Resumo: Trata-se de texto sobre a terceirização de atividades-meio pela Administração pública e a sua responsabilidade subsidiária pelos encargos trabalhistas inadimplidos pela empresa contratada.
1 INTRODUÇÃO
A terceirização de atividades-meio constitui uma prática gerencial na qual uma empresa, ao invés de prestar uma atividade de apoio com sua própria força de trabalho, subcontrata os serviços de outra empresa especializada. Desse modo, a empresa contratante poderá concentrar suas forças no desempenho da sua atividade principal, possibilitando, entre outras vantagens, a redução de custos, a especialização das atividades, o incremento de produtividade e maior competitividade.
Essa técnica, utilizada em larga escala nas empresas privadas, também é adotada frequentemente pelas entidades da Administração Pública direta, autárquica e fundacional, porém com alguns traços específicos inerentes ao regime jurídico de Direito público.
O presente artigo aborda as relações de terceirização no setor público, analisando as suas hipóteses de cabimento e requisitos, bem como a responsabilidade subsidiária da Administração pública pelo inadimplemento de débitos trabalhistas pela empresa contratada e os meios adequados para afastá-la.
2 TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A prestação de serviços de forma terceirizada permite que a Administração se concentre nas atividades inerentes às competências essenciais do Estado, ou seja, aquelas que não admitem delegação a particulares. Concentrando seus esforços nas suas atividades primordiais, típicas de Estado, pode se atingir um maior grau de eficiência no desempenho dessas funções.
Neste passo, as atividades de apoio no setor público podem ser desempenhadas por empresas privadas especializadas naquela atividade, o que permite uma redução de custos por meio da contratação de uma empresa já aparelhada e com experiência naquele ramo.
A regulamentação legal da terceirização no setor público teve início com o Decreto-Lei nº 200 de 1967, que estimulou a descentralização das atividades administrativas para a órbita privada, conforme se observa no seu art. 10, §7º:
“Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.
(...)
§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.”
De acordo com p art. 37, XXI da Constituição da República de 1988 e com a Lei 8.666/1993, a contratação de serviços deve ser efetivada por meio de contrato administrativo, mediante prévia licitação, salvo exceções legais. A licitação permite selecionar uma empresa idônea para o desempenho dos serviços, bem como selecionar a melhor proposta.
Além disso, a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho impõe limites a esse tipo de contratação de forma terceirizada. A principal delas é a autorização de terceirização apenas para as atividades acessórias, denominadas de atividades-meio, sendo vedado esse tipo de contratação para as atividades-fim do tomador. É o que se infere do item III da referida súmula:
“III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.”
Note-se que somente é permitida a terceirização no caso de serviços especializados ligados à atividade meio do tomador. A súmula menciona expressamente as atividades de vigilância e de conservação e limpeza, exemplos típicos de atividades-meio. Na esfera da Administração pública federal, o Decreto nº 2.271/1997 detalhou outras atividades que poderão ser objeto de terceirização, nos seguintes termos:
“Art . 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.”
Por fim, é importante asseverar que a consequência de eventual terceirização de atividade-fim na Administração pública é distinta daquela apontada no item I da Súmula 331 do TST[1], cujo âmbito de aplicação é restrito às empresas particulares. No setor público, a contratação irregular não gera vínculo do trabalhador com a Administração pública, pois o art. 37, II da Constituição determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em cargo público. Nesse sentido, o item II da Súmula 331, do TST:
“II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).”
No mesmo sentido, a Orientação Jurisprudencial nº 383 da SDI-I do TST:
“TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974. (mantida) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974.”
3 RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELOS ENCARGOS TRABALHISTAS DO CONTRATADO
No caso de regular terceirização de atividade-meio realizada pela Administração Pública, havia intensa controvérsia sobre a responsabilidade subsidiária do Poder público pelos encargos trabalhistas do contratado.
De um lado, o § 1º do art. 71, I da Lei 8.666/1993[2] estabelece que a inadimplência dos encargos trabalhistas do contratado não transfere a responsabilidade pelo seu pagamento à Administração pública.
De outro lado, o item IV da súmula 331 do TST fixava que o inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo empregador implicaria na responsabilidade subsidiária do tomador, inclusive quanto à Administração pública.
Neste cenário, foi ajuizada a Ação Direta de Constitucionalidade ADC 16/2007, visando a declaração de constitucionalidade do supramencionado art. 71, §1º da Lei 8.666/1993. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ação em 24/11/2000, nos seguintes termos:
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.
(STF, ADC 16/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluzo, j. 24.11.2000, Dje 09.09.2011).
