Resumo: Este breve estudo tem por objeto a análise acerca do vínculo de parentesco entre servidor e sócios de empresa vencedora da licitação, a fim de se delimitar as consequências dessa constatação.
1. Introdução
Com este sucinto exame, busca-se averiguar se a relação de parentesco entre sócios de empresa vencedora de certame pode acarretar alterações no seio da Administração ou em relação à concretização da celebração de contrato por parte da sociedade empresarial vitoriosa na licitação.
2. Desenvolvimento
A legislação não veda, de maneira expressa, a celebração de contratos com entidades geridas ou administradas por pessoas que mantenham relações de parentesco com servidores do órgão.
Há um artigo da Lei nº 8.666/1993 que pode ser citado e analisado para entender o espírito do legislador em relação à preocupação com a moralidade e a isonomia, bem como à questão de uma espécie de impedimento colocada no 9º:
Art. 9o Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:
III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.
O comentário de Marçal Justen Filho[1] acerca deste dispositivo legal em sua obra foi exposto da seguinte forma:
As vedações do art. 9º retratam derivação dos princípios da moralidade pública e isonomia. A lei configura uma espécie de impedimento, em acepção similar à do Direito Processual, à participação de determinadas pessoas na licitação. Considera um risco a existência de relações pessoais entre os sujeitos que definem o destino da licitação e o particular que licitará. Esse relacionamento pode, em tese, produzir distorções incompatíveis com a isonomia. A simples potencialidade de dano é suficiente para que a lei se acautele. Em vez de remeter a uma investigação posterior, destinada a comprovar anormalidade da conduta do agente, a lei determina seu afastamento a priori. O impedimento consiste no afastamento preventivo daquele que, por vínculos pessoais com a situação concreta, poderia obter benefício especial e incompatível com o princípio da isonomia. O impedimento abrange aqueles que, dada a situação específica em que se encontram, teriam condições (teoricamente) de frustrar a competitividade, produzindo benefícios indevidos e reprováveis para si ou terceiro.
Grifou-se.
Ao tratar do princípio da moralidade, José dos Santos Carvalho Filho aduz que quando a Constituição se refere a atos lesivos à moralidade administrativa, deve entender-se que a ação é cabível pelo simples fato de ofender esse princípio, independentemente de haver ou não efetiva lesão patrimonial. [2]
Em várias deliberações do Tribunal de Contas da União é possível verificar que a Corte determinou que se evitasse o desempenho de serviços terceirizados por pessoas que mantivesse relações de parentesco com servidores do órgão, por conotar influência repelida pelos princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade públicas.
Acórdão 3909/2008 - Segunda Câmara
9.2.4. evite qualquer envolvimento, ainda que de forma indireta, com empresas de pessoas ligadas por algum grau de parentesco com servidores ou dirigentes da unidade com poder de decisão para escolha, indicação ou contratação, em situações semelhantes à indicada nestes autos, sob pena de violação aos princípios estatuídos no art. 37, caput, da Constituição Federal;
Acórdão 405/2006 - Segunda Câmara
16.1. ao Departamento de Polícia Federal que, em observância aos princípios constitucionais administrativos da moralidade e da impessoalidade, ao contratar empresas prestadoras de serviços, incluindo-se os contratos vigentes, não permita o direcionamento e/ou indicação, por parte de seus servidores, de pessoas, em especial parentes, para trabalharem nessas empresas.
Acórdão 643/2007 - Primeira Câmara
1.4. tome as providências necessárias para impedir, em próximas licitações, o desempenho de serviços terceirizados por pessoas que mantenham relações de parentesco com servidores do órgão;
Acórdão 3585/2006 - Primeira Câmara
9.2.1. em consonância com os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, ao contratar empresas prestadoras de serviços, não permita o direcionamento e/ou indicação, por parte de seus servidores, de pessoas, em especial parentes, para trabalharem nessas empresas de forma a evitar situações semelhantes às ocorridas quando da contratação da firma Artlimp Ltda., mediante o Pregão n. 05/2004;
Nota-se que na primeira decisão acima colacionada o Tribunal de Contas da União tratou, expressamente, de servidores ou dirigentes da unidade com poder de decisão para escolha, indicação ou contratação. Nas outras, porém, falou de servidores em geral.
Compreende-se que a influência poderá se dar de forma indireta. Assim, ainda que se trate de servidores que não tenham poder de decisão em relação à contratação, a influência poderá ocorrer.
