RESUMO: O presente artigo aborda o instituto da terceirização como um novo método de contratação, que ao longo dos anos, passou a ser utilizado pelo Poder Público como uma forma de aprimorar a prestação dos serviços públicos. Analisa-se a controvérsia que existia acerca da responsabilidade da Administração Pública, enquanto tomadora de serviços, em relação aos débitos trabalhistas, inadimplidos pela empresa prestadora. Nesse contexto, é exposta a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 16, proposta pelo governo do Distrito Federal, que teve como objetivo finalizar esse conflito de interpretações, gerador de enorme insegurança jurídica para os trabalhadores. Por fim, expõe-se como a declaração de constitucionalidade do artigo 71 da Lei de Licitações pelo Supremo Tribunal Federal repercutiu na jurisprudência trabalhista.
Palavras-chave: Terceirização. Licitude. Responsabilidade pelos débitos trabalhistas. Administração Pública.
INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, a doutrina e a jurisprudência trabalhistas travaram discussões acerca da responsabilidade do Poder Público em relação aos débitos trabalhistas decorrentes do contrato de trabalho, quando da utilização da terceirização de serviços, caso a empresa prestadora deixasse de honrar com suas obrigações.
Uma primeira corrente defendia que a Administração Pública deveria adimplir subsidiariamente as verbas trabalhistas reivindicadas pelo trabalhador, sempre que não fossem pagas pelo prestador de serviços. Para justificar esse posicionamento, adotava-se o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado na redação original de sua súmula nº 331.
Contudo, defendendo a supremacia do interesse público frente ao interesse privado, uma segunda corrente entendia que a Administração Pública não poderia ser responsabilizada, devendo o empregado demandar, tão somente, contra a empresa com a qual tinha o vínculo laboral, posicionamento fundamentado no artigo 71, §1º da Lei Federal nº 8.666/93 e no princípio constitucional da legalidade, pelo qual ninguém é obrigado a fazer algo, senão em virtude de lei. Para seus defensores, a atividade de uniformização da jurisprudência não poderia prevalecer sobre um dispositivo legal, sendo apenas uma fonte mediata ou indireta do Direito. Caso contrário, haveria ofensa e violação ao princípio constitucional da separação dos poderes.
Pondo fim a essa grave insegurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal julgou, em 24 de novembro de 2010, a Ação Declaratória de Constitucionalidade n º 16, cujas repercussões no âmbito da Justiça trabalhista serão explanadas no presente artigo.
1. ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO DE TERCEIRIZAÇÃO
O conceito de terceirização encontra-se pacificado na doutrina trabalhista. Lauro Ribeiro Pinto Júnior (2006, p. 31) explica que: “Denomina-se terceirização o liame que liga uma empresa a um terceiro, mediante contrato regulado pelo direito Civil, comercial ou administrativo, com a finalidade de realizar tarefas coadjuvantes da atividade-fim da tomadora”. Olphir Cavalcante Junior (1996, p. 183) esclarece que: “[...] é um processo pelo qual a empresa, objetivando alcançar maior qualidade, produtividade e redução de custos, repassa a terceiros um determinado serviço ou a produção de um determinado bem”. Seguindo o mesmo raciocínio, Cristiana Fortini e Virginia Kirchmeyer Vieira (2009, p. 27) entendem que:
A terceirização costuma ser definida como o processo de gestão empresarial que consiste na transferência para terceiros de serviços que, originalmente, seriam executados dentro da própria empresa. Com a terceirização, libera-se a empresa da realização de atividades, permitindo a concentração de esforços em segmentos considerados mais relevantes. A terceirização ampara-se na ideia de eficiência, permitindo, ainda, em tese, a redução de custos.
