RESUMO: O presente estudo visa abordar a possibilidade de aplicação da teoria do risco integral no âmbito da responsabilidade objetiva nas hipóteses em que a teoria risco administrativo – adotada como regra – não satisfaz a pretensão do autor nas ações de reparação de dano em face da Administração Pública.
ABSTRACT: The present study aims to address the possibility of applying _ integral risk theory within the objective responsibility in cases where the administrative risk theory - adopted as the rule - does not satisfies the claim of the author in lawsuits to repair the damage in the face of the Public Administration.
PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública, teoria do risco, responsabilidade civil.
KEYWORDS: Public administration, risk theory, civil responsibility.
INTRODUÇÃO
O presente objetiva apresentar os casos em que são admissíveis a aplicação da teoria do risco integral como base fundamentadora para a imputação da responsabilidade objetiva do Estado. Os pontos aqui tratados são os mais consolidados no Direito brasileiro como exceções aceitas à regra da aplicação da teoria do risco administrativo, esta que necessita da comprovação da conduta do Estado, do nexo causal e do dano sofrido pelo administrado. Já aquela admite a responsabilização do Estado mesmo nos casos em que haja excludentes de nexo causal, como por exemplo, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou até mesmo força maior.
Será evidenciada, ainda, uma explanação geral sobre a responsabilidade civil do Estado e sua evolução, o posicionamento da doutrina e dos tribunais acerca do tema, tendo como foco principal os casos de danos decorrentes de acidente nuclear, danos causados ao meio ambiente, danos decorrente de atentados terroristas ou atos de guerras e lesões corporais ou morte decorrentes de acidente de trânsito envolvendo veículos automotores terrestres.
Assim, será discutida a aplicação do direito à reparação em cada caso, a origem daquele, o entendimento doutrinário e jurisprudencial, bem como nosso posicionamento acerca dos temas abaixo abordados.
1 NOTAS INICIAIS
A responsabilidade civil é o instituto que obriga a reparação decorrente de violações de direitos e de danos, ainda que exclusivamente morais, causados a outrem por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência. Tal violação é chamada de ato ilícito pelo Código Civil de 2002. Esta mesma legislação considera, também, ato ilícito o exercício de um direito excedendo manifestamente os limites impostos pelo seu fim, seja econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Este instituto encontra guarida, atualmente, no artigo 927 do Código Civil, sendo este combinado com os artigos 186 e 187, do mesmo diploma, para a definição legal do ato ilícito. É o que se vê abaixo transcrito:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
A partir do instituto da responsabilidade civil, o Estado vem assumindo obrigações de reparar danos causados a terceiros por meio de suas atividades, conforme o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, colacionado a seguir:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Atualmente, para a maioria dos casos, o Estado adota a teoria do risco administrativo para assumir a responsabilidade de reparar os danos causados. Contudo, com a evolução do direito e da sociedade, tal posicionamento tende a dar mais espaço para a teoria do risco integral.
Portanto devemos abordar os pontos históricos e evolutivos da responsabilidade civil do Estado antes de adentrar no tema principal do presente artigo científico, o qual tratará da admissibilidade da aplicação da teoria do risco integral em determinados casos para justificar a responsabilidade objetiva da Administração Pública na reparação de danos.
2 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO
2.1 PRINCÍPIO DA IRRESPONSABILIDADE
Devido ao Estado absolutista, a primeira teoria adotada acerca de tal tema foi a da Irresponsabilidade do Estado. Esta irresponsabilidade era fundamentada na ideia de soberania do Ente Estatal e de que este não errava em seus atos. Daí o surgimento das frases “the king can do no wrong” (o rei nada faz de errado), “quod principi placuit habet legis vigorem” (aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei), “L’État c’est moi” ( O Estado sou eu), entre outras. Assim, o Estado dispunha de autoridade incontestável e ninguém poderia agir contra ele, sendo considerado um grande perigo para as funções estatais qualquer responsabilidade pecuniária para reparação de danos causados a terceiros. Portanto, era apenas possível a reivindicação em face do funcionário, e esta era quase sempre frustrada ante a insolvência daquele (CAVALIERI FILHO, 2010, p.239).
Sob a influência do Liberalismo, o absolutismo do Estado foi entrando em decadência pelo fato de que não mais poderiam consideram o Estado, por si só, expressão da lei e do direito, pois a Administração Pública não poderia ser violadora da ordem que ela mesma deveria preservar. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p.644) “essa teoria logo começou a ser combatida, por sua evidente injustiça; se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações.”
Um marco muito importante na evolução da responsabilidade civil do Estado foi o do caso Blanco, ocorrido na França em 1873. A menina Agnès Blanco ingressou na justiça, após ter sido atropelada por uma vagonete da Companhia Nacional de Manufatura de Tabaco, pedindo indenização, alegando que o Estado deveria ser responsabilizado por prejuízos causados a terceiros por atos de seus agentes. O pedido chegou ao Conselho de Estado Francês, o qual decidiu à margem de qualquer texto legislativo pela responsabilização da Administração Pública pelo acontecimento de tal fato, gerando assim o primeiro precedente de responsabilização do Estado (DI PIETRO, 2010, p.645).
Dessa forma, a Teoria da Irresponsabilidade acabou sendo totalmente superada, tendo como marcos de tal superação o Federal Tort Claims Act, de 1946, nos Estados Unidos da America e o Crown Proceeding Act, de 1947, na Inglaterra, tendo sido estas as duas últimas nações a abandonarem essa teoria (CAVALIERI FILHO, 2010, p.240).
2.2 TEORIA CIVILISTA DA CULPA
A partir de então, os princípios do Direito Civil passaram a ser aceitos para se falar da responsabilização do Estado, sendo então possível a discussão acerca da teoria civilista da culpa.
Tal abordagem em relação a responsabilidade da Administração era mitigada, devendo distinguir os atos de gestão dos atos de império, pois só era possível responsabilizar o Estado por prejuízos causados por atos de gestão, tendo em vista ainda a ideia de que os atos de império carregavam o princípios do king can do no wrong (DI PIETRO, 2010, p.645).
Segundo a autora acima mencionada (2010, p. 645):
surgiu, no entanto, grande oposição a essa teoria, quer pelo reconhecimento da impossibilidade de dividir-se a personalidade do Estado, quer pela própria dificuldade, senão impossibilidade, de enquadrar-se como atos de gestão todos aqueles praticados pelo Estado na administração do patrimônio público e na prestação de seus serviços.
Após o abandono desta teoria, não considerando mais a distinção entre os atos de gestão e os atos de império, a maioria dos doutrinadores continuou a aceitar a responsabilização do Estado, desde que ficasse comprovada a culpa. Surgia a então chamada teoria da culpa administrativa.
2.3 TEORIA DA CULPA ADMINISTRATIVA
Esta teoria afirmava que não seria mais necessária a distinção entre os atos de império e atos de gestão para saber se o Estado seria ou não responsável. Para os doutrinadores adeptos desta corrente, consagrada pelo ilustre Paul Duez, e fortemente apoiada por José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 523):
o lesado não precisaria identificar o agente estatal causador do dano. Bastava-lhe comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo que fosse impossível apontar o agente que o provocou. A doutrina, então, cognominou o fato como culpa anônima ou falta do serviço.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 646) explica que:
Essa culpa do serviço público ocorre quando: o serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independente de qualquer apreciação de culpa do funcionário.
Esta teoria admite a responsabilização do Estado de maneira subjetiva, pois aquele que foi lesado pela Administração deverá comprovar a ineficiência da prestação estatal para com seus administrados.
2.4 TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO E TEORIA DO RISCO INTEGRAL
Tais teorias surgiram posteriormente com a evolução do direito e fundamentam a responsabilização civil objetiva do Poder Público, ou seja, o Estado tem o dever de indenizar seus administrados por danos causados por seus agentes independentemente de dolo ou culpa, pois de acordo com a teoria do órgão:
o Estado é concebido como um organismo vivo, integrado por um conjunto de órgãos que realizam as suas funções. (...) A vontade e as ações desses órgãos, todavia, não são dos agentes humanos que neles atuam, mas sim do próprio Estado.(CAVALIERI FILHO, 2010, p. 240).
