Palavras-chave: Direito Administrativo; Administração Pública; Modelo Burocrático; Modelo Gerencial.
A reforma da administração pública antes proposta pelo ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso em 1995, se apresentará mais tarde como a segunda reforma administrativa do Brasil. Considerando que a reforma de 1967 é merecedora dessa designação, esta deverá ter um cunho de descentralização e de desburocratização, a qual será objeto de nosso estudo no presente artigo científico.
A reforma atual tem seu alicerce baseada na administração pública gerencial, pois esta se apresenta como uma solução à crise em que o Estado se encontrava nos anos 80 e à globalização da economia – fenômenos estes que estão impondo uma redefinição das funções do Estado e da sua burocracia.
Como a Teoria Administrativa, era aplicada às organizações privadas, e fundamentada numa racionalidade econômica e de mercado, houve um desenvolvimento nos moldes dos grandes centros do capitalismo, principalmente após a Segunda Grande Guerra. Daí a necessidade, de haver essa evolução e celeridade nos modelos de administração, por representar um grande avanço para a sociedade atual, em que a “máquina” (o Estado), necessita de uma administração gerencial para proteger a si próprio e aos próprios direitos públicos, entre eles a sua riqueza.
Neste trabalho, abordar-se-á o aspecto administrativo da reforma do Estado, dando ênfase aos princípios do Direito Administrativo e ao modelo de transição da administração burocrática para a gerencial composta na Constituição Federal de 1988.
2. Considerações iniciais acerca de Administração Pública
A administração Pública é uma atividade pela qual as pessoas gerem recursos com o objetivo de satisfazer determinados interesses. Em face às questões sociais, entendemos a substancial importância de perceber as funções do Estado frente às transformações advindas do atual meio de reprodução (capitalismo).
Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2006, p. 111):
“A expressão Administração Pública, ou, abreviadamente, a Administração, como também comumente se usa, grafada com maiúscula, não é designativa da atividade, mas do ente que exerce a gestão, na acepção subjetiva de Estado-administrador ou, apenas, de Governo, aqui tomado em seu sentido mais estrito, excludente das atividades legislativas e jurisdicionais”.
Segundo ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 54) o conceito de administração pública divide-se em dois sentidos:
“Em sentido objetivo, material ou funcional, a administração pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público, para a consecução dos interesses coletivos. Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, pode-se definir Administração Pública, como sendo o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”.
Em sentido objetivo é a atividade administrativa executada pelo Estado, por seus órgãos e agente, com base em sua função administrativa. É a gestão dos interesses públicos, por meio de prestação de serviços públicos. É a administração da coisa pública (res publica).
Já no sentido subjetivo é o conjunto de agentes, órgãos e entidades designados para executar atividades administrativas. Assim, administração pública em sentido material é administrar os interesses da coletividade e em sentido formal é o conjunto de entidade, órgãos e agentes que executam a função administrativa do Estado.
Assim, de acordo com Alexandre de Moraes (2002, p. 91):
“A Administração Pública pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos, e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”.
Por derradeiro, vale destacar ainda a lição de Hely Lopes Meirelles (2002, p.21) acerca da diferença entre administração e governo:
Numa visão global, a administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes. São os chamados atos administrativos (...). Comparativamente, podemos dizer que governo é atividade política e discricionária; administração é atividade neutra, normalmente vinculada à lei ou à norma técnica. Governo é conduta independente; administração é conduta hierarquizada. o Governo comanda com responsabilidade constitucional e política, mas SEM responsabilidade profissional pela execução; a Administração executa sem responsabilidade constitucional ou política, mas com responsabilidade técnica e legal pela execução. A Administração é o instrumental de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas do Governo. Isto não quer dizer que a Administração não tenha poder de decisão. Tem. Mas o tem somente na área de suas atribuições e nos limites legais de sua competência executiva, só podendo opinar e decidir sobre assuntos jurídicos, técnicos, financeiros, ou de conveniência e oportunidade administrativas, sem qualquer faculdade de opção política sobre a matéria”.