O Tribunal Superior do Trabalho, com o objetivo de evitar fraudes de empresas inescrupulosas aos direitos dos trabalhadores, editou a Súmula 331, na qual se estabeleceu alguns critérios indispensáveis para a averiguação da licitude desse novo tipo de contratação:
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
Analisando-se o entendimento desse Colendo Tribunal, depreende-se que somente é considerada lícita a terceirização que importe: na contratação de trabalho temporário, regida pela Lei nº 6.019/1974, desde que não sejam excedidos os três meses de prestação de serviços na empresa tomadora; na contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102/1983), de conservação e limpeza; e na de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, ausentes os elementos da pessoalidade e da subordinação direta.
Desta feita, percebe-se, portanto, que, em princípio, tem-se como lícita apenas a terceirização de atividade-meio, ou seja, aquela que não está ligada diretamente ao núcleo da atividade empresarial, servindo, apenas, como um suporte, um caminho para alcançar a atividade final (finalidade precípua da empresa), como os serviços de vigilância, limpeza, digitação e conservação. A jurisprudência brasileira, com o apoio da maioria dos estudiosos sobre o assunto, sustenta esse posicionamento, como se infere no seguinte julgado:
TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES. SERVIÇOS DE PANFLETAGEM. LICITUDE. A Súmula n.º 331, III, estabelece que "Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102 de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta". Assim, regular a contratação de empregado para labor na atividade-meio, via empresa interposta, não formando o vínculo diretamente com o tomador de serviços, nos termos da mencionada súmula. (TRT10. RO - 850200802010003 DF 00850-2008-020-10-00-3. Publicado em: 05.06.09. 1 Turma. Relator: DESEMBARGADOR PEDRO LUIS VIVENTIN FOLTRAN). (grifos nossos)
Portanto, se, ao contrário, a empresa tomadora de serviços contratar a prestadora para o desempenho de sua atividade-fim, a terceirização será considerada ilícita, formando-se o vínculo empregatício do trabalhador diretamente com a empresa contratante, como prescreve o julgado abaixo:
EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - ATIVIDADE-FIM - FORMAÇÃO DO VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM A TOMADORA DE SERVIÇOS. Sendo ilícita a contratação de trabalhador para exercer as funções de emendador de cabos telefônicos, através de empresa prestadora de serviços interposta, o vínculo se estabelece diretamente com a tomadora, em razão da inserção do empregado em sua atividade-fim (inteligência da Súmula 331, I, do colendo TST). Nesse caso, faz jus o empregado à percepção das vantagens previstas nos instrumentos normativos das quais é signatária a empregadora. (MINAS GERAIS, 2009).
2. TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O fenômeno da terceirização surgiu, primeiramente, na iniciativa privada, com o intuito de reduzir os custos da produção e melhorar a eficiência e a qualidade da atividade produtiva desempenhada.
No entanto, principalmente com a Reforma Administrativa Brasileira, trazida pela Emenda Constitucional nº19/98, cujo objetivo principal foi aumentar a eficiência dos serviços prestados pelo Poder Público e diminuir sua morosidade, a terceirização surge no âmbito da Administração Pública como uma alternativa para que o Estado pudesse focalizar seus esforços em suas atividades próprias e essenciais, aumentando sua capacidade administrativa, deixando, portanto, a execução de funções não nucleares nas mãos da iniciativa privada.
Hely Lopes Meirelles (2000, p.708, grifo original) já tratava sobre esse assunto:
A finalidade do Estado é a prestação de serviços à coletividade, visando a promover o bem-estar geral. Mas, para atingi-la, necessita de meios adequados, materiais e humanos, que, em seu conjunto, constituem a máquina administrativa […]. Daí, vê-se que o Estado, ou melhor, a Administração, exercita duas espécies de atividades: as atividades-fins e as atividades-meios, aquelas empregadas na consecução de seu objetivo específico, e estas, na organização, acionamento e manutenção da infra-estrutura administrativa, sem a qual as primeiras não podem ser realizadas. [...]
Desde a década de 1960, com a edição do Decreto-Lei nº 200/67, que dispunha sobre a Organização da Administração Federal e estabelecia diretrizes para a reforma administrativa, o Poder Público descentraliza a execução de suas atividades. Com a leitura do artigo 10, § 7º, pode-se perceber que, nessa época, o legislador já explicitava a sua preferência em terceirizar as atividades-meio do Estado:
Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.
