RESUMO: O objeto do presente artigo é a análise da constitucionalidade do instituto do emprego público em comissão nas empresas públicas e sociedades de economia mista, tendo em vista as divergências no âmbito da doutrina e da jurisprudência. Para tanto, faz-se um estudo do entendimento doutrinário e do posicionamento atual da jurisprudência. O cerne da pesquisa depara-se com duas teses: uma que considera o emprego em comissão inconstitucional sob o argumento de falta de previsão expressa do artigo 37, inciso II, da Carta Magna e a outra que o considera constitucional, por meio de uma interpretação lógico-sistemática da Constituição Federal, chegando à conclusão de que a exceção à regra do concurso público também abarca o emprego em comissão. Por fim, ultrapassada a questão da constitucionalidade desses postos de trabalho, verifica-se, ainda, a divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à necessidade ou não de lei para sua criação. Por fim, apresenta-se os posicionamentos atuais da jurisprudência pátria sobre o tema, ressaltando as divergências e os pