RESUMO: O presente artigo busca realizar um estudo acerca do instituto da licença para acompanhamento de cônjuge, cumulada com exercício provisório, prevista no art. 84, § 2º, da Lei 8.112/90. Em suma, o trabalho visa, a partir de um exame da previsão legal e do valor à proteção constitucional da família, identificar os requisitos que devem ser cumpridos pelo servidor público federal para fazer jus à aludida licença. Este artigo defende que esta medida é um direito subjetivo do funcionário público federal, criticando a posição, ainda defendida pelo Poder Executivo da União, no sentido de que a concessão desta licença seria medida discricionária.
Palavras-chave: servidores públicos federais, licença, cônjuge, acompanhamento, ]exercício provisório.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o intuito de realizar um análise acerca da licença para acompanhamento de cônjuge, cumulada com exercício provisório, prevista no art. 84, § 2º, da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
O referido dispositivo legal consagra o direito de o servidor exercer atividades compatíveis com o seu cargo, e sem prejuízo de sua remuneração, em qualquer ponto do território nacional para o qual tenha sido deslocado seu cujo cônjuge ou companheiro, desde que este seja servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A referida licença tem o inequívoco intuito de viabilizar que o deslocamento do cônjuge para prestar serviço em uma outra localidade não tenha o condão de prejudicar o convívio familiar do servidor, tudo isso sem prejudicar o exercício de suas atividades profissionais, que apenas serão prestadas em localidade diversa da que ele se encontra originalmente lotado.
Com o intuito de facilitar a compreensão da licença ora analisada, convém colacionar, nesse momento introdutório, o próprio dispositivo legal, que se encontra redigido nos seguintes termos:
Art. 84. Poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo.
§ 1º A licença será por prazo indeterminado e sem remuneração.
§ 2° Na hipótese do deslocamento de que trata este artigo, o servidor poderá ser lotado, provisoriamente, em repartição da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo.
§ 2o No deslocamento de servidor cujo cônjuge ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo
Em que pese a clareza do indigitado normativo, diversas são as controvérsias existentes em torno dele, sendo oportuno salientar que as principais dizem respeito ao caráter discricionário ou vinculado do deferimento da licença - tendo em vista a locução "poderá" existente no caput do dispositivo - e ao tipo de deslocamento do cônjuge do servidor que pode dar azo à licença, mais precisamente à necessidade ou não de que ele tenha se realizado no interesse da Administração Pública, ou se provocado por iniciativa do próprio servidor, como se dá, por exemplo, nos casos de remoção a pedido.
Diante disso, busca o presente artigo identificar o conteúdo da norma, os seu fundamento constitucional e a forma como o referido dispositivo tem sido aplicado no âmbito do Poder Executivo da União, tudo isso com o intuito de conduzir o leitor a formar sua convicção quanto ao tema.
DESENVOLVIMENTO
1. DA LICENÇA PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À FAMÍLIA
A Constituição Federal de 1988 - CF/88 estabelece, em seu artigo 1º, que são fundamentos da República Federativa do Brasil, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem com fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Esses dois fundamentos, no que concerne propriamente à família, mereceram destaque especial no caput do art. 226 da CF/88 no seu § 7º, que dotaram de caráter peremptório a observância, pelo Estado, do papel da família enquanto base da sociedade, bem como da liberdade do casal para o estabelecimento do planejamento familiar. A propósito, confira-se:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado(...)
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
O constituinte, ao expressamente mencionar que a família é a base da sociedade e, por esta razão, atribuir a ela especial proteção do Estado, fixa muito do que um comando, mas uma norma principiológica, que deve orientar a interpretação dos demais dispositivos do ordenamento pátrio que tratem da matéria.
Acerca dos princípios, oportuna é a lição do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:
Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. Eis porque: violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irreversível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (MELLO, 2009, p. 53)
Assim, ao permitir a lei que um cônjuge acompanhe o outro por meio de licença, uma vez atendidos os pressupostos legais previstos, está o legislador materializando o princípio constitucional da preservação da unidade familiar, instituído como garantia institucional tendente a resguardar a dignidade dos seus membros.
Corrobora esse entendimento a própria visão de Ingo Wolfgang Sarlet, para quem a dignidade da pessoa humana pode ser entendida como:
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.(SARLET, 2002, p. 62)
Assim, constata-se que, com vistas à observância de tais comandos constitucionais, referentes à proteção da família e à dignidade dos próprio servidores públicos e de seus familiares, é que o legislador pátrio, ao instituir o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União, por intermédio da Lei n.º. 8.112/90, estabeleceu, no artigo 84, o direito do servidor à licença para acompanhamento de cônjuge, e, ainda, a possibilidade desta licença ser acumulada com exercício provisório, se presentes os requisitos dispostos no § 2º.
