Resumo: O presente artigo versa sobre a hipótese de fraude à execução quando o bem a ser penhorado sai da esfera de propriedade do terceiro a quem o devedor alienou e acaba por ser transferido a outrem. Tem a finalidade de sustentar que tal fato não pode ser oposto à Fazenda Pública, na condição de credora tributária, devendo o prejuízo ser objeto de discussão entre os particulares envolvidos. Entende que, para se afastar a aplicação do art. 185 do Código Tributário Nacional, é necessário que seja declarado, no ponto, inconstitucional.

Palavras-chaves: fraude, execução, alienação, sucessiva, fazenda, tributário.

1.    Introdução

Gera grandes celeumas o instituto da fraude à execução, de que trata o art. 185 do Código Tributário Nacional, cuja atual dicção, dada pela Lei Complementar n. 118/2005, é a seguinte: “presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”.

Uma delas foi dirimida pelo e. Superior Tribunal de Justiça, há relativamente pouco tempo, quando assentou, no bojo do Recurso Especial n. 1.141.990/PR, sendo relator o Ministro Luiz Fux, julgado em 10/11/2010 e com publicação em 19/11/2010, que a presunção, in casu, é juris et de jure, ou seja, absoluta, utilizando-se, na oportunidade, da sistemática disposta no art. 543-C do Código de Processo Civil.

Dentre outros aspectos relevantes, a e. Corte em referência definiu, também, que a Lei Complementar n. 118/2005, ao alterar a redação do art. 185 do Código Tributário Nacional, com a supressão da expressão “em fase de execução”, teve a finalidade de ensejar uma antecipação do marco temporal a partir do qual se deve ter por materializada a fraude à execução.

Não se revela mais necessária, pois, a citação do devedor no feito executivo. Agora, basta a inscrição em dívida ativa.

Restou afastada, por fim, a Súmula 375, nas hipóteses de fraude fiscal, em vista do interesse público envolvido, diferenciando-a do tratamento conferido pelo art. 593 do Código de Processo Civil à fraude ocorrida entre particulares, aplicando-se o brocardo latino lex specialis derrogat lex generalis – a lei especial prevalece sobre a lei geral.

No entanto, quando se está diante de alienações ocorridas subsequentemente àquela tida por fraudulenta, a controvérsia permanece intacta até os dias de hoje.

Neste trabalho, defende-se que essa situação não desnatura, ao menos a priori, a subsunção à regra legal em tela.

2.     Desenvolvimento

Deveras, a decisão, ao reconhecer a fraude à execução, declara que determinada alienação é ineficaz. Se assim o é, ela naturalmente produz efeitos ex tunc, retroagindo-os à exata data do evento que é seu objeto.

A razão desses efeitos retroativos é de ordem lógica, pois o pronunciamento judicial não cria a alienação fraudulenta – daí porque não possui cunho constitutivo –, mas limita-se a conferir certeza à própria vontade do legislador, qual seja, a de que aquele negócio jurídico seja privado de eficácia.

Nesse contexto, ainda que realizadas novas alienações do bem a ser penhorado, elas são desinfluentes, pois, afinal, a cadeia dominial encontrava-se previamente contaminada.

Em outras palavras, se uma dada alienação é declarada ineficaz, é forçoso concluir que alienações posteriores que porventura existam também sejam atingidas por via reflexa. Nenhum desses atos translativos é oponível ao credor público.

O e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região já teve a oportunidade de pronunciar-se sobre o tema, proferindo acórdão em cuja ementa está consignado, in verbis, que “a ineficácia do anterior negócio jurídico transmite-se por toda a eventual cadeia de negócios jurídicos” de modo a manter “(a ineficácia) seus efeitos plenos, não cabendo cogitar – em cada negócio jurídico da cadeia – acerca da existência de boa fé, pois, como visto, a fraude em execução fiscal tem natureza objetiva, isso como proteção ao crédito tributário”¸ pois “a presunção em voga deve ser, realmente, absoluta”. É o que consta da Apelação Cível n. 5001038-91.2012.404.7016/PR, de relatoria da Juíza Federal Carla Evelise Justino Hendges, com julgamento em 03/04/2013 e publicado em 08/04/2013.

De outra banda, alguns membros do Poder Judiciário têm externado sua preocupação – plenamente válida, por sinal – com a insegurança jurídica que se estará criando com o deferimento de pedidos como da espécie.

Por óbvio, não se está querendo dizer que aquele que possui um bem atualmente em seu poder – e objeto de fraude decretada – é quem merece arcar com todo o prejuízo.

Em verdade, a questão resolve-se em perdas e danos, nos termos do art. 927 do Código Civil, uma vez que “aquele que, por ato ilícito (…), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, assim conceituado, por força do art. 186 do aludido diploma legal, toda “ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”, que “violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral”.

Logo, cabe ao indivíduo que for privado de seu bem deduzir sua pretensão indenizatória em face daquele que cometeu a infração legal e que figurava como seu anterior proprietário.

A Fazenda Pública, contudo, conta com a prerrogativa legal a ser favor, não se lhe podendo opor a boa-fé, já que a fraude à execução estampada no art. 185 do Código Tributário Nacional não se encontra impregnada de qualquer traço subjetivo.

3.    Conclusão

Na prática, a solução definitiva do problema sobre o qual aqui se discorre deve passar obrigatoriamente pelo controle de constitucionalidade do art. 185 do Código Tributário Nacional, já que o princípio da segurança jurídica está insculpido na Carta Magna, em seu art. 5º, XXXVI.

Sem que isto implique qualquer comprometimento com o mérito da questão específica – a qual não constitui tema deste trabalho –, o art. 185 do Código Tributário Nacional deverá, conforme for, ser declarado parcialmente inconstitucional, sem redução de texto, como conditio sine qua non para afastar sua aplicação nas hipóteses em que há alienações posteriores àquela considerada em fraude à execução.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. Disponível em , acesso em 22/03/2015.

_______. Código Tributário Nacional, Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em , acesso em 22/03/2015.

_______. Código de Processo Civil, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em , acesso em 22/03/2015.

_______. Código Civil, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em , acesso em 22/03/2015.

_______. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial n. 1.141.990/PR. Relator: Ministro Luiz Fux. Disponibilização no DJ de 18/11/2010.

_______. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão proferido em Apelação Cível n. 5001038-91.2012.404.7016/PR, Relator: Juíza Federal Carla Evelise Justino Hendges. Disponibilização no DJ de 07/04/2013.