A teoria do risco administrativo fundamenta a responsabilidade objetiva como regra geral, por afirmar que a atividade pública gera riscos para os administrados e, portanto o Estado deve arcar com as consequências de seus atos objetivamente, mas admitindo excludentes de responsabilidade. Por outro lado, há doutrinadores adeptos da teoria do risco integral e afirmam que o Estado é responsável por todos os danos causados aos administrados em certos casos, os quais serão abordados mais adiante, não admitindo causas excludentes de responsabilidade.
Estas teorias serão tratadas de maneira mais aprofundada nos subtemas abaixo.
3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE
3.1 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
A responsabilidade subjetiva, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p.1002) é “a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento contrário ao Direito – culposo ou doloso – consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isto”.
Para tanto, esta modalidade de responsabilização necessita da presença de pressupostos (extraídos do artigo 186 do Código Civil), quais sejam: a conduta culposa do agente (por ação ou omissão), o nexo causal e o dano (“violar direito ou causar dano a outrem”, art. 186 C.C.), sendo preciso a comprovação de todos os elementos para que seja imputado a alguém o dever de reparar a lesão.
Ainda seguindo o pensamento de Bandeira de Mello, não é necessária a comprovação de uma culpa individual, basta que se comprove a culpa do serviço (da falta ou da má prestação) que já fica caracterizado a responsabilidade do Estado de maneira subjetiva. Esta é a espécie de responsabilização civil subjetiva da Administração Pública admitida atualmente no direito brasileiro.
Porém, a referida modalidade, quando provado que a falta do serviço era realmente conhecida pelo Estado, pode passar a ser aceita como responsabilidade objetiva, admitindo a dispensa da comprovação da culpa ou dolo dos agentes estatais, ou culpa do serviço.
Um exemplo a ser citado é o de uma rua em que nela já se foram roubados sete carros no mesmo mês e aproximadamente nos mesmos horários, tendo todos os proprietários noticiado o crime e o Estado não tenha tomado as devidas providências para melhorar o policiamento desta rua. Assim, o lesado deve apenas comprovar o conhecimento do Estado de tais fatos, ficando dispensado de provar a culpa do serviço.
3.2 RESPONSABILIDADE OBJETIVA
A responsabilidade objetiva do Estado foi proclamada na última fase dessa evolução. Para Cavalieri Filho (2010, p. 242):
Nesta fase descarta-se qualquer indagação em torno da culpa do funcionário causador do dano, ou, mesmo, sobre a falta do serviço ou culpa anônima da Administração. Responde o Estado porque causou dano ao seu administrado, simplesmente porque há relação de causalidade entre a atividade administrativa e o dano sofrido pelo particular.
Ou seja, basta que haja dano ao administrado devido a conduta de algum agente público (pois este, ao agir, não atua como pessoa humana e sim como o Estado manifestando sua vontade), o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, e a ausência de excludentes de responsabilidade, conforme a teoria do risco administrativo). Já para a teoria do risco integral basta que haja dano ao particular em determinadas situações as quais serão tratadas mais à frente.
O ordenamento jurídico pátrio adotou esta espécie de responsabilidade como regra geral. É o que se vê na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, abaixo transcrito:
Art. 37 – omissis
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Portanto, ao analisar este dispositivo legal, pode-se concluir que não só o Estado (União, Estados Membros, e Municípios) respondem pelos atos de seus agente mas sim todas as pessoas jurídicas de direito público, isto inclui as autarquias e fundações públicas de direito público, e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, sejam sociedades de economia mista, empresas públicas, concessionárias ou permissionárias de serviço público.
A legislação específica que trata deste tema é o Código Civil de 2002, que em seu artigo 43 expressa que:
As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causarem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
A esse respeito, uma observação importante a se fazer consiste no fato de que as pessoas jurídicas, mesmo pertencentes ao poder público, que atuam na atividade econômica, tais como Petrobras ou Caixa Econômica Federal, respondem de maneira subjetiva, pois a Constituição Federal é clara ao citar “e as de direito privado prestadoras de serviços públicos”, sendo assim, ficam excluídas da responsabilização objetiva por não atuarem prestando serviços públicos.
4 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Os elementos da responsabilidade civil encontram-se presentes no artigo 186 do Código Civil, a seguir transcrito: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Da análise deste dispositivo legal é possível de extrair os pressupostos para o dever de indenizar, quais sejam: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo (ainda que exclusivamente moral) e o nexo de causalidade.