§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
O mesmo diploma legal exemplificou, em seu artigo 30, algumas atividades-meio dos órgãos da Administração, denominadas de auxiliares, que poderiam ser terceirizadas, como as de pessoal, orçamento, estatística, administração financeira, contabilidade e auditoria, serviços gerais, dentre outras.
Em 10 de dezembro de 1970, surge a Lei nº 5.645, que permitiu, em seu artigo 3º, parágrafo único, que as atividades relacionadas com transporte, conservação e operação de elevadores fossem, preferencialmente, objeto de execução indireta, por meio de celebração de contrato. No entanto, o mencionado artigo foi revogado pela Lei 9.527 de 1997.
Em 1986, editou-se o Decreto-Lei 2.300 que ampliou e complementou o Decreto-Lei 200/67, no que se refere aos contratos administrativos.
Já em 1993, nasce a Lei 8.666, regulamentando o artigo 37, da Constituição Federal, e instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública. Seu artigo 10 possibilitou que os serviços e obras fossem prestados por execução indireta, sob os regimes de empreitada ou tarefa. O conceito de serviço foi dado pelo seu artigo 6º, II:
[…] toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais.
Seguindo o mesmo raciocínio, posteriormente, o Presidente da República baixou, em 7 de julho de 1997, o Decreto 2.271, que dispôs sobre a contratação de serviços pela Administração Pública direta, autárquica e fundacional. Seu artigo 1º afirmava que:
Art. 1º. No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
Como se pode observar, esta modalidade de prestação de serviços realizada pelo Estado se apresenta legítima perante o ordenamento jurídico brasileiro, e como será exposto a seguir, o fenômeno vem se tornando cada vez mais presente nos órgãos da Administração.
Relevante, ao tema, a explicação de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2000, p. 15):
A terceirização no serviço público constitui tema novo e desafiador, exigindo dos que almejam alcançar essa fronteira uma visão integrada da legislação e da jurisprudência, além de um esforço coordenado de diversos segmentos da Administração.
Os caminhos estão abertos e insinuados desde o Decreto-Lei 200/67, mas agora fortalecidos e aclarados pela evolução jurisprudencial, constituindo em etapa inexorável de uma longa linha evolutiva que encontrará um perfeito equilíbrio entre o verdadeiro papel do Estado e da iniciativa privada na concretização do interesse público.
Leonardo Alberto Ribeiro (2009, on line) apresenta importantes dados, que demonstram essa evolução:
A Pesquisa de Emprego e Desemprego (2007) realizada pelo DIEESE em Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife e Distrito Federal revela que, enquanto na iniciativa privada a terceirização sofreu um pequeno recuo entre os anos de 2002 e 2005 (fato atribuído à queda da qualidade de produção), no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal o fenômeno vem tomando ainda maior impulso. No Distrito Federal, por exemplo, o índice de trabalhadores terceirizados no Poder Público saltou de 7,1% para 26,6%, entre 1996 a 2005; na região metropolitana de Belo Horizonte, a proporção de terceirizados no Poder Público dobrou, no mesmo período, de 12% para 23%, ultrapassando, inclusive, o ramo da construção civil (21,9%), um dos setores nos quais a terceirização sempre teve uma presença orgânica.
No que concerne à conceituação do processo de terceirização quando aplicado à Administração Pública, faz-se imperiosa a leitura da definição de Lívia Maria Silva Meireles (2007, on line).
[…] a terceirização é uma das formas de inserção do particular na prestação do serviço público, que se faz por meio de um contrato administrativo. O terceiro é um mero executor material, destituído de qualquer prerrogativa do Poder Público. Portanto é importante frisar que não se trata de gestão do serviço público, mas sim de uma mera prestação de serviços.
O termo “terceirização” vem sendo amplamente utilizado pelo ramo do Direito Administrativo, dentro do contexto da reforma do Estado na busca de instrumentos de Direito privado que possam permitir a redução da marca estatal na consecução dos seus fins.