Feitas tais considerações, faz-se mister analisar quais são os princípios balizadores do Direito Administrativo, para que possamos entender como se deu a transição do modelo administrativo burocrático para o gerencial.
3. Os Princípios Norteadores do Direito Administrativo
A Reforma Administrativa introduzida no sistema jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional nº 19/1998 produziu grandes modificações na forma de gerenciar o Estado, porém manteve os princípios fundamentais contidos no Decreto-Lei nº 200/67 (que dispõe sobre a Reforma Administrativa de 1967).
Embora não tivesse suprimido princípios a EC nº19 inseriu outros, e conforme o conteúdo dos mesmos nota-se que a finalidade da criação destes foi “[...] diminuir o tamanho da maquina estatal, simplificar o procedimento administrativo e reduzir as despesas causadoras do déficit público” (CARLIN, 2001, p. 66). Nesse diapasão, ilustraremos apenas os princípios enfatizadores na Reforma de 1998, que é o objeto central do presente estudo.
3.1. Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado
A atividade estatal deve ser moderada pelo interesse público, visto que é função do poder público por em prática todos os encargos a ele atribuídos através da Constituição. Por vezes, quando da realização dessas atribuições, pode ocorrer que certos interesses individuais devam ser restringidos em nome de um interesse maior. Assim, muito embora tais interesses estejam protegidos sob forma de garantia fundamental, numa possível colisão de méritos públicos e particulares, aqueles se sobreporão a estes, pois o que se tem em questão é a ordem de uma sociedade como um todo.
Pode-se inferir a importância desse princípio, até mesmo quando se vai conceituar a Administração Pública, assim, conforme alude Carvalho Filho (1999, p. 06):
Trata-se da própria gestão dos interesses públicos executada pelo Estado, seja através da prestação de serviços públicos, seja por sua organização interna, ou ainda pela intervenção no campo privado, algumas vezes até de forma restritiva (poder de polícia). De qualquer forma, a destinatária última dessa gestão há de ser a própria sociedade, não se podendo se conceber o destino da função pública que não seja voltado aos indivíduos, com vistas a sua proteção, segurança e bem-estar.
Todavia, atualmente, é importante observar que o princípio da supremacia do interesse público vem sendo contestado pela doutrina administrativista e constitucionalista mais moderna. Este assunto está na “ordem do dia” em matéria de atualidade no que se refere ao direito administrativo e ao direito constitucional. Nesse sentido impende destacar a lição de Daniel Sarmento (2005, p.114-5):
Diante deste quadro, parece-nos inadequado falar em supremacia do interesse público sobre o particular, mesmo em casos em que o último não se qualifique como direito fundamental. É preferível, sob todos os aspectos, cogitar em um princípio da tutela do interesse público, para explicitar o fato de que a Administração não deve perseguir os interesses privados dos governantes, mas sim os pertencentes à sociedade, nos termos em que definidos pela ordem jurídica (princípio da juridicidade). Se a idéia de supremacia envolve uma comparação entre o interesse público e o particular, com atribuição de preeminência ao primeiro, na noção de tutela este elemento está ausente, o que se afigura mais compatível com o princípio da proporcionalidade, fechando as portas para possíveis excessos (...) Dessa forma, a ação estatal conforme ao Direito não será aquela que promover de forma mais ampla o interesse público colimado, mas sim a que corresponder a uma ponderação adequada entre os interesses públicos e privados presentes em cada hipótese, realizada sob a égide do princípio da proporcionalidade. Com a ressalva, contudo, de que quando os direitos fundamentais estiverem ausentes da balança, o escrutínio judicial da conduta estatal deve ser mais cauteloso, prevalecendo, na dúvida, a decisão já adotada pelo Poder Público.
3.2. Princípio da Legalidade
Conforme já afirmado, os atos administrativos pressupõem o interesse público, e por vezes restrições de interesses individuais, no entanto essas restrições não podem ocorrer ao bel-prazer do Estado. Destarte faz-se necessária a limitação desse poder, e é por meio da lei que esta será exercida.
O administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal , conforme o caso. (MEIRELLES, 2002, p. 25)
De fato, a lei é verdadeira condição de ação do poder público, tratando-se de garantia constitucional, uma vez que limita a forma de atuação do Estado.
Por fim, interessante destacar que o princípio da legalidade tem sido substituído pela juridicidade administrativa. A ideia central é a de que o administrador deve atuar em conformidade com todo o ordenamento jurídico e não apenas com as leis em sentido estrito.
De acordo com essa nova concepção, o administrador pode atuar não só secundum lege, mas também preter lege, em caso de lacuna legislativa e até mesmo contra lege quando o chefe do Poder executivo edita ato administrativo que negue vigência a lei que ele repute inconstitucional.
3.3. Princípio da Eficiência
Um dos principais comandos no qual se baseou a Reforma de 98, o princípio da
eficiência foi implantado pela EC nº 19, fruto da visão economicista operada pela linha de pensamento neoliberalista, segundo qual, o Estado deve concentrar-se em áreas cuja sua atuação seja imprescindível, garantindo assim a eficiência de seus atos.
[...] não é difícil perceber que a inserção desse princípio revela o descontentamento da sociedade diante da sua antiga impotência para lutar contra a deficiente prestação de serviços públicos, que incontáveis prejuízos já causou aos usuários. (CARVALHO FILHO, 1999, p. 14)
Por eficiência entende-se que é a qualidade daquilo que é eficiente, ou seja, que produz o efeito desejado, gerando bom resultado. Na seara administrativa, trata-se ação que deve ser orientada para concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei. Impõese à Administração neutra, eficaz e sem burocracia, primando pela qualidade , além da utilização racional dos recursos a fim de evitar desperdícios e aumentar a receita social.
Deriva da inclusão do principio da eficiência na Administração Pública, pois o mesmo permitiu a utilização de princípios inerentes ao setor privado pudessem ser utilizados no setor público. O conceito de planejamento versa sobre a substituição do critério subjetivo de improvisação e aplicação de procedimentos puramente empíricos, por métodos planejados e previamente testados.
Na seara pública, tal conceito é aplicado nos estudos relativos às diretrizes e metas que irão orientar a ação governamental, ao longo da Constituição é possível observá-lo nas diversas passagens que tratam dos planos de governo e elaboração das leis orçamentárias.
3.5. Princípio da Coordenação
Propende esse postulado o entrosamento, bem como o disciplinamento das atividades estatais. Tem o fito de evitar as mazelas decorrentes da burocracia, tais como a dispersão dos recursos e as divergências na solução das lides, por conseguinte os desperdícios.
Seu objetivo consiste em harmonizar todas as atividades da Administração, de modo a submetê-las ao que foi planejado. Tal desígnio é realizado através da coordenação imposta a todos os níveis da Administração, por meio das chefias individuais e comissões de coordenação, presentes no recinto do próprio órgão ou departamento público. Sua aplicação permite uma homogeneidade na realização das atividades públicas.
4. Da administração burocrática à gerencial
A evolução da administração pública no Brasil que culminou no modelo gerencial foi ocasionada por crises nos modelos administrativos anteriores: a administração patrimonialista e a administração burocrática. É importante frisar que, muito embora já estejamos vivendo sob o modelo gerencial, tanto o modelo patrimonialista quanto o burocrático ainda estão impregnados em nossa administração pública, frustrando de certo modo tal evolução administrativa.
