. Contudo, um fato curioso ocorreu e me motivou a escrever estas linhas: tendo a parte autora sido intimada da sentença em cartório, o escrivão certificou a desnecessidade de publicação da sentença em razão da decretação da revelia do réu. Poderia a revelia servir de fundamento para a não publicação do julgado?
À primeira vista, o fato causou-me estranheza, pois a necessidade de se dar publicidade aos atos jurisdicionais decorre de preceito constitucional. A própria doutrina jurídica entende que esse é um princípio que orienta o processo civil. E sua aplicação tem ligação com a própria finalidade da jurisdição.
Para melhor compreensão, retomo lição de Alexandre Freitas Câmara, para quem a jurisdição possui escopos de três ordens: jurídicas, políticas e sociais. A jurídica relaciona-se à própria aplicação concreta do direito material. O escopo político diz respeito à afirmação do poder estatal. Por fim, a jurisdição possui escopo social na medida em que deve pacificar e educar a sociedade.
Humberto Theodoro Júnior vai além ao afirmar que a importância da jurisdição transcende os interesses contrapostos na lide:
“Na prestação jurisdicional há um interesse público maior do que o privado defendido pelas partes. É a garantia da paz e da harmonia social, procurada através da manutenção da ordem jurídica. Todos, e não apenas os litigantes, têm direito de conhecer e acompanhar tudo o que se passa durante o processo. A publicidade da atividade jurisdicional é, em razão disso, assegurada por preceito constitucional (CF, art. 93, IX: ‘Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos...’)”.
Nesse sentido, não vejo como ser possível que a atividade jurisdicional atingir sua finalidade de pacificação e educação social sem que se dê ampla publicidade aos atos decisórios dela emanados.
Mas, e quanto aos efeitos da decretação da revelia do réu? Estaria a sentença livre de ser publicada em função da revelia do réu?
Em sua redação original, o art. 322 do Código de Processo Civil dispunha que: “Contra o revel correrão os prazos independentemente de intimação. Poderá ele, entretanto, intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra.”
A jurisprudência não chegara a apreciar a questão da publicação das decisões, limitando-se a definir marco para o início da contagem do prazo recursal para o revel, fazendo-o coincidir com o decurso do prazo para o autor, ilustrou Humberto Theodoro:
“[...]‘Não sendo a sentença publicada em audiência, o prazo para o recurso, mesmo para o revel, contar-se-á da intimação’ (STJ, 1ª T.,REsp. nº 6.381/PR, Rel. Min. Garcia Vieira, ac. de 05.12.90, DJU de 04.02.91, p.565). Isto quer dizer que, para o revel, o prazo começará a fluir do momento em que o autor foi intimado, embora não haja intimação alguma do réu (RJTJESP, 99/279 e 128/207).”
Não obstante, a doutrina sempre defendeu a necessidade de publicação da sentença enquanto requisito de validade do ato processual. O professor Humberto Theodoro citando Amaral dos Santos afirma que “a sentença, como ato processual que é, é ato público (Código de Processo Civil, art. 145). ‘Enquanto não publicada, não será ato processual e, pois, não produzirá qualquer efeito’”.
Desde 2006, o art. 322 do Código de Processo Civil ganhou nova redação, dada pela Lei nº 11.280:
Art. 322. Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório.
Parágrafo único O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar.
Os desavisados poderão pensar que apenas após a alteração a lei passou a exigir a publicação das decisões judiciais em caso de réu declarado revel. No entanto, a vontade do legislador foi determinar com precisão e clareza a data a partir da qual começa a fluir o prazo processual para o revel, fixando a data da publicação da decisão como termo de início do prazo, como se observa do magistério de Luiz Rodrigues Wambier:
“Dois são os efeitos decorrentes da revelia: [...] b) desnecessidade de intimações. Se o réu se coloca na posição de revel e não constitui advogado nos autos, os prazos passarão a ter fluência independentemente de intimação. Por exemplo, o prazo para recorrer começa a fluir, para o réu, a partir da publicação da sentença, em audiência ou em cartório, não sendo necessária a intimação”.
A alteração legislativa não implica mudança de posicionamento acerca da necessidade de publicação dos atos decisórios, mesmo em caso de revelia do réu. Pelo contrário, a lei agora deixa claro que apenas com a publicação os prazos processuais começarão a fluir para o revel.
A doutrina, mesmo sob a égide da redação anterior, já entendia ser necessária a publicação dos atos decisórios para que os mesmos tenham validade. Com a nova redação do art. 322 do Código de Processo Civil, dada pela Lei nº 11.280/2006, isso até ficou mais explícito.
Portanto, a decretação da revelia do réu não retira a imprescindibilidade de dar publicidade aos atos decisórios para que tenham validade. Nesse sentido, voltando ao caso exposto inicialmente, a conclusão a que se chega é que a sentença, enquanto não for publicada, não está apta à produção de efeitos.
BIBLIOGRAFIA
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil v.I. 16.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil v.I. 39.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil v.1. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
Notas:
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