RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar as disposições do Código de Processo Civil de 2015 que tratam da remessa necessária.
Palavras-chave: Remessa necessária – Código de Processo Civil de 2015 – Fazenda Pública.
1. INTRODUÇÃO.
A remessa necessária está intimamente vinculada à presença da Fazenda Pública em juízo, caracterizando-se como uma das principais prerrogativas das pessoas jurídicas de direito público.
Neste artigo será apresentado um conceito de remessa necessária, explicada a sua natureza jurídica e finalidade, serão esclarecidas as hipóteses em que a reanálise da sentença se torna obrigatória, elucidadas as exceções que dispensam o reexame da causa, bem como destacados entendimentos jurisprudenciais consolidados sobre o instituto objeto de estudo.
2. REMESSA NECESSÁRIA.
2.1. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE.
A remessa necessária é prerrogativa específica da Fazenda Pública, e consiste na obrigatoriedade do envio dos autos do processo para o tribunal para reapreciação da sentença e novo julgamento da causa.
Conforme entendimento majoritário, perfilhado por Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (2012, p.455), Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery (2010, p.742), Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p.179), dentre outros, sua natureza jurídica é de condição para a eficácia da sentença. O instituto inibe o trânsito em julgado e torna o duplo grau de jurisdição obrigatório. Veja-se o teor da súmula 423 do Supremo Tribunal Federal: "Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege."
Seu objetivo é o resguardo do interesse público, garantindo que a causa seja reanalisada, nas hipóteses previstas em lei, sempre que proferida sentença contrária à Fazenda Pública.
2.2. HIPÓTESES QUE TORNAM A REMESSA NECESSÁRIA.
O artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015 diz o seguinte:
Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
Destaque-se que o reexame necessário é previsto pelo Código de Processo Civil de 2015 apenas para sentenças. Logo, conforme inclusive defendido por Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p.180), não se aplica às decisões interlocutórias proferidas contra a Fazenda Pública, não obstante estas possam conter apreciação de parcela do mérito da demanda.
A primeira hipótese que torna obrigatório o reexame do julgado é que a sentença tenha sido proferida contra a Fazenda Pública. Nelson Nery e Rosa Maria Andrade Nery (2010, p.473) entendem que apenas as sentenças de mérito estão sujeitas à remessa necessária. Não obstante existirem defensores de uma interpretação mais abrangente, como Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p.183), é diante da sentença de mérito, apta a se tornar imutável e indiscutível pela coisa julgada, que a necessidade do reexame se torna evidente.
A segunda hipótese que exige o reexame da causa é o julgamento de procedência dos embargos interpostos contra execução fiscal. A execução fiscal é processo com rito previsto em legislação especial (Lei nº 6.830 de 1980) em que a Fazenda Pública postula a satisfação dos créditos inscritos em Dívida Ativa. Os embargos à execução fiscal consistem em ação autônoma de caráter defensivo proposta pelo executado. Assim, a sentença de procedência dos embargos à execução fiscal é uma decisão contrária à Fazenda Pública, o que justifica a sua previsão como hipótese que torna o reexame obrigatório.
2.3. EXCEÇÕES QUE DISPENSAM O REEXAME DA SENTENÇA.
Os parágrafos 3º e 4º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015 trazem exceções às hipóteses que exigem o reexame da causa. O texto legal é o seguinte:
§ 3o Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:
I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;
III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.
§ 4o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:
I - súmula de tribunal superior;
II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.
Comparando-se o regramento atual com aquele constante do Código de Processo Civil de 1973, em especial o parágrafo 2º do seu artigo 475, constata-se que houve um aumento considerável do valor da condenação ou do proveito econômico estabelecido como parâmetro para dispensa do reexame da sentença. O intuito do legislador foi claro: restringir a remessa necessária para as causas de alto valor, que possam gerar impacto significativo nas contas públicas.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, as exceções estabelecidas com base no valor da condenação ou do proveito econômico obtido que dispensam o reexame da decisão contrária à Fazenda Pública não se aplicam quando a sentença for ilíquida, por falta de parâmetro. Veja-se:
A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
(Súmula 490, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/06/2012, DJe 01/08/2012)
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA. CABIMENTO.