A autora continua sua explicação:
[…] o conceito de terceirização aplicado à Administração Pública é o mesmo aplicado no âmbito do Direito Privado, vez que este celebra, com muita frequência, contratos de empreitada (de obras e de serviços) e de fornecimento, mas sempre com fundamento no art. 37, XXI, da Constituição Federal, e com observância das normas da Lei 8.666/93, que regulamenta os contratos administrativos. (MEIRELES, 2007, on line).
É importante destacar que, como dito, o Estado não está impedido de celebrar contratos de terceirização. No entanto, para que isso seja possível, devem ser observadas algumas condições.
Neste ponto, Cristiana Fortini e Virginia Kirchmeyer Vieira (2009, p. 28) registram que: “[...] a febre da terceirização precisa ser controlada, já que seu emprego não pode se operar indistintamente. Alguns administradores públicos, seduzidos pela agilidade e informalidade do setor privado, têm se valido da terceirização em descompasso com o ordenamento jurídico”.
José dos Santos Carvalho Filho (2016, p. 268, grifo original) explicita que:
[…] é inteiramente legítimo que o Estado delegue a terceiros algumas de suas atividades-meio, contratando diretamente com a sociedade empresária, à qual os empregados pertencem. É o caso dos serviços de conservação e limpeza e de vigilância. Aqui, trata-se de terceirização lícita. Vedado se afigura, entretanto, que delegue atividades-fim, como é o caso de funções institucionais e próprias dos órgãos públicos. Nesse caso, a Administração simula a intermediação de mão de obra, numa evidente contratação de locação de serviços individuais e, com isso, procede a recrutamento ilegal de servidores (terceirização ilícita). Em várias ocasiões, esse tipo de contratação tem sido anulado pelos órgãos de controle, inclusive pelos Tribunais de Contas.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 69), conceitua o que seria terceirização sob forma de fornecimento de mão de obra:
Tanto na empresa privada quanto na Administração Pública, a terceirização sob forma de fornecimento de mão-de-obra ocorre quando o tomador de serviço contrata uma empresa para que esta forneça pessoal para trabalhar dentro da empresa tomadora. No caso da Administração Pública, seriam pessoas que viriam trabalhar para ela, embora sem vínculo empregatício.
A renomada doutrinadora também demonstra ser contra esse tipo de contratação, ao declarar que:
[…] Acho realmente que esses contratos burlam as normas relativas aos servidores públicos; não adianta existir um capítulo na Constituição sobre servidor público, exigindo concurso público para que o servidor ocupe cargo ou emprego, se depois deixarmos tudo isso de lado e contratarmos pessoal por meio de empresa intermediária. Essa forma de contratação burla também o limite da despesa com pessoal e esse tipo de contrato não cria vínculo de emprego com a Administração Pública. Logo, esse pessoal não pode ser considerado servidor público.
Eles são considerados funcionários de fato e, em consequência, não podem assinar documento nenhum, não podem praticar nenhum ato administrativo, não podem celebrar um contrato, não podem aplicar uma penalidade. […] porque eles não estão investidos em cargo, emprego ou função […].
Penso que esse tipo de contrato favorece o apadrinhamento político, pois se o político não pode indicar a pessoa para um determinado cargo, porque ela tem que prestar concurso público, ele indica para a empresa intermediária, e a pessoa entra pela via indireta, […]. (DI PIETRO, 2009, p. 71).
Diante do exposto, conclui-se que somente é considerada lícita a terceirização pelo Estado quando se tratar de transferência de prestação de serviços, e não de mão de obra. A maioria dos doutrinadores pacificou esse entendimento em respeito ao princípio do concurso público, elencado no artigo 37, II da Constituição Federal, in verbis:
Art. 37- A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Vale ressaltar que o parágrafo segundo do mencionado artigo afirma que a não observância do inciso II implica na nulidade do ato e na punição da autoridade responsável, nos termos da lei.