4.1 CONDUTA
A conduta tem como núcleo fundamental a voluntariedade:
que resulta da exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz. Por isso, não se pode reconhecer o elemento “conduta humana”, pela ausência do elemento volitivo (...). (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2010, p.69)
Para Cavalieri Filho, a conduta é “o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas.” E ação ou omissão é “ o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade seu aspecto psicológico, ou subjetivo.”(2010, p.24).
Portanto, a conduta do Estado, como já visto anteriormente, surge por meio da ação ou omissão de seus agentes, os quais se manifestam em seus respectivos órgãos exprimindo a vontade da Administração Pública. Se tal elemento foi comissivo, o fato será tutelado pelo instituto da responsabilidade objetiva, porém se este pressuposto for negativo, aquele que foi lesado deverá provar a ausência/ineficiência da prestação do serviço estatal, sendo este o caso da já citada culpa anônima do serviço ou falta do serviço.
4.2 DANO
O segundo elemento que compõe a responsabilidade civil é o dano. Este pode ser definido com a lesão causada a um bem jurídico, seja ele concreto ou abstrato. O doutrinador Marcus Cláudio Acquaviva (ACQUAVIVA, 2009, p. 207) afirma que não é possível definir o dano simplesmente como diminuição do patrimônio (assim como era definido em palavras singelas pelo jurisconsulto romano Paulo), pois existem bens que não são suscetíveis de mera diminuição, mas sim de perda irreparável, como por exemplo, a vida, a boa fama, etc.
Para corroborar esta definição, faz mister citar a ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz, a qual nos ensina que o dano consiste na “lesão (diminuição ou destruição), que devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral” (2002, p. 58). Continuando o ensinamento, esta autora afirma que:
O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar. Isto é assim porque a responsabilidade resulta em obrigação de ressarcir, que, logicamente, não poderá concretizar-se onde nada há que reparar. (2002, p. 55).
O dano, portanto, acaba por ser considerado como elemento principal para o instituto da responsabilidade civil objetiva, pois pode haver responsabilidade sem culpa, até mesmo sem conduta do Estado e nexo causal (nos casos em que se aplica a teoria do risco integral, por exemplo), mas não há o que falar sobre responsabilização civil quando não há dano, mesmo tendo havido uma conduta dolosa ou culposa e nexo de causalidade.
4.3 NEXO DE CAUSALIDADE
O próximo pressuposto a ser tratado neste presente artigo é o nexo causal. Um exemplo de dispositivo legal que trata sobre o nexo causal é o art. 13 do Código Penal brasileiro. É o que se vê nas linhas a seguir transcritas: “Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.” Logo o nexo causal é a ligação entre a conduta (ação ou omissão) e o resultado (que para nós representa o dano), e portanto, em regra, ninguém pode ser responsabilizado por um dano gerado devido a uma conduta alheia, sendo a teoria do risco integral a base fundamentadora para a imputação da responsabilidade para aquele que cuja conduta não manteve nexo causal com o resultado.
Em palavras sábias, o professor Cavalieri Filho ensina que:
O nexo causal não é exclusivamente jurídico; decorre primeiramente das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entra a conduta e o resultado. A relação causal estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano; determina se o resultado surge como consequência natural ou da voluntária conduta do agente. Algo assim como: se chover fica molhado. (2010, p. 47)
Assim, por meio da regra geral, a qual adota a teoria do risco administrativo, o nexo causal é elemento fundamental para a responsabilização do Estado, pois sem ele não há o que falar sobre reparação do dano.
Contudo, há casos já consolidados na doutrina e jurisprudência que admitem a responsabilização do Estado sem a presença do nexo de causalidade. São as hipóteses nas quais se aplica a teoria do risco integral, tratada a seguir.
5 TEORIA DO RISCO INTEGRAL: ADMISSIBILIDADE E CASUÍSTICA
A teoria do risco integral é uma das modalidades da doutrina do risco, sendo ela uma corrente extremada que fundamenta o dever de indenizar imputado ao Estado nos casos em que este não pode justificar-se como parte ilegítima para tal obrigação, tendo em vista que é admissível a responsabilização do Ente Estatal mesmo havendo culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior. Estas hipóteses são causas excludentes de nexo causal e fazem com que não haja relação entre a conduta do Estado e o dano causado ao administrado, sendo admitidas na responsabilização objetiva do Estado fundamentada pela teoria do risco administrativo.
