Resumo: Tema que sempre foi pacífico tanto na doutrina como na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal diz respeito à imprescritibilidade das Ações de Ressarcimento ao Erário. Isso decorre especialmente do comando previsto no artigo 37, parágrafo 5º, que dita ser imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário. O dispositivo constitucional não fez nenhuma ressalva a respeito de quais tipos de ações serão imprescritíveis, no entanto uma nova interpretação foi conferida pelo RE 669.069.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Administrativo. Dano. Prescrição. Superior Tribunal de Justiça. Supremo Tribunal Federal.
1- Introdução
A Administração Pública é lesada diariamente através de diversos fatores que causam danos ao erário. A principal função da administração é satisfazer o interesse público, então eventual desfalque nas finanças estatais prejudica toda a sociedade, que será privada do gozo de determinadas políticas públicas, como também de eventuais serviços públicos e não terá suas necessidades plenamente atendidas.
Uma das regras que conferem segurança jurídica sem dúvida é a prescrição, ou seja, a perda de uma pretensão devido ao curso de determinado período de tempo. Ela está regulada no Código Civil e em algumas leis esparsas, a depender da relação apresentada. A questão surge quando o art. 37, § 5º determina que as ações de ressarcimento ao erário são imprescritíveis, regra constitucional que confere uma proteção maior ao patrimônio público. A CF/88 não fez nenhuma restrição ao dispositivo, o que leva a crer que o mesmo é aplicado em todas as hipóteses de ressarcimento ao erário. Porém, o STF fez uma releitura no julgamento do RE 669.069.
2- Imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário
O STJ e o STF já haviam firmado sua jurisprudência no sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, utilizando como fundamento para tais decisões o disposto no art. 37, § 5º, além de aplicar o princípio da supremacia do interesse público. Importante salientar que tal entendimento só se aplica para as ações de ressarcimento ao erário, sendo as penalidades administrativas, penais e civis (que não o ressarcimento) prescritíveis.
Não pode deixar de considerar que o instituto da prescrição é fundamental para a segurança jurídica em determinado sistema, bem como uma garantia para os cidadãos que não poderão ser surpreendidos a qualquer tempo com determinada pretensão, mesmo após decorrido um longo lapso temporal. Caso contrário, seria um estado de insegurança jurídica, inconcebível com o ordenamento jurídico brasileiro e com o Estado Democrático de Direito.
3- Mudança de entendimento pelo STF no RE 669.069
Felizmente, o STF começou a rever a interpretação do art. 37, § 5º da CF/88 no julgamento do RE 669.069, indo além da literalidade do texto constitucional e dando fim ao malfadado “in claris cessat interpretativo”. Na sessão do dia 03/02/2016, os ministros do STF firmaram a tese em sede de repercussão geral no sentido que “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.
O caso apreciado foi o seguinte: a União propôs ação de ressarcimento contra uma empresa de transporte rodoviário e um de seus motoristas por entender que houve culpa exclusiva do condutor do ônibus em batida contra uma viatura da Companhia da Divisão Anfíbia da Marinha, ocorrida no dia 20 de outubro de 1997 em uma rodovia no Estado de Minas Gerais. Naquele ano ainda vigorava o Código Civil de 1916, que estabelecia prazo para efeito de prescrição das pretensões reparatórias de natureza civil. No entanto, a ação foi ajuizada pela União em 2008, quando vigorava o Código Civil de 2002.
O RE foi interposto pela União contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que aplicou o prazo prescricional de cinco anos para confirmar sentença que extinguiu a ação de ressarcimento por danos causados ao patrimônio público, decorrente do acidente.
A União basicamente alegava a imprescritibilidade do prazo, com base nos seguintes fundamentos: a interpretação literal do art. 37, § 5º da CF/88; onde a Constituição não distingue, não cabe ao intérprete distinguir; e a parte final do dispositivo constitucional em comento veicularia, sob a forma da imprescritibilidade, uma ordem de bloqueio destinada a conter eventuais iniciativas displicentes com o patrimônio público.
O STF decidiu por maioria, acompanhando o voto do relator, Ministro Teori Zavascki, que negou provimento ao recurso, bem como a tese proposta pelo Ministro Luís Roberto Barroso no sentido de que, em se tratando de ilícitos civis, há a incidência da prescrição. Para o STF não se poderia dar um alcance ilimitado para a imprescritibilidade. De acordo com o sistema constitucional, o qual reconheceria a prescritibilidade como princípio, se deveria atribuir um sentido estrito aos ilícitos previstos no § 5º do art. 37. Uma interpretação ampla conduziria à imprescritibilidade de toda e qualquer ação de ressarcimento movida pelo erário, mesmo as fundadas em ilícitos civis que não decorram de dolo ou culpa.
Na interpretação do STF, a imprescritibilidade diz respeito apenas às ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade administrativa e como ilícitos penais. Então, no caso de ilícitos de cunho civil há de se aplicar o prazo prescricional comum para as ações de responsabilidade civil em que a Fazenda figurasse como autora, ou seja, 5 (cinco) anos, com base no Decreto nº 20.910/1932.
4- Conclusão
Conforme visto, tanto o STF e o STJ possuíam o entendimento no sentido de serem imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário com base na interpretação literal do art. 37, § 5º da CF/88. No entanto, tal panorama mudou com o julgamento do RE 669.069. Para o STF o entendimento pela imprescritibilidade deveria ser restrito e não de forma ampla, sob pena de contrariar o próprio sistema constitucional. Assim, pela nova interpretação conferida ao art. 37, § 5ª da CF/88 seria restrito aos casos de ressarcimento ao erário decorrentes de ilícitos penais ou de atos de improbidade administrativa. A tese que é prescritível o ato ilícito civil não alcança os prejuízos decorrentes de atos de improbidade administrativa, tema não discutido no RE em pauta.
5- Referência
- STF decide que há prescrição em danos à Fazenda Pública decorrentes de ilícito civil. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=309262 . Acesso em 16/02/2016.
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