Em decorrência da procedência da ADC 16, o TST alterou o enunciado da Súmula 331 em maio de 2011, para excluir a responsabilização automática da entidade pública em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas do contratado, somente sendo possível a responsabilização subsidiária se ficar evidenciada a sua conduta culposa na fiscalização do contrato. É o que se observa na atual redação dos itens IV e V da Súmula 331 do TST:
“IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”
Portanto, o fundamento da responsabilidade subsidiária da entidade pública contratante é a culpa in vigilando, decorrente do descumprimento de obrigações impostas à Administração Pública pela Lei 8.666/1993, especialmente em seus artigos 58, III e 67, abaixo transcritos:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
(...)
III - fiscalizar-lhes a execução;
(...)”
“Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.”
Destarte, é dever da entidade pública designar um fiscal do contrato, que deverá acompanhar e fiscalizar o adimplemento das obrigações trabalhistas dos empregados da empresa terceirizada que desempenham as atividades descritas no contrato.
Verificado o inadimplemento das verbas trabalhistas ou previdenciárias, deverá a entidade contratante notificar a contratada, estabelecer prazo razoável para quitação e aplicar multas contratuais. Caso persista o inadimplemento, poderá a entidade pública efetuar a retenção dos pagamentos pendentes à prestadora de serviços, antes mesmo de efetuar a rescisão contratual. Neste ponto, destaque-se que o Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento sobre a possibilidade de retenção de pagamentos, conforme se verifica no seguinte acórdão:
ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.ESTADO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS ENCARGOS.IMPOSSIBILIDADE. ART. 71, § 1º, DA LEI N. 8.666/93.CONSTITUCIONALIDADE. RETENÇÃO DE VERBAS DEVIDAS PELO PARTICULAR.LEGITIMIDADE.
1. O STF, ao concluir, por maioria, pela constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 na ACD 16/DF, entendeu que a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, mas reconheceu que isso não significaria que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, não viesse a gerar essa responsabilidade.
2. Nesse contexto, se a Administração pode arcar com as obrigações trabalhistas tidas como não cumpridas quando incorre em culpa in vigilando (mesmo que subsidiariamente, a fim de proteger o empregado, bem como não ferir os princípios da moralidade e da vedação do enriquecimento sem causa), é legítimo pensar que ela adote medidas acauteladoras do erário, retendo o pagamento de verbas devidas a particular que, a priori, teria dado causa ao sangramento de dinheiro público. Precedente.
3. Recurso especial provido.
(STJ , Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 28/06/2011, T2 - SEGUNDA TURMA)
Com efeito, diante da retenção das parcelas devidas à prestadora de serviços, poderá a Administração ajuizar ação de consignação em pagamento para efetuar o depósito das quantias bloqueadas, garantindo-se a satisfação dos créditos trabalhistas e evitando sua responsabilização subsidiária.
4 CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro somente admite a terceirização para execução de atividades especializadas ligadas às atividades-meio do tomador, ou seja, atividades acessórias ou de apoio, não relacionadas às atividades essenciais para a consecução dos seus fins. No âmbito do setor público, além de observar essa limitação, a terceirização deve ocorrer por meio de contrato administrativo precedido de licitação, nos termos do art. 37, XXI da Constituição da República e da Lei 8.666/1993.
Com relação à responsabilidade subsidiária da Administração pública, verifica-se que a inadimplência de débitos trabalhistas pela empresa terceirizada não implica em responsabilidade automática da entidade pública contratante. Para que se configure a responsabilidade subsidiária, é imprescindível que fique evidenciada a conduta culposa da Administração na fiscalização do contrato. Dentre as medidas que possibilitam afastar a caracterização da conduta culposa destaca-se a notificação do contratado, a fixação de prazo para regularização, a aplicação de multas, a retenção de faturas pendentes, a rescisão contratual e a ação de consignação em pagamento para quitação dos débitos trabalhistas com os valores bloqueados.
Diante disso, conclui-se que a Administração pública não pode omitir-se na fiscalização do contrato, nem ficar inerte ao verificar o inadimplemento de verbas trabalhistas. É necessária uma atuação efetiva na fiscalização do contrato por parte da entidade pública contratante, não apenas quanto à prestação do serviço, como também em relação ao cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias pela empresa contratada. Do contrário, em caso de negligência da Administração pública na fiscalização do contrato, poderá ocorrer pagamento à prestadora de serviço e ao trabalhador, configurando pagamento em duplicidade, acarretando prejuízos aos cofres públicos que serão suportados por toda a coletividade.
REFERÊNCIAS
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35. ed. atual. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2010.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012
RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na Administração Pública. São Paulo: Ltr, 2001
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed., 2009.
MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. São Paulo. Ed. Atlas, 4ª edição, 2000.
RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 3. ed. São Paulo: Método, 2013.
SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho, 11. ed. Sâo Paulo: Método, 2010.
[1] I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
[2] § 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Procurador Federal. Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Guido Arrien. A terceirização no setor público e a responsabilidade subsidiária pelos encargos trabalhistas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41068/a-terceirizacao-no-setor-publico-e-a-responsabilidade-subsidiaria-pelos-encargos-trabalhistas. Acesso em: 22 nov 2024.
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