Para Hely Lopes Meirelles, a teoria do risco integral foi:
abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniqüidade social. Por essa fórmula radical, a administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Daí por que foi acoimada de “brutal”6, pelas graves conseqüências haveria de produzir se aplicada na sua inteireza.” (2010, p. 683).
O posicionamento do autor da obra citada e de seus coautores (2010, p. 683) é de que esta teoria jamais foi aceita, justificando que o posicionamento da doutrina e da jurisprudência segue no sentido de que a teoria objetiva está consagrada sob a modalidade do risco administrativo e não do risco integral.
Ocorre que, atualmente a discussão entre a aplicabilidade da teoria do risco integral ou do risco administrativo foi superada em alguns casos, quais sejam: os danos decorrentes de acidente nuclear, dano ambiental; danos decorrentes de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos contra empresas aéreas brasileiras; e danos físicos decorrentes de acidentes de trânsito. Tais fatos tem como fundamento para sua reparação a teoria do risco integral.
5.1 DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE NUCLEAR
Este é o primeiro caso a ser tratado neste artigo, pois foi acolhido na Carta Magna de 1988, pela Emenda Constitucional nº 49 de 2006. O artigo 21 da Constituição Federal estabelece as competências da União, dentre elas, a exploração dos serviços e instalações nucleares e exercício do monopólio sobre pesquisas, lavras, enriquecimento e reprocessamento, industrialização, e comércio de minérios nucleares e de seus derivados. Contudo, tais atividades foram atribuídas à União sob algumas condições. Uma delas, a de responder civilmente pelos danos nucleares, independentemente da existência do elemento subjetivo.
É o que se vê no art. 21, XXIII, d, transcrito abaixo:
Art. 21. Compete à União:
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)
Para a doutrina majoritária, o fato precursor deste entendimento foi o mundialmente famoso acidente radiológico de Goiânia, envolvendo o elemento Césio-137. Este caso se deu em 1987, quando catadores de um ferro velho encontraram um aparelho utilizado em radioterapias na zona central de Goiânia e o levaram pensando que se tratava de sucata. Ao desmontar o aparelho, romperam o invólucro do césio-137 e o manipularam, pelo fato de apresentar um brilho azul. O resto do aparelho foi repassado a terceiros, deixando um gigantesco rastro de contaminação radioativa.
Em decorrência disso, foi criada a Lei Ordinária nº 9425/96, a qual concedeu pensão vitalícia às vítimas do acidente e aos descendentes que nascerem com anomalias decorrentes da radiação. Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a responsabilidade solidária da União no julgamento do REsp 1180888/GO, mas não pelo artigo 21, XXIII, d, CF e sim fundamentando no artigo 8º do Decreto 81.394/75, que regulamenta a Lei 6.229/75, o qual atribuiu ao Ministério da Saúde competência para desenvolver programas de vigilância sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de radiodiagnóstico e radioterapia, afirmando que a União tinha o dever de fiscalizar todas essas atividades.
5.2 DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE
Ter o meio ambiente equilibrado é um direito garantido a todos pela Constituição Federal, considerado bem de uso comum do povo e indispensável para uma qualidade de vida sadia. É o que está expresso no artigo 225 da CF, in verbis: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Está expresso também na Carta Magna que a proteção ao meio ambiente e combate a poluição, preservação de florestas, da fauna e flora, são competências da União, conforme art. 23, incisos VI e VII.
Ainda afirma a Lei Maior que “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”, art. 225, § 2º.
Portanto, é possível perceber que a CF estabeleceu a responsabilidade do Estado para com a preservação, proteção e defesa do meio ambiente, devendo o Poder Público tomar todas as medidas necessárias para que não ocorra qualquer tipo de dano ao ecossistema.
A legislação específica que trata do tema é a Lei 6.938/81, a qual afirma em seu art. 14, §1º, que:
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Esta mesma lei nos dá definições importantes para entendermos melhor o tema, tornando imprescindível a transcrição de seu art. 3º:
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.
