Resumo: No presente estudo faremos uma análise do instituto da permissão de serviços públicos, apresentando as críticas doutrinárias à Lei n. 8.987/95, e realizando um paralelo com o instituto da concessão de serviços públicos.
Palavras-chave: Permissão. Serviço. Público. Conceito. Natureza. Jurídica. Precariedade. Lei 8.987/95.
1. Introdução
A Lei 8.987/95, ao dispor sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal, limitou-se a apresentar o conceito de permissão, em seu art. 2º, dispondo, no único artigo do seu Capítulo XI (art. 40), que ela será formalizada mediante contrato de adesão e terá como características a precariedade e a possibilidade de revogação unilateral do contrato pelo poder concedente.
Diante da omissão do legislador infraconstitucional quanto ao regramento da permissão de serviços públicos e das imprecisões técnicas constatadas nos poucos dispositivos dispensados à permissão, o que tem sido muito criticado pelos autores administrativistas, a doutrina tem procurado construir conceitos e definir os traços principais desse instituto, embora a prática tenha demonstrado que as características da permissão têm se aproximado cada vez mais do regime de concessão de serviços públicos.
Diante disso, propõe o presente artigo um estudo doutrinário acerca do tema, objetivando o delineamento das principais características do instituto da permissão de serviços públicos, sobretudo em relação àquelas que o diferem da concessão de serviços públicos.
2. Conceito
Permissão de serviços públicos, de acordo com a Lei 8.987/95, art. 2º, inciso IV, é“a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco”.
O conceito de permissão de serviços públicos, tradicionalmente acolhido na doutrina, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, é no sentido de que essa modalidade indireta de prestação de serviços públicos constitui “ato unilateral e precário, intuitu personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade de tarifas dos usuários”[1].
Seguindo a doutrina tradicional, Maria Sylvia Zanella Di Pietro considera a permissão de serviço público um ato administrativo unilateral, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público transfere a outrem a execução de um serviço público, para que o exerça em seu próprio nome e por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário[2].
A interpretação que se extrai desses conceitos sempre foi no sentido de considerar a permissão um ato administrativo (e não um contrato) e sem prazo determinado.
Todavia, com a edição da Lei 8.987/95, apesar de suas imprecisões técnicas, a maior parte dos autores doutrinários passou a reconhecer a natureza contratual da permissão, admitindo, ainda, a possibilidade de fixação de prazo.
3. O significado da precariedade da permissão de serviços públicos
A doutrina de Direito Administrativo sempre definiu a precariedade presente na permissão como a possibilidade de revogação, pelo Poder Público, a qualquer tempo, independentemente de indenização ao permissionário.
Ruth Helena Pimentel de Oliveira lembra, no entanto, que a precariedade também está presente na concessão, quando ocorre a chamada “encampação”, prevista no art. 37, da Lei n. 8.987/95. Segundo a autora, “a precariedade que caracteriza a permissão de serviço público deve ser entendida como algo a mais e, se não está na possibilidade de revogação unilateral, porque presente em todos os contratos administrativos, certamente atinge os efeitos da extinção extemporânea. Em razão dessa precariedade, se a permissão for extinta antes do decurso do prazo estabelecido, o permissionário não terá direito a receber indenização”[3].
Assim, ao contrário do entendimento tradicionalmente adotado na doutrina, a precariedade do instituto da permissão de serviços públicos está relacionada muito mais à inexistência do direito do permissionário ao recebimento de indenização, no caso de extinção, do que à possibilidade, pura e simples, de extinção unilateral do contrato pela Administração Pública.
4. Semelhanças e diferenças entre os institutos da permissão e da concessão de serviços públicos
Tanto a concessão quanto a permissão constituem modalidades de prestação indireta de serviços públicos, por meio de pessoas jurídicas de direito privado.
De acordo com o art. 175, parágrafo único, inciso I, e o art. 40, caput, da Lei n. 8.987/95 – partindo-se de uma interpretação estritamente literal – a permissão de serviços públicos, assim como ocorre na concessão, deve ser formalizada mediante “contrato especial”. A natureza contratual da permissão, entretanto, ainda é objeto de polêmica e divergências na doutrina brasileira, haja vista o caráter precário e a possibilidade de revogação unilateral pela Administração, que lhe foram conferidos pela legislação ordinária.