1. É obrigatório o reexame da sentença ilíquida proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público (Código de Processo Civil, artigo 475, parágrafo 2º).
2. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao procedimento do artigo 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1101727/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/11/2009, DJe 03/12/2009)
REEXAME NECESSÁRIO. DISPENSA LEGAL. SENTENÇA ILÍQUIDA. INAPLICABILIDADE.
1. As sentenças ilíquidas desfavoráveis à União, ao Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às respectivas autarquias e fundações de direito público estão sujeitas ao reexame necessário.
2. A exceção contida no art. 475, § 2º, do CPC não se aplica às hipóteses de pedido genérico e ilíquido, pois esse dispositivo pressupõe uma sentença condenatória "de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos". Precedentes.
3. Embargos de divergência conhecidos e providos.
(EREsp 699.545/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/12/2010, DJe 10/02/2011)
As exceções dos incisos I, II e III do parágrafo 4º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015 visam evitar um prolongamento inútil do litígio, pois a sentença que está de acordo com a jurisprudência consolidada provavelmente será mantida.
A exceção do inciso IV do parágrafo 4º do artigo 496 do Código de Processo Civil de 2015 possibilita que a própria Fazenda Pública exclua determinadas questões do reexame necessário, caso assim entenda adequado e pertinente. Trata-se de prerrogativa que permite, por exemplo, a racionalização das atividades dos seus órgãos de presentação judicial. Registre-se que nesse caso se presume a falta de interesse na reforma da decisão, ou pelo menos a concordância da Fazenda Pública com a sentença proferida.
2.4. REMESSA NECESSÁRIA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Além das decisões já referidas, que se vinculavam com tópicos previamente desenvolvidos, subsistem alguns entendimentos do Superior Tribunal de Justiça sobre a remessa necessária que merecem ser destacados.
Uma vez que a remessa necessária é prerrogativa estabelecida em prol da Fazenda Pública, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que decisão resultante não pode prejudica-la. Veja-se:
NO REEXAME NECESSARIO, E DEFESO, AO TRIBUNAL, AGRAVAR A CONDENAÇÃO IMPOSTA A FAZENDA PUBLICA. (Súmula 45, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 16/06/1992, DJ 26/06/1992, p. 10156)
O Superior Tribunal de Justiça também admite a interposição de recurso pela Fazenda Pública contra a decisão resultante da remessa necessária. Veja-se:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE RECURSO VOLUNTÁRIO DA FAZENDA PÚBLICA. APRECIAÇÃO DO TEMA EM REEXAME NECESSÁRIO. APELO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO LÓGICA. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL (RESP. 905.771/CE, REL. MIN. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 10.08.2010). EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS. RETORNO DOS AUTOS À 2a. TURMA PARA PROSSEGUIR NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL TÃO-SOMENTE NO PONTO NÃO CONHECIDO EM RAZÃO DO ENTENDIMENTO DA OCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO LÓGICA.
1. A Corte Especial, por ocasião do julgamento do Resp. 905.771/CE, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, em consonância com a jurisprudência da Suprema Corte, pacificou o entendimento de que a ausência de recurso da Fazenda Pública contra sentença de 1o. Grau que lhe tenha sido desfavorável, não impede, em razão da remessa necessária, que ela recorra do acórdão proferido pelo Tribunal de origem. Não se aplica, portanto, o instituto da preclusão lógica.
2. Embargos de Divergência da EAFC acolhidos para que prevaleça a tese esposada no acórdão paradigma, devendo os autos retornarem à 2a. Turma, a fim de prosseguir no julgamento do Recurso Especial, tão-somente no ponto não conhecido em razão do entendimento da ocorrência de preclusão lógica.
(EREsp 1072946/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2014, DJe 26/08/2014)
PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - REEXAME NECESSÁRIO - AUSÊNCIA DE APELAÇÃO DO ENTE PÚBLICO - PRECLUSÃO LÓGICA AFASTADA - CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 905.771/CE (rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 29/06/2010), afastou a tese da preclusão lógica e adotou o entendimento de que a Fazenda Pública, ainda que não tenha apresentado recurso de apelação contra a sentença que lhe foi desfavorável, pode interpor recurso especial.