Para ilustrar melhor o quadro, citemos um caso hipotético em que determinado servidor encontra-se lotado em área da Administração diversa do setor responsável pela condução da licitação, não participando em nenhum momento nas questões relativas às compras e contratações da Anatel. Ainda nesse caso o favorecimento pessoal indireto poderia ocorrer.
Salienta-se que nas diversas oportunidades que o Tribunal de Contas analisou tais casos de parentesco não houve a imposição de multa, mas sim determinações de cunho mais educativo no sentido de que as entidades adaptassem as novas contratações.
O entendimento aqui defendido encontra-se consoante com os princípios que regem a Administração Pública, notadamente os da licitação, da impessoalidade, da isonomia e da legalidade. Nesse sentido o seguinte precedente jurisprudencial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
Processo: AG 451228020144010000
Relator (a): DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN
Sigla do órgão: TRF1 (Órgão julgador: SEXTA TURMA)
Fonte: e-DJF1 DATA: 20/11/2014 PAG.: 113 (Data da Decisão: 10/11/2014)
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, restando prejudicado o pedido de reconsideração.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CEF. LICITAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENGENHARIA. VEDAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DE EMPRESAS QUE TENHAM COMO SÓCIOS PARENTES DE OCUPANTES DE CARGO EM COMISSÃO NA EMPRESA PÚBLICA. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, DA IMPESSOALIDADE, DA MORALIDADE, DA PUBLICIDADE E DA EFICIÊNCIA. I - Cláusula editalícia que veda a participação, no procedimento licitatório, de empresas cujos sócios, dirigentes ou administradores possuam relação de parentesco com funcionários ocupantes de cargos comissionados na Caixa Econômica Federal. II - Licitante que possui, na sua composição societária, dois sócios que têm laços familiares com servidores da CAIXA, detentores de cargos comissionados. III - Apesar da inexistência de vedação legal expressa, haja vista não constar a regra impugnada entre as hipóteses de impedimento previstas no art. 9º da Lei 8.6666/1993, ela deve ser interpretada em consonância com os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência inscritos no art. 37 da Constituição Federal. IV - Agravo de instrumento a que se nega provimento. Pedido de reconsideração prejudicado.
Acredita-se que a compreensão ora exposta atende e prestigia a moralidade administrativa, princípio-guia de toda a atividade estatal, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal.
A não de contratação com a Administração de parentes, afins ou consanguíneos de servidores e agentes públicos condutores da coisa pública é postura que evidentemente homenageia os princípios maiores administrativos, prevenindo eventuais lesões ao interesse e ao patrimônio públicos, sem restringir a competição entre os licitantes.
Para confirmar todas essas considerações, cite-se, por último, o previsto no art. 3º, § 3º do Decreto n° 7.203, de 4 de junho de 2010, que dispõe sobre a vedação do nepotismo no âmbito da administração pública federal:
Art. 3º No âmbito de cada órgão e de cada entidade, são vedadas as nomeações, contratações ou designações de familiar de Ministro de Estado, familiar da máxima autoridade administrativa correspondente ou, ainda, familiar de ocupante de cargo em comissão ou função de confiança de direção, chefia ou assessoramento, para:
I - cargo em comissão ou função de confiança;
II - atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público, salvo quando a contratação tiver sido precedida de regular processo seletivo; e
III - estágio, salvo se a contratação for precedida de processo seletivo que assegure o princípio da isonomia entre os concorrentes.
§ 1º Aplicam-se as vedações deste Decreto também quando existirem circunstâncias caracterizadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal.
§ 2º As vedações deste artigo estendem-se aos familiares do Presidente e do Vice-Presidente da República e, nesta hipótese, abrangem todo o Poder Executivo Federal.
§ 3º É vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação ou de autoridade a ele hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade.
3. Conclusão
Diante das considerações aqui expostas, em atenção aos princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade e considerando as deliberações do Tribunal de Contas da União, bem como o entendimento fixado pelo Judiciário, conclui-se pela inviabilidade de celebração de contratos com entidades geridas ou administradas por pessoas que mantenham relações de parentesco com servidores do órgão por uma ação. Trata-se de conduta mais preventiva e cautelosa por parte da Administração.
4. Referências Bibliográficas
CARVALHO FILHO, José dos Santos Manual de Direito Administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª ed., São Paulo: Dialética, 2008.
[1] In Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª ed., São Paulo: Dialética, 2008, p. 151.
[2] In Manual de Direito Administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009, p. 25.
Procuradora Federal em Brasília - DF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Teresa Resende. Licitação e relação de parentesco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42380/licitacao-e-relacao-de-parentesco. Acesso em: 22 nov 2024.
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