Outra semelhança é a exigência constitucional de realização de procedimento licitatório, previamente à concessão ou permissão de serviços públicos (art. 175 da CF/88). A Lei 8.987/95 estabelece, em seu art. 2º, que a licitação, nas hipóteses de concessão, deverá ser feita na modalidade concorrência, deixando, no entanto, de indicar a modalidade licitatória para os casos de permissão. Todavia, diante do teor do parágrafo único do art. 40 daquela mesma lei, que determina sua aplicação às permissões de serviço público, pode-se concluir que deve ser utilizada, também para este instituto, a modalidade de concorrência.
Desde a edição da Lei 8.987/95 tem-se percebido uma aproximação cada vez maior entre os institutos da permissão e da concessão. Todavia, uma das poucas características que os diferem, conforme leciona Diogenes Gasparini, é o meio de formalização: a concessão de serviço público formaliza-se por contrato administrativo, enquanto a permissão de serviço público mediante contrato de adesão[4].
Alguns autores, como Celso Antônio Bandeira de Mello, afirmam que o grande ponto de antagonismo entre os institutos da concessão e da permissão é o poder da Administração de alterar ou encerrar a permissão, sem obrigação de indenizar o permissionário, enquanto na concessão o Poder Público está sujeito, obrigatoriamente, a indenizar o concessionário dos prejuízos econômicos sofridos com eventual alteração ou rescisão contratual[5].
5. Críticas ao tratamento dado pela Lei 8.987/95 à permissão de serviços públicos
A doutrina tem criticado duramente a Lei 8.987/95, dentre outros motivos, por ter atribuído expressamente ao instituto da permissão natureza contratual (art. 40) e, no mesmo dispositivo, atribuir-lhe as características da precariedade e da revogabilidade unilateral pela Administração.
A revogabilidade atribuída ao contrato tem sido objeto de críticas por contrariar toda a doutrina basilar de direito administrativo. Com efeito, conforme leciona Ruth Helena Pimentel de Oliveira, “o estudioso de direito administrativo tem conhecimento de que a revogação é a retirada de um ato administrativo, legítimo e eficaz, realizada pela Administração por motivos de conveniência e oportunidade. Logo, a revogação é unilateral, de iniciativa da Administração, e só pode alcançar o ato administrativo, e não o contrato administrativo; o contrato admite desfazimento por meio da rescisão, que pode ser unilateral, amigável ou judicial (Lei n. 8.666/93, art. 79)”[6].
Apesar dessa imprecisão técnica, Diogenes Gasparini afirma que “a permissão de serviço público não é precária, e continuar nominando-a de ato administrativo contraria o nosso Direito Positivo (...). A natureza de cada instituto é a acolhida pelo Direito Positivo, que lhe imprime características próprias”[7] (grifo conforme original).
6. Conclusão
Pelo exposto, não obstante as imprecisões técnicas dos poucos dispositivos dispensados pela Lei n. 8.987/95 à regulamentação do instituto da permissão, e muito embora a doutrina tradicional tenha relutado em acatar a sua natureza contratual, sob o argumento de que isso a igualaria à concessão, pode-se concluir que a permissão de serviços públicos tem características próprias, havendo uma que a distingue sobremaneira da concessão: a precariedade, considerada como a possibilidade de extinção do contrato pela Administração Pública, sem a obrigação de indenizar o permissionário.
[1]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 701/702.
[2]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, pp. 95/96.
[3] OLIVEIRA, Ruth Helena Pimentel de. Entidades Prestadoras de Serviços Públicos e Responsabilidade Extracontratual. São Paulo: Atlas, 2003, p. 100
[4]GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 319
[5] Op. cit., p. 703
[6] Op. cit., p. 100
[7] Op. cit., pp. 319/320
Procuradora Federal. Pós-graduada em Direito Processual Civil - Universidade do Sul de Santa Catarina -UNISUL - conclusão em junho/2008. Graduada em Direito - Universidade Federal de Uberlândia - UFU - conclusão em janeiro/2000.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Letícia Mota de Freitas. A permissão de serviços públicos no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41573/a-permissao-de-servicos-publicos-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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