O advento de tal dispositivo legal visou atribuir máxima efetividade às normas constitucionais mencionadas, especialmente aquela materializada no art. 226, com o fim de permitir que o servidor que teve seu cônjuge deslocado tenha o direito de continuar compartilhando da convivência do ente querido, para o bem da preservação a unidade familiar.
2. DA DISCIPLINA LEGAL DA LICENÇA PARA ACOMPANHAMENTO DO CONJUGE - ART. 84 DA LEI 8.112/90
A Lei 8.112/90, no Título III, que consagra os Direitos e Vantagens dos Servidores Públicos Federais, estabelece, no seu Capítulo IV, mais precisamente no art. 81, que será concedida ao servidor licença por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro:
“Título III - Dos Direitos e Vantagens(...)
Capítulo IV - Das Licenças
Seção I - Disposições Gerais
Art. 81. Conceder-se-á ao servidor licença:(…)
II - por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro; (…)”
O referido diploma esclarece, ainda no seu art. 84, de que maneira será concedida a licença, a depender da circunstância de o cônjuge deslocado ser ou não servidor público:
Art. 84. Poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo.(...)
§ 2ª No deslocamento de servidor cujo cônjuge ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo.
Em que pese a clareza do dispositivo legal e matriz constitucional que deve nortear a sua interpretação, conforme citado no tópico anterior, subsiste certa polêmica, no âmbito do Poder Executivo da União, em torno da sua adequada aplicação da norma, especialmente no que tange ao seu § 2ª, que consagra o exercício provisório.
Com efeito, três são os principais obstáculos impostos pela Administração Pública Federal aos seus servidores no que tange à concessão do aludida licença.
Inicialmente, alega a Administração que o verbo "poderá" evidenciaria a existência de um caráter discricionário na concessão da licença, que estaria sujeita, assim, a uma análise de conveniência e oportunidade. Além disso, defende que o deslocamento do parceiro a que a norma faz referência necessariamente deveria se dar por interesse da Administração - o que vedaria, por exemplo, a concessão da licença no caso de remoção a pedido do servidor. Por fim, sustenta a Administração que haveria de se perquirir se o deslocamento do cônjuge se deu em caráter provisório ou não, o que afastaria a concessão da licença, por exemplo, no caso de cônjuge deslocado em virtude de aprovação em concurso de remoção a pedido.
3. DA EXPRESSÃO "PODERÁ" DO CAPUT DO ART. 84 DA LEI 8.112/90 - DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO OU FACULDADE DE GOZO DA LICENÇA PELO SERVIDOR?
No que concerne à primeira questão, ressalte-se que a palavra "poderá" traz, na verdade, um comando de natureza vinculante à administração pública e facultativo para o servidor, este sim titular da faculdade de poder pleitear ou não a licença.
Com efeito, a respeito do termo "poderá", constante do artigo 84 da Lei 8.112/90, a jurisprudência tem entendido que a remoção ou licença do servidor para fins de acompanhamento de cônjuge é atividade vinculada - e não discricionária - da Administração, constituindo-se em um direito subjetivo do servidor, no interesse maior e de matriz constitucional da preservação da unidade familiar, que conta com especial proteção do Estado.
Isso se dá porque estamos na seara do que é considerado um direito elencado ao servidor pelo Estatuto dos Servidores Públicos da União – tanto que previsto no Título III da Lei 8.112-90, denominado “Dos Direitos e Vantagens” -, e não a uma faculdade da Administração, sujeita à sua oportunidade e conveniência. Nesse sentido, confira-se o entendimento esposado pelo STJ (AgRg no.RESP 981376, Rei Ministro Felix Fischer, DJU de 01/09/2008):
É que, nesta C. Corte, pacificou-se o entendimento segundo o qual a licença prevista no artigo 84 da Lei 8112/90 ~ Licença por motivo de Afastamento do Cônjuge - não se enquadra no poder discricionário da Administração Pública, sendo, pois direito subjetivo do servidor que preenche os requisitos legais.
Registre-se, ainda, que todos os requisitos a serem observados para a concessão da licença já estão descritos em lei, tratando-se, inegavelmente, de ato vinculado, que, conforme a lição do professor Alexandra Mazza são "aqueles praticados pela Administração sem margem alguma de liberdade, pois a lei define de antemão todos os aspectos da conduta".(MAZZA, 2012, p. 220)
4. DA INEXISTÊNCIA DE CONDICIONANTE LEGAL ACERCA DO TIPO DE DESLOCAMENTO QUE DÁ ENSEJO À CONCESSÃO DA LICENÇA E AS DIFERENÇAS ENTRE EXERCÍCIO PROVISÓRIO E REMOÇÃO A PEDIDO PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE.