Com efeito, Sérgio Pinto Martins (2001, p. 131) estabelece que:
A Administração Pública está adstrita ao princípio da legalidade, devendo observar a regra constitucional. O princípio da primazia da realidade não pode prevalecer diante da regra de ordem pública contida no inciso II do art. 37 da Constituição. A norma está acima das regras ordinárias da CLT e dos princípios do Direito do Trabalho […]. O objetivo, portanto, do concurso público é evitar escopos politiqueiros, perseguições eleitorais em razão da conveniência política.
É por todo o exposto que o Tribunal Superior do Trabalho, em sua súmula 331, inciso II afirma que “a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional”, fazendo referência ao supracitado artigo 37, II da Constituição Federal, ou seja, mesmo que o inciso I do enunciado preconize que, no caso de terceirização ilegal, haverá formação de vínculo empregatício com a empresa tomadora de serviços, se esta for da Administração Pública, esse vínculo permanecerá com a prestadora, sob pena de se ferir o princípio constitucional do concurso público.
Outro importante aspecto a ser analisado é o da ilicitude da terceirização realizada pelo Poder Público de suas atividades-fim.
Lívia Maria Silva Meireles (2007, on line) dispõe que:
[…] é possível identificar atividade essenciais que devem ser geridas pelo próprio Poder Público, sob pena de seu perecimento, que são justamente aquelas voltadas para o atendimento da sua missão de caráter jurídico. Essas atividades, em paralelo com o setor privado, constituiriam as denominadas atividades-fim do Estado, não sendo passíveis de terceirização, podendo tão-somente ocorrer o repasse de tarefas tidas como acessórias para a consecução do objetivo principal. Como exemplo, pode-se admitir a contratação de serviço de limpeza por uma empresa terceirizada dentro de uma repartição policial, mas nunca a contratação de uma empresa com o fim de realizar a execução direta do serviço de polícia.
[…]
É notório, portanto, perceber-se que, para se falar em terceirização na Administração Pública, é necessário, antes de tudo, adotar como parâmetro as totalidades das funções do Estado a fim de definir quais são as suas atividades-meio e atividades-fim, para que sejam identificadas quais as possibilidades de serviços terceirizáveis. Ou seja, a diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, no âmbito do Direito Administrativo e do Estado, vai além da satisfação dos direitos dos trabalhadores envolvidos no contrato; deve-se discutir, além disso, se a terceirização poderá atingir as atividades que constituem o cerne de sua existência e permanecerem ao amparo de seus princípios regedores.
Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 68) é enfática ao declarar que: “[...] terceirizar a atividade-fim não é possível, a menos que se queira acabar com a Administração Pública, acabar com o próprio Estado. No dia em que o Estado terceirizar sua atividade-fim, ele perderá grande parte de sua utilidade”.
3. RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELOS DÉBITOS TRABALHISTAS pelos
Durante muito tempo, houve uma grande divergência entre os doutrinadores em relação à responsabilidade da Administração Pública, enquanto tomadora de serviços, pelas verbas trabalhistas reivindicadas pelo empregado e não pagas pela empresa prestadora.
A antiga redação da Súmula 331 do TST, em seu inciso IV, estabelecia que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implicava na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que houvesse participado também do título executivo judicial.
Contudo, defendendo a supremacia do interesse público frente ao interesse privado e do princípio da legalidade, uma segunda corrente, trilhando sentido oposto, entendia que a Administração não podia ser responsabilizada, devendo o empregado demandar, tão somente, contra a empresa com a qual tinha o vínculo laboral, já que o Estado não estava prestando serviço público propriamente dito, mas sim atuando, simplesmente, como tomador de serviços.
Ademais, refutava-se o entendimento do TST, que responsabilizava o Poder Público com base na teoria do risco integral, tendo em vista que não se possibilitava que a Administração demonstrasse que agiu sem culpa. Defendia-se que a Carta Magna havia adotado a teoria do risco administrativo, e que, no caso da terceirização, essa responsabilidade seria por ato omissivo, necessitando-se, portanto, conforme a jurisprudência dos Tribunais Superiores, analisar a existência do elemento subjetivo.