Sendo assim, o posicionamento maior da doutrina é no sentido de que o poluidor deve responder civilmente pelos danos causados pela teoria do risco integral, sendo o Estado solidário nos casos em que há concessão ou permissão de serviço público, concessão, permissão ou autorização de uso.
Nos casos em que o Estado não tenha relação com as atividades poluidoras, entendemos que é seu dever responder subsidiariamente por ele ser garantidor universal da sociedade, ficando obrigado a reparar todos os danos causados ao meio ambiente para que a vida prospere, nos casos em que o poluidor está impossibilitado para tal ato de reparação.
Andreas Joachim Krell (disponível em http://jus.com.br/revista/texto/1720/concretizacao-do-dano-ambiental/) acredita em um posicionamento diferente, pois não admite a responsabilização do poluidor pela teoria do risco integral. Afirma que:
Uma responsabilização indiscriminada de pretensos "poluidores" não parece ser a solução adequada para um Estado de Direito, onde existe o princípio da segurança e previsibilidade da situação jurídica e patrimonial do cidadão. Podendo ser justa a responsabilização do poluidor particular em alguns casos, pode se tornar esta solução injusta em outros como nos que envolvem pequenos produtores e fazendeiros bem como donos de pequenos e médios empreendimentos.
Explica este doutrinador que o dano ambiental deve ter sua incidência verificada no caso concreto, citando exemplo de Dantas de Carvalho, que se este critério para indenização for levado ao extremo, a simples derrubada de uma árvore para a construção de um hospital geraria o dever de reparação.
Defendendo ainda mais seu posicionamento, cita o exemplo:
o dono de um sítio recebe a autorização dos órgãos competentes para derrubar árvores no seu terreno para realizar uma construção; verifica-se, depois, que as árvores eram de uma espécie rara, valiosíssima para o meio ambiente local, e que órgão da prefeitura ou do Estado errou em concedê-la. Parece inaceitável a propositura de Ação Civil Pública contra o particular por ter causado um dano ambiental. A co-responsabilidade do órgão expedidor da licença não melhora muito a situação do pretenso degradador ambiental, visto que ele vai ter de se defender no processo, e poderá até sofrer uma condenação para, depois, ter de ajuizar uma ação de regresso contra o Poder Público.
O posicionamento do STJ é de que o poluidor não pode alegar excludentes de responsabilidade, devendo responder pela teoria do risco integral, conforme decisão que condenou a Petrobras a indenizar pescadores por vazamento de óleo, nos termos abaixo transcrito:
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Sidnei Beneti, afirmou que as alegações da empresa em relação à boia de sinalização não afastam sua responsabilidade de transportador de carga perigosa, devido ao caráter objetivo dessa responsabilidade. Segundo ele, incide no caso a teoria do risco integral.
“O dano ambiental, cujas consequências se propagaram ao lesado (assim como aos demais lesados), é, por expressa previsão legal, de responsabilidade objetiva, impondo-se, pois, ao poluidor, indenizar, para posteriormente ir cobrar de terceiro que porventura sustente ter responsabilidade pelo fato”, declarou o ministro, ao afastar a alegação de caso fortuito como excludente de responsabilidade. (http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104746).
Portanto, este caso abre precedente para que o poluidor seja responsabilizado pelos danos causados, inclusive sem poder alegar as excludentes de nexo causal. Assim, ficando o Estado responsável solidariamente quando há a concessão ou permissão do serviço, concessão, permissão ou autorização de uso.
5.3 DANOS DECORRENTES DE ATENTADOS TERRORISTAS OU ATOS DE GUERRA
A Legislação Maior de 1988 aponta expressamente como um dos princípios que regem as relações internacionais da República Federativa do Brasil o repúdio ao terrorismo, em seu art. 4º, VIII. Lista também que o Estado deve defender a paz e solucionar os conflitos de forma pacífica, conforme art. 4º, VI e VII, respectivamente.
A doutrina nos traz alguns conceitos de terrorismo, sendo um deles dado por Erick Arruda como:
qualquer forma de ataque ou intimidação, perpetrado por pessoa ou grupo, utilizando-se para tanto de métodos violentos, com objetivos políticos e, mais recentemente, também religiosos, contra instalações civis ou militares, pessoas, individualmente consideradas ou pertencentes a determinados grupos e também contra qualquer tipo de serviço público. (Disponível em http://www.lfg.com.br. 04 de outubro de 2008.)
Já o conceito legal foi trazido na recente Lei n. 13.260/2016, afirmando que terrorismo é:
Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
§ 1o São atos de terrorismo:
I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
II – (VETADO);
III - (VETADO);
IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa;
A partir dos princípios constitucionais supracitados, a doutrina começa a entender que os danos decorrentes de atentados terroristas ou atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras são casos em que o Estado deverá responder utilizando-se da teoria do risco integral como base de fundamentação para impor a obrigação de reparar o dano. Estes casos são citados por Maria Sylvia Zanella Di Pietro como hipóteses de exceção a teoria do risco administrativo (2010, p. 658). Afirma esta doutrinadora que seu posicionamento está em conformidade com as Leis nº 10.309/2001 e nº 10.744/2003.
Tais dispositivos legais afirmam que a União está autorizada a assumir as responsabilidades pelos danos causados por estes atos conforme artigos 1º, caput, da Lei 10.309/2001 e art. 1º, caput, da Lei 10.744/2003, abaixo transcritos respectivamente:
Art. 1o Fica a União autorizada a assumir as responsabilidades civis perante terceiros no caso de danos a bens e pessoas no solo, provocados por atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras no Brasil ou no exterior.
Art. 1o Fica a União autorizada, na forma e critérios estabelecidos pelo Poder Executivo, a assumir despesas de responsabilidades civis perante terceiros na hipótese da ocorrência de danos a bens e pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo.
A própria lei nos dá os conceitos de atos de guerra, ato terrorista e eventos correlatos nos §§ 3º, 4º e 5º, respectivamente, do art. 1º da Lei 10.744/2003. Como a definição de terrorismo já nos foi dada, basta colacionar apenas os § § 3º e 5º para melhor entendimento:
§ 3o Entende-se por atos de guerra qualquer guerra, invasão, atos inimigos estrangeiros, hostilidades com ou sem guerra declarada, guerra civil, rebelião, revolução, insurreição, lei marcial, poder militar ou usurpado ou tentativas para usurpação do poder.
§ 5o Os eventos correlatos, a que se refere o caput deste artigo, incluem greves, tumultos, comoções civis, distúrbios trabalhistas, ato malicioso, ato de sabotagem, confisco, nacionalização, apreensão, sujeição, detenção, apropriação, seqüestro ou qualquer apreensão ilegal ou exercício indevido de controle da aeronave ou da tripulação em vôo por parte de qualquer pessoa ou pessoas a bordo da aeronave sem consentimento do explorador.
Portanto, podemos afirmar que a União responderá pelos danos decorrentes de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos contra aeronaves brasileiras, sendo esta mais uma hipótese de exceção do art. 37, § 6º, da CF, o qual fundamenta a responsabilização do Estado pela teoria do risco administrativo. Valendo lembrar que os danos serão reparados até o limite de um bilhão de dólares americanos, valor este definido por lei, segundo § 1º do art. 1º da Lei 10.744/2003.
5.4 LESÃO CORPORAL OU MORTE DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO
O próximo caso a ser tratado, e último, é o de indenização que o Estado, por meio de seguradoras consorciadas, é obrigado a pagar às vítimas (ou a seus herdeiros) de acidentes de trânsito, desde que seja por veículo automotor (de via terrestre), ou por sua carga, que o dano seja uma lesão corporal que gere uma invalidez para o motorista, passageiro ou pedestre, ou nos casos de morte, e cobertura das despesas de assistência médica e suplementares.
Este dever de indenizar do Estado decorre do chamado Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, o DPVAT. Este seguro foi instituído em 1974 pela Lei nº 6194/74, esta que regulamenta o Decreto-Lei 73/66, e que segundo Ricardo Bechara Santos, tem propósito eminentemente social (2006, p. 561).