Pela leitura do artigo 84. caput e § 2º da Lei 8.112/90 verifica-se que o legislador também não impôs restrição à modalidade do deslocamento, à sua forma de efetivação, ao tempo em que ele se deu ou ao período pelo qual perdurará, sendo irrelevante, portanto, qualquer perquirição a respeito de tais temas para fins de concessão da licença, afinal, por norma primária de interpretação legal, tem-se como corolário que onde o legislador não restringiu não cabe ao intérprete fazê-lo (MAXIMILIANO, 2006, p.90).
De outro lado, ainda que fosse o caso de se cogitar da existência de alguma omissão legislativa quanto à espécie de deslocamento que abarcaria a concessão da licença para acompanhamento do cônjuge, essa deveria ser suprida mediante uma interpretação de viés principiológico, atenta à razão de ser da própria norma, que é a de proteger a unidade familiar, até porque a isso servem se prestam os princípios, conforme destaca o professor Gustavo Scatolino Silva:
Os princípios servem para a interpretação das demais regras postas no ordenamento jurídico. São balizas norteadoras para o alcance do exato sentido das demais normas. Suprem, também, a ausência de regra posta, na medida em que a conduta dos administrados e servidores, mesmo não existindo lei específica, não deve ser contrária aos princípios já enunciados pela Constituição.(SILVA, 2012, pp. 55)
Isto posto, fica patente que seria ilegal à administração a imposição de barreiras ao gozo do exercício provisório baseada na necessidade de o ato administrativo ter sido "de oficio", "no interesse da administração pública", "com menos ou mais tempo de exercício", "para região não menos distante de x quilômetros", "por deficiência de quantitativo de servidores" ou algo que o valha.
Por essa razão, outra não é a lição de Paulo de Matos Ferreira Diniz, que, ao tratar do artigo 84, se posiciona no seguinte sentido:
“É condição para caracterização deste tipo de licença que haja o deslocamento do cônjuge ou companheiro para outro ponto do território nacional, ou para o exterior, ou ainda para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo.
Na expressão deslocamento o legislador não impôs nenhuma condição. O simples exercício da atividade em localidade diversa da do cônjuge ou companheiro, é o bastante para que ocorra o deslocamento. Esta licença será por prazo indeterminado, com ou sem remuneração.
O servidor poderá ser lotado provisoriamente, em repartição da Administração Federal, direta, autárquica ou fundacional, desde que exista compatibilidade de atribuições com a do seu cargo. E nestas condições a licença será com remuneração.
A concessão desta licença, atende ao imperativo constitucional que reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar.”(DINIZ, 2009, p.182/183)
Registre-se, por oportuno, que para os casos em que o deslocamento do servidor se dá no interesse da Administração, a medida a ser tomada não será a licença com exercício provisório, mas a remoção a pedido, prevista na alínea “a” do inciso III do art. 36 da Lei 8.112/90, que tem lugar no caso de deslocamento do cônjuge no interesse da Administração.
Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: (...)
III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração
Com efeito, a remoção a pedido para acompanhar cônjuge e a licença para acompanhamento do cônjuge, em que pesem buscarem, em última análise, prestigiar a proteção especial dada constitucionalmente à família, são previstas legalmente para situações distintas.
Enquanto a primeira (remoção – art. 36, III, “a”, da Lei 8.112/90) tem lugar nos casos em que o cônjuge for deslocado no exclusivo interesse da Administração, a segunda ocorre justamente quando o deslocamento se der por qualquer outro motivo que não seja este (art. 84, § 2º, da Lei 8.112/90), o que se dá, por exemplo, na situação em que um dos cônjuges, com vistas à realização do adequado planejamento familiar do casal, motivado por questões de ordem estritamente profissional ou de foro íntimo, participa e logra êxito em concurso de remoção a pedido.
Outra conclusão sequer há de ser cogitada, afinal, se o acompanhamento do cônjuge somente fosse possível quando houvesse deslocamento do cônjuge servidor no interesse da Administração, o que justificaria a existência da licença com exercício provisório prevista no § 2º do art. 84 da Lei 8.112/91?
Quanto ao ponto, há de se consignar que deixar de aplicar este último dispositivo sob a alegação de que o deslocamento do cônjuge não ocorreu no interesse da Administração constitui, portanto, injustificável ofensa ao próprio princípio da legalidade, previsto no art. 37 da CF/88.
Com o fito de arrematar a análise do tema neste particular, precisas são as palavras do d. Ministro Castro Meira, que, no voto condutor proferido no AgRg no Recurso Especial 1.195/954/DF, publicado no DJe de 30/8/2011, afirma peremptoriamente que se a norma do artigo 84 da Lei nº 8.112/90 "não distingue a forma de deslocamento do cônjuge do servidor para ensejar a licença, se a pedido ou por interesse da Administração, não cabe ao intérprete fazê-la, sendo de rigor a aplicação da máxima inclusio unius alterius exclusio.”