2. Embargos de divergência conhecidos e providos.
(EREsp 1135100/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, julgado em 09/06/2011, DJe 01/08/2011)
O Superior Tribunal de Justiça interpretou que o efeito devolutivo da remessa necessária é amplo. Abrange todas as parcelas da sentença contrárias à Fazenda Pública, inclusive acessórias. Estando a sentença submetida ao reexame obrigatório, todo seu conteúdo com decisão contrária a Fazenda Pública deve ser objeto de análise, mesmo aquelas parcelas que isoladamente não ensejassem a remessa necessária. O reexame é da sentença como um todo, e não da hipótese que o torna obrigatório. Veja-se enunciado da súmula 325 do Superior Tribunal de Justiça:
A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado.
(Súmula 325, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/05/2006, DJ 16/05/2006, p. 214)
3. CONCLUSÃO.
Iniciou-se este artigo relembrando que a remessa necessária é um dos institutos processuais mais vinculados à presença da Fazenda Pública em juízo.
Conceituou-se a remessa necessária como o dever de encaminhamento, nas hipóteses previstas em lei, dos autos do processo para o tribunal para novo julgamento, do qual resultará a manutenção ou não a sentença proferida contra a Fazenda Pública.
Destacou-se que o entendimento majoritário atribui à remessa necessária a natureza jurídica de condição de eficácia da sentença, e se ressaltou que a finalidade da remessa necessária é a proteção do interesse público.
Frisou-se que apenas as sentenças estão sujeitas ao reexame obrigatório. As decisões interlocutórias não provocam a remessa necessária.
Lembrou-se que apenas as sentenças contrárias à Fazenda Pública exigem a remessa dos autos para novo julgamento. E que apesar da existência de controvérsia doutrinária sobre quais espécies de sentença que se sujeitam à remessa necessária, certamente as sentenças de mérito exigem o reexame da causa.
Salientou-se que a sentença que julgar procedente embargos à execução fiscal também está submetida à remessa obrigatória, e se explicou que essa decisão também é contrária à Fazenda Pública, pois os embargos consistem em ação autônoma que ataca o processo judicial de cobrança da dívida ativa.
Destacou-se que o Código de Processo Civil de 2015 contempla hipóteses de dispensa da remessa necessária.
Ressaltou-se que houve um aumento do valor da repercussão econômica da sentença estabelecida como parâmetro para desobrigação do seu reexame, com o objetivo de reservar a remessa necessária para as demandas com potencial de redução expressiva das verbas da Fazenda Pública. Porém, frisou-se que as sentenças ilíquidas necessariamente devem ser reapreciadas.
Recordou-se que a dispensa prevista para as sentenças que se alinham à jurisprudência consolidada tem por objetivo evitar a procrastinação da resolução do processo, pois a tendência seria a sua manutenção pelo Tribunal.
Frisou-se também que foi consagrada a dispensa da remessa necessária quando a sentença estiver de acordo com orientação administrativa vinculante da Fazenda Pública, presumindo-se falta de interesse na reforma da sentença ou pelo menos concordância com a decisão proferida, e possibilitando melhor organização da atividade dos órgãos de presentação judicial das pessoas jurídicas de direito público.
Por fim, salientou-se que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a decisão decorrente da remessa necessária não pode prejudicar a Fazenda Pública, que é possível a interposição de recurso pela Fazenda Pública contra a decisão que resultar do reexame obrigatório, e que todas as condenações da Fazenda Pública contidas na sentença são reanalisadas pelo tribunal ao qual os autos foram enviados compulsoriamente.
4. REFERÊNCIAS.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm. Acesso em: 6 de maio de 2016.
BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6830.htm. Acesso em: 18 de maio de 2016
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 6 de maio de 2016.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da Cunha. A fazenda pública em juízo. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2007.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
Procurador da Fazenda Nacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) de Santa Maria/RS. Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Universidade do Sul de Santa Catarina. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHMITT, Jonas Ernande. A remessa necessária no Código de Processo Civil de 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46805/a-remessa-necessaria-no-codigo-de-processo-civil-de-2015. Acesso em: 22 nov 2024.
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