A legislação específica dispões que:
Art 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de:
l) - Danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não." (Dec.-Lei 73/66)
Art. 3o Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2o desta Lei compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada:
I - R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de morte;
II - até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de invalidez permanente; e
III - até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) - como reembolso à vítima - no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas.(Lei 6194/74)
Para que surja o dever do Estado de reparar tais danos, é necessária que a lesão corporal cause uma invalidez e seja comprovada por meio de laudo pericial fornecido pelo instituto médico legal (IML) e boletim de ocorrência (art. 5º, § 5º, da Lei nº 6194/74). Tal modalidade de lesão está definida no Código Penal, em seu artigo 129, § 1º, III e § 2º, I, II, III, e IV, devendo, portanto haver:
Art. 129(...)
§ 1º(...)
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
§ 2º (...)
I - Incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incuravel;
III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;”
Nos casos de morte, esta deverá ser comprovada pela certidão de óbito contendo como causa mortis em decorrência do sinistro, ou laudo de necropsia, acrescidos do boletim de ocorrência (art. 5º, § 1º, alínea a, e § 3º, da Lei nº 6194/74).
Nas hipóteses de despesas com assistência médica e suplementares é necessário o recibo, nota fiscal e/ou prontuário médicos, juntamente com o boletim de ocorrência do sinistro (art. 5º, § 1º, alínea, b, da Lei nº 6194/74).
Assim, o pagamento do DPVAT à vítima ou aos seus herdeiros dispensa qualquer prova da existência do nexo causal, pois havendo apenas a comprovação do dano decorrente de acidente de trânsito conforme tipificado na legislação específica, haverá o dever de indenizar do Estado, até mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e coisa maior.
Portanto fica caracterizado mais um caso de aplicação da teoria do risco integral para fundamentar a responsabilidade do Estado, sendo essa uma hipótese que necessita apenas da comprovação do dano, dispensado inclusive o requisito da conduta do Estado.
CONCLUSÃO
A teoria do risco integral como base de fundamentação para a responsabilização do Estado é exceção. Como visto, a Administração Pública vem evoluindo para cada vez mais prestar assistência à sociedade, passando de um Estado primeiramente irresponsável por qualquer dano (o chamado the king can do no wrong) para um sistema que adota a responsabilização para si como regra, porém, esta fundamenta-se pela teoria do risco administrativo, a qual exige a existência de conduta da Administração, dano e nexo causal.
Tal evolução permitiu que houvesse excepcionalidades à teoria do risco administrativo, passando a existir a admissibilidade, por grande parte da doutrina, e até mesmo por dispositivos legais, da aplicação da teoria do risco integral como base fundamentadora do dever de indenizar do Poder Público.
Dentre as excepcionalidades, algumas já estão consolidadas para o Direito brasileiro. São os casos de: danos decorrentes de acidente nuclear, incluído na Constituição Federal pela EC 49/2006 (acrescentando a alínea d, no inciso XXIII do artigo 21); danos causados ao meio ambiente, o qual deve ser protegido por todos os Entes Federativos por determinação da CF/88(art. 23, VI e VII), sendo o entendimento do STJ no sentido de que o poluidor deve responder por todos os danos causado independentemente de excludentes de ilicitude; danos decorrentes de ataques terroristas ou atos de guerra, ambos previstos em legislação específica (Leis nº 10.309/2001 e nº 10.744/2003) a qual transfere a responsabilidade para a União; e os danos decorrentes de acidente de trânsito desde que gere invalidez da vítima ou a levem à morte, ficando o Poder Público, por meio das seguradoras consorciadas, obrigado a conceder o pagamento do DPVAT.
Assim, aquele que sofrer qualquer tipo de dano causado pelo Estado nestas hipóteses terá o direito subjetivo a reparação, tendo em vista que após a comprovação do dano decorrente de uma conduta do Estado, a Administração Pública ficará obrigada a indenizar o lesado, não podendo argumentar a existência das excludentes de nexo causal.
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MEIRELLES, Hely Lopes et. al. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010
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_____. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sala de Notícias: Últimas. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104746>. Acesso em: 25/04/2012.
Advogado no escritório Amaral, Marques, Villar, Protásio Advocacia. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Gustavo Costa do. A admissibilidade da responsabilização civil do Estado pela teoria do risco integral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47740/a-admissibilidade-da-responsabilizacao-civil-do-estado-pela-teoria-do-risco-integral. Acesso em: 22 nov 2024.
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