O primeiro modelo administrativo moderno foi o patrimonialista, próprio dos Estados absolutistas europeus do século XVIII. Esse modelo retrata perfeitamente o modelo de governo no qual o Estado é a extensão do governante, e o patrimônio público confunde-se com o patrimônio do soberano. Como consequência, temos uma administração formada por funcionários indicados pelo governante e que atendem, obviamente, aos seus interesses pessoais. A corrupção e o nepotismo são inerentes a esse modelo administrativo, e os cargos são tidos como prebendas (ocupações rendosas e de pouco trabalho). (OLIVEIRA, 2010, p. 01)
Com a instituição dos Estados Liberais Modernos e a transferência de poder para a burguesia, buscou-se combater a corrupção e o nepotismo do modelo absolutista, tirando do governante o controle da maquina estatal. Implementou-se então, o modelo administrativo burocrático, tendo como suas principais características a impessoalidade, o formalismo, a hierarquia funcional, a profissionalização do servidor, o plano de carreira pública e a noção de poder racional legal. A ideia aqui é a de evitar ao máximo a corrupção. Por isso, os controles são extremamente rígidos em todos os processos, incluindo-se o atendimento à população.
Num primeiro momento, a administração burocrática conseguiu atingir seu objetivo de conter os abusos patrimonialistas, todavia, como conseqüência, a máquina administrativa voltou-se para si mesma e esqueceu a sua principal função, que é servir à sociedade. Tínhamos então, um modelo que controlava a corrupção, mas que era ineficiente e incapaz de atender adequadamente aos cidadãos.
A esse respeito, é bastante pertinente a redação de Luiz Carlos Bresser Pereira (PEREIRA, 1996, p. 04):
“A administração pública burocrática clássica foi adotada porque era uma alternativa muito superior à administração patrimonialista do Estado. Entretanto o pressuposto de eficiência em que se baseava não se revelou real. No momento em que o pequeno Estado liberal do século XIX deu definitivamente lugar ao grande Estado social e econômico do século XX, verificou-se que não garantia nem rapidez, nem boa qualidade nem custo baixo para os serviços prestados ao público. Na verdade, a administração burocrática é lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos.”
Assim, com a passagem do Estado Liberal dos séculos XVIII e XIX para o Estado Social do século XX, acabou-se por constatar que além de ineficiente, o modelo burocrático utilizado no Brasil não era capaz de coibir totalmente os abusos e a corrupção como se esperava. Começa então a entrar em crise a administração pública burocrática, que tem início no governo militar. O regime militar não foi capaz de extirpar o patrimonialismo, bem como não foi capaz de consolidar uma burocracia profissional no país, através da redefinição de carreiras e da abertura de concursos públicos. Pelo contrário, preferiu o recrutamento de administradores através das empresas estatais.
Nesse sentido, Luiz Bresser Pereira (PEREIRA, 1996, p. 03) mais uma vez disserta acerca do tema:
“Esta estratégia oportunista do regime militar, que resolveu adotar o caminho mais fácil da contratação de altos administradores através das empresas, inviabilizou a construção no país de uma burocracia civil forte, nos moldes que a reforma de 1936 propunha. A crise agravou-se, entretanto, a partir da Constituição de 1988, quando se salta para o extremo oposto e a administração pública brasileira passa a sofrer do mal oposto: o enrijecimento burocrático extremo. As conseqüências da sobrevivência do patrimonialismo e do enrijecimento burocrático, muitas vezes perversamente misturados, serão o alto custo e a baixa qualidade da administração pública brasileira.”
Nesse contexto – de crise da administração pública – é que surgi e amadurece a concepção de um novo modelo administrativo pautado na descentralização e desconcentração administrativa, organização com poucos níveis hierárquicos, controle por resultados em detrimento do formalismo, primazia do atendimento ao cidadão, e busca pela eficiência. Esse novo modelo de administrar é o gerencial e começou a ser delineado pela primeira reforma administrativa ocorrida no Brasil nos anos 30, depois pela reforma de 1967 que pode ser entendida como uma tentativa mal sucedida de imposição do modelo gerencial, e por último pela reforma administrativa de 1995.
A primeira reforma administrativa se deu através da criação, em 1936, do DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público, que representou a afirmação da forma burocrática de administração, tendo como princípios básicos a centralização e hierarquização. Contudo, já em 1938 foi criada a primeira Autarquia Pública, quebrando a idéia da administração rigidamente centralizada, e abrindo caminho para os novos ares gerenciais que iriam se consolidar mais tarde por meio do Decreto-Lei nº 200 de 1967.
Uma vez mais nos valemos dos ensinamentos de Luiz Bresser (PEREIRA, 1996, p. 07) que nos esclarece a respeito do Decreto-Lei nº 200 e sua tentativa de desburocratização:
“A reforma iniciada pelo Decreto-Lei 200 foi uma tentativa de superação da rigidez burocrática, podendo ser considerada como um primeiro momento da administração gerencial no Brasil. Toda a ênfase foi dada à descentralização mediante a autonomia da administração indireta, a partir do pressuposto da rigidez da administração direta e da maior eficiência da administração descentralizada. O decreto-lei promoveu a transferência das atividades de produção de bens e serviços para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, consagrando e racionalizando uma situação que já se delineava na prática. Instituíram-se como princípios de racionalidade administrativa o planejamento e o orçamento, a descentralização e o controle dos resultados. Nas unidades descentralizadas foram utilizados empregados celetistas, submetidos ao regime privado de contratação de trabalho. O momento era de grande expansão das empresas estatais e das fundações. Através da flexibilização de sua administração buscava-se uma maior eficiência nas atividades econômicas do Estado, e se fortalecia a aliança política entre a alta tecnoburocracia estatal, civil e militar, e a classe empresarial.”
Da leitura do texto acima, podemos observar que o Decreto-Lei de 1967, por meio da transferência das atividades de produção de bens e serviços para as autarquias, fundações, empresas públicas, e sociedades de economia mista, acabou por racionalizar e descentralizar a atividade administrativa, representando, por isso, um grande passo rumo ao gerenciamento. Entretanto, ao permitir a contratação de empregados sem concurso público, e ao deixar de incentivar e desenvolver planos de carreira aos funcionários, o Decreto-Lei permitiu a sobrevivência de práticas patrimonialistas na administração pública.
Devemos lembrar que o Decreto-Lei nº 200 é de 1967, e que nesse período o Brasil estava sob égide do regime militar. E como já foi dito, o governo militar foi o grande responsável pela crise do modelo administrativo burocrático, porque passou a contratar altos administradores sem o devido concurso público. Ocorre que essa exagerada desburocratização daria azo ao patrimonialismo e, juntamente como ele, seriam os responsáveis pelo fracasso da reforma administrativa de 1967.
Depois da mal sucedida tentativa de reformar a administração pública dando-lhe um caráter gerencial, em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, tivemos a segunda grande reforma administrativa do país. Tal reforma foi definida no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, e o seu objetivo era substituir a então administração burocrática, impregnada pelo clientelismo e patrimonialismo, por uma administração gerencial pautada no princípio da nova gestão pública. Como já dito, o modelo gerencial é caracterizado principalmente pela descentralização, eficiência e busca por resultados, não obstante, Luiz Bresser Pereira (PEREIRA, 1999, p. 06) nos trás as efetivas mudanças da Reforma Gerencial de 1995:
A reforma envolve: a) a descentralização dos serviços sociais para estados e municípios; b) a delimitação mais precisa da área de atuação do Estado, estabelecendo-se uma distinção entre as atividades exclusivas que envolvem o poder do Estado e devem permanecer no seu âmbito, as atividades sociais e científicas que não lhe pertencem e devem ser transferidas para o setor público não-estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado; c) a distinção entre as atividades do núcleo estratégico, que devem ser efetuadas por políticos e altos funcionários, e as atividades de serviços, que podem ser objeto de contratações externas; d) a separação entre a formulação de políticas e sua execução; e) maior autonomia e para as atividades executivas exclusivas do Estado que adotarão a forma de "agências executivas"; f) maior autonomia ainda para os serviços sociais e científicos que o Estado presta, que deverão ser transferidos para (na prática, transformados em) "organizações sociais", isto é, um tipo particular de organização pública não-estatal, sem fins lucrativos, contemplada no orçamento do Estado (como no caso de hospitais, universidades, escolas, centros de pesquisa, museus, etc.); g) assegurar a responsabilização (accountability) através da administração por objetivos, da criação de quase-mercados, e de vários mecanismos de democracia direta ou de controle social, combinados com o aumento da transparência no serviço público, reduzindo-se concomitantemente o papel da definição detalhada de procedimentos e da auditoria ou controle interno – os controles clássicos da administração pública burocrática – que devem ter um peso menor.
Buscou-se superar a ideia de Administração Burocrática e implementar o modelo gerencial como alternativa reformadora que possui, em grande medida, apenas dois pilares revolucionários: a) a administração pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil; b) deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados.
Fato é que a reforma de 1995 representa um avanço significativo, mas ainda não rompe em definitivo com a burocracia. Basta notar que os métodos burocráticos ainda fazem parte da nova administração, como por exemplo, os critérios rígidos de admissão, a meritocracia na carreia pública e as avaliações de desempenho. A diferença reside no modo como é feito o controle, que passar a concentra-se nos resultados, e não no formalismo.
Dessa forma, busca-se adequar a burocracia à administração gerencial, para que se possa atender da melhor forma possível a sociedade e em paralelo coibir os abusos e a corrupção. Afinal, como vimos, não é viável um modelo administrativo totalmente desburocratizado (a exemplo da reforma fracassada de 1967).
O problema é que além da burocratização, a administração gerencialista ainda esta impregnada pelo patrimonialismo e clientelismo. Neste caso, não podemos por a culpa no plano de reforma, ou no contexto político. As práticas patrimonialistas e clientelistas fazem parte da cultura do nosso país, e não seria diferente na administração pública. Desse modo, a Reforma Gerencial apenas deu o primeiro passo rumo a uma administração mais célere, eficiente e justa, tendo os administradores e os cidadãos o dever de proceder de acordo com os princípios do modelo gerencial.
5. CONCLUSÃO
A administração pública no Brasil foi marcada por três momentos distintos: patrimonialismo, burocratização e gerencialismo. A administração patrimolialista, também marcada pelo clientelismo, perdurou até a reforma de 1936, quando o Decreto-Lei nº 200 instituiu o modelo administrativo burocrático. Tal reforma também criou os alicerces para uma futura modernização administrativa. Posteriormente, teríamos a pseudo-reforma de 1967, que pretendia instalar um modelo gerencial para maquina administrativa estatal. Contudo, essa reforma não logrou êxito, principalmente por conta da exarcebada desburocratização e da contratação de funcionários públicos sem qualquer controle (concursos públicos).
Por fim, tivemos a reforma gerencial de 1995, que finalmente conseguiu instaurar um novo modelo de administração à máquina estatal, que se propunha a promover o aumento da qualidade e da eficiência dos serviços oferecidos pelo Poder Público aos cidadãos. A nova reforma, ao contrário da anterior mal sucedida, não deixou de lado a burocratização, se valendo desta para manter o controle e evitar os abusos e a corrupção.
Entretanto, como pudemos perceber ao longo do trabalho, o patrimonialismo nunca deixou de fazer parte da cultura administrativa brasileira, comprometendo a eficiência da prestação do serviço público. A solução para esse problema seria então mudar a mentalidade dos administradores públicos, para que não mais se considerem os donos da coisa pública, mas sim que têm o dever funcional de atender aos cidadãos da melhor forma possível. É preciso também que o usuário do serviço público mude sua mentalidade, se conscientizando de que pode e deve exigir um serviço célere e eficaz, como deve ser.
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Analista Judiciário na Justiça Federal do Maranhão, graduado em direito na Universidade Federal da Paraíba - UFPB, pós-graduado em Direito Civil junto à Faculdade Damásio de Jesus, bem como em Direito Constitucional junto à Faculdade Internacional Signorelli.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Diego Pederneiras Moraes. A transição da Administração burocrática para a administração gerencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47183/a-transicao-da-administracao-burocratica-para-a-administracao-gerencial. Acesso em: 22 nov 2024.
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