O presente artigo visa analisar de forma sucinta a possibilidade – ou não – de convalidação de atos administrativos de natureza normativa, com fulcro, especialmente, nas disposições da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que “Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”.
Conforme é sabido, apesar da ementa da Lei nº 9.784/99 ressaltar que a sua função é regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, é patente a sua aplicabilidade na seara dos atos administrativos federais em geral, mesmo aqueles não praticados dentro de um processo administrativo propriamente dito.
A convalidação, por exemplo, é um instituto jurídico amplamente aceito pela doutrina, cuja possibilidade de incidência restou expressamente reconhecida pela Lei 9.784/99 no âmbito da Administração Pública Federal, e pode ser utilizado ainda que em atos praticados fora de um processo administrativostricto sensu. Nos termos do art. 55 do citado diploma legal:
Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentem defeitos sanáveispoderão serconvalidados pela própria Administração. (grifou-se)
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a convalidação, ou saneamento, “é o ato administrativo pelo qual é suprido o vício existente em um ato ilegal, com efeitos retroativos à data em que este foi praticado”.
Pois bem, para que um ato administrativo ilegal possa ter seus efeitos preservados, ou seja, não seja invalidado desde a origem maculando as relações que porventura com base nele foram formadas, nos termos do dispositivo legal acima transcrito, faz-se necessário que atenda,cumulativamente, as seguintes condições: a) inexistência de lesão ao interesse público e de prejuízo a terceiros; b) defeito sanável; e c) conveniência e oportunidade do ato de convalidação (discricionariedade administrativa).
Tendo em vista o direito positivado, se fazem desnecessárias maiores digressões sobre a possibilidade de convalidação dos atos administrativos, assim como sobre os requisitos que devem ser atendidos para que ela seja levada a efeito, ao menos no âmbito da Administração Pública Federal.
Não obstante, no tocante ao ato administrativo normativo, seria ele passível de convalidação? Vamos à análise.
Inicialmente, cabe definirmos o que deve ser entendido por ato administrativo normativo para fins deste artigo. Destarte, utilizando as palavras de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, atos administrativos normativos são aqueles que:“...contêm determinações gerais e abstratas (diz-se que há ‘normatividade’ quando um comando jurídico é caracterizado pela generalidade e pela abstração). Tais atos não têm destinatários determinados; incidem sobre todos os fatos ou situações que se enquadrem nas hipóteses que abstratamente preveem. Correspondem aos ‘atos gerais’... Os atos normativos possuem conteúdo análogo ao das leis – são ‘lei em sentido material’. A principal diferença – além do aspecto formal – é que os atos administrativos normativos não podem inovar o ordenamento jurídico, criando para os administrados direitos ou obrigações que não se encontrem previamente estabelecidos em uma lei”.
Tomando como base a acepção supra de atos administrativos normativos e os requisitos fixados pelo art. 55 da Lei nº 9.784/99, de pronto, podemos visualizar um empecilho à sua convalidação. Trata-se da condição de que o defeito ou vício do ato administrativo a ser convalidado seja sanável.
A Lei nº 9.784/99 não estabelece quais vícios dos atos administrativos seriam sanáveis e quais seriam insanáveis, ficando a cargo da doutrina defini-los. Como esteio nessa definição, teremos os atos administrativos anuláveis (vícios sanáveis) e nulos (vícios insanáveis).
Segundo a doutrina majoritária, os elementos que compõem os atos administrativos são: a) competência; b) forma; c) finalidade; d) motivo; e e) objeto.Não é o escopo deste artigo detalhar, ou definir, cada um dos citados elementos, mas é imprescindível mencioná-los, eis que o ato administrativo será considerando sanável ou insanável com base em qual desses elementos se encontrarviciado.
Assim, pode-se dizer que, conforme entende parte majoritária da doutrina, os vícios sanáveis, ou seja, aqueles passíveis de convalidação, atingem a competência e/ou a forma do ato administrativo. E não apenas isso, o vício sanável em relação à competência é aquele relativo à pessoa (não a matéria) e desde que não se trate de competência exclusiva; assim como o vício só será sanável em relação à forma se esta não for essencial à validade do ato.
O art. 13 da Lei nº 9.784/99, por sua vez, dispõe acerca dos atos administrativos que não são passíveis de delegação, nos seguintes termos:
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I - a edição de atos de caráter normativo; (grifou-se)
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
Ora, a priori, se a edição de atos administrativos normativos não é passível de delegação, nos parece lícito concluir que os mesmos se enquadrariam dentro da categoria de atos administrativos de competência exclusiva, não sendo, dessa forma, passíveis de convalidação quando o vício dos mesmos atingir o elemento “competência”, mesmo que em face da pessoa e não da matéria. Por outro lado, se o vício for de forma, não vislumbramos razão para que o mesmo não possa ser, na maioria dos casos, sanável, logo, passível de convalidação.
Além da possibilidade de convalidação dos atos administrativos normativos quando o elemento viciado do ato for a forma (salvo se essencial à sua validade), há uma outra possibilidade de convalidação, digamos forçada, se presentes os pressupostos fixados pelo art. 54 da Lei nº 9.784/99. Estabelece o citado dispositivo legal:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Por força da expressa disposição legal acima transcrita, se for editado ato administrativo normativo com vício de legalidade, seja qual for o vício, do qual decorram efeitos favoráveis para os eventuais destinatários, decorridos 5 anos da sua edição, não será lícito à Administração Pública Federal (por meio da autoridade competente) anulá-lo, salvo comprovada má-fé do(s) destinatário(s), o que provavelmente não seria o caso dada a natureza geral e abstrata dos atos administrativos normativos.
Por todo o exposto, conclui-se que os atos administrativos normativos só são passíveis de convalidação se o vício do mesmo se encontrar no elemento “forma” ou se tiver incidência a hipótese prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/99, que não é exatamente uma convalidação, mas terá o mesmo efeito prático da mesma.
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