Esse posicionamento também levava em consideração o texto do artigo 71, caput e §1º da Lei Federal 8.666/1993, que estabelece que:
Art 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Diante deste cenário jurídico, com o objetivo de dirimir essa controvérsia e afastar a incerteza criada na Justiça brasileira, o ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, em 5 de março de 2007, ingressou com uma ação declaratória de constitucionalidade, a ADC nº 16, perante o Supremo Tribunal Federal, pugnando pelo reconhecimento da constitucionalidade do supracitado artigo 71, §1º, da Lei 8.666/1993, e, consequentemente, pela não adoção da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
Por meio da Procuradoria Geral do Distrito Federal, Roberto Arruda, ao defender a aplicação da Lei de Licitações, na mencionada ADC nº 16 (2008, p. 352), foi enfático ao explicar que:
A norma objeto da presente ação declaratória de constitucionalidade, a despeito de sua constitucionalidade evidente e manifesta, tem sofrido ampla retaliação por parte de órgãos do Poder Judiciário, em especial do Tribunal Superior do Trabalho, que diuturnamente nega vigência ao comando normativo expresso no art. 71, §1º, da Lei Federal nº 8.66693. Nesse sentido, o TST fez editar enunciado de súmula da jurisprudência dominante, em entendimento diametralmente oposto ao da norma transcrita, responsabilizando subsidiariamente tanto a Administração direta quanto a indireta em relação aos débitos trabalhistas, quando atuar como contratante de qualquer serviço de terceiro especializado […].
Em 24 de novembro de 2010, a Suprema Corte pôs fim a esta celeuma. No mérito, a maioria dos ministros se pronunciou pela constitucionalidade do dispositivo legal objeto da ADC nº 16, contando a decisão com a seguinte ementa:
Responsabilidade contratual. Subsidiária. Contrato com a Administração Pública. Inadimplência negocial do outro contratante. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, §1º, da Lei Federal nº 8.6661993. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, §1º, da Lei Federal nº 8.666, de 26 de junho de1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995 (ADC 16/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 24.11.2010).
Além disso, houve consenso no sentido de que o TST não poderia generalizar os casos de responsabilidade do ente público contratante. Para tanto, deveria ser feita uma investigação rigorosa para se averiguar se a inadimplência da prestadora de serviços teve como causa principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público tomador.
Por esta razão, a Corte trabalhista, reportando-se à decisão proferida pelo STF, entendeu por bem reformar seu entendimento sobre o assunto. Conforme publicado no sítio do Tribunal Superior do Trabalho em 24/05/2011, os ministros do Tribunal Pleno alteraram a Súmula nº 331, passando o seu inciso IV, por unanimidade, a ter a seguinte redação:
“IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.
Ainda, por votação unânime, foi inserido o inciso VI à referida Súmula, nos seguintes termos:
“VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.
No entanto, ainda existem debates em curso, notadamente em relação a quem compete demonstrar a existência da culpa “in eligendo” ou “in vigilando” do Poder Público ao celebrar o contrato de terceirização, e em como deve ser feita tal demonstração.
CONCLUSÃO
O presente artigo objetivou analisar o surgimento da terceirização no Brasil, enfocando sua licitude no âmbito da Administração Pública e o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca da responsabilidade do Poder Público, enquanto tomador de serviços, em relação ao inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa prestadora.
Após analisar-se a evolução jurisprudencial acerca do tema, demonstrou-se que a responsabilidade subsidiária automática da Administração Pública pelo pagamento de tais verbas inadimplidas pela empresa contratada constitui ofensa ao artigo 71, §1º, da Lei 8.666/1993, declarado constitucional pela Suprema Corte, sendo indispensável, para tanto, a demonstração da omissão culposa do Poder Público, no que tange ao cumprimento das normas estabelecidas na Lei de Licitações, notadamente, do dever de fiscalizar a execução de seus contratos administrativos.
REFERÊNCIAS
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Advogada. Graduada pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Natalia Quezado. Da terceirização na Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47163/da-terceirizacao-na-administracao-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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