5. ANÁLISE SISTEMÁTICA DA LEI 8.112/90 E IRRELEVÂNCIA DO INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO PARA A CONCESSÃO DA LICENÇA
Finalmente, sobreleva notar, ainda na análise do diploma legal, que sempre que a Lei 8.112/90 submeteu alguma das licenças previstas na Seção I do seu Capítulo IV à discricionariedade, ou ao interesse da Administração, assim o fez expressamente.
Porém no caso do art. 84, verifica-se que não há qualquer menção ao interesse da Administração, nem no que tange ao motivo do deslocamento do cônjuge, nem no que concerne à conveniência da concessão da licença, o que põe uma pá de cal sobre a tese de que o deferimento de tal licença seria ato administrativo discricionário.
O acerto de tal posicionamento é referendado pela redação da própria lei, que nos casos das licenças para capacitação (art. 87) e para tratar de assuntos particulares (art. 91) faz expressa previsão quanto à necessária presença do interesse da Administração para seu deferimento. Confira-se a redação dos dispositivos:
Art. 87. Após cada qüinqüênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da Administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional.
Art. 91. A critério da Administração, poderão ser concedidas ao servidor ocupante de cargo efetivo, desde que não esteja em estágio probatório, licenças para o trato de assuntos particulares pelo prazo de até três anos consecutivos, sem remuneração.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, resta evidenciado que em virtude da proteção constitucional à família, da interpretação sistemática da Lei 8.112/90, e da própria literalidade do art. 84 da Lei 8.112/90, a concessão da licença para o acompanhamento de cônjuge, inclusive na modalidade que viabiliza o exercício provisório, se revela ato administrativo vinculado no qual cabe à Administração apenas verificar a existência dos elementos previstos em lei para, uma vez constatada a presença deles, concedê-lo.
Negar a licença, quando a lei a autoriza, é ofender o princípio da segurança jurídica, inerente ao próprio Estado Democrático de Direito.
Isto porque a União não pode fazer uso do regime jurídico dos servidores públicos civis apenas na parte em que estabelece os deveres que eles devem observar, esquivando-se de cumprir, de outro lado, a parte que reconhece direitos deles. Exemplificativamente, deve-se atentar que um casal de servidores, ao estabelecer seu planejamento familiar, e anuir pela participação de deles em algum concurso de remoção, pode e deve confiar que a mesma lei que impõe seus deveres valerá para lhe garantir o direito à preservação da unidade familiar. Ao tratar desse tema em sua obra Direito Constitucional, o professor José Joaquim Gomes Canotilho ressalta que:
“Os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas.” (CANOTILHO, 1995, p. 373)
A existência da medida consagra a proteção constitucionalmente garantida à família e à dignidade da pessoa humana e, especialmente no caso em que há exercício provisório remunerado, previsto no § 2ª do art. 84 da Lei 8.112/90, não acarreta sequer prejuízo à Administração ou ao eficiente funcionamento da máquina pública, mormente porque o servidor licenciado continuará exercendo suas atividades, apenas em localidade diversa.
Ao estabelecer tal modalidade de licença, é inequívoco que o legislador estava ciente de que isso poderia provocar, em alguns poucos casos, dificuldades contingenciais na localidade da qual o servidor foi deslocado. Porém, para resolver as consequências disso, ele mesmo dotou a Administração de técnicas de remanejamento da força de trabalho, previstas na Lei 8.112/90, como a redistribuição ou a remoção, medidas essas que, mesmo quando apresentem alguma espécie de ônus à Administração, pouco - ou quase nada - representam quando comparadas à importância que a preservação da unidade familiar tem para o servidor, que, para ele representa, nada mais, nada menos do que a sua própria razão de viver.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 08 abr. 2012
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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1995.
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MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19ªed. São Paulo: Atlas, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
SILVA, GUSTAVO SCATOLINO. Manual de direito administrativo. 1.ed. Salvador: Juspodium, 2012.
Procuradora Federal. Graduada em Direito pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, Isabela de Deus Moura Tavares de. Licença para acompanhamento de conjuge, com exercício provisório: análise dos requisitos legais para concessão da medida e da ausência de discricionariedade DA Administração Pública Federal para seu deferimento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42601/licenca-para-acompanhamento-de-conjuge-com-exercicio-provisorio-analise-dos-requisitos-legais-para-concessao-da-medida-e-da-ausencia-de-discricionariedade-da-administracao-publica-federal-para-seu-deferimento. Acesso em: 22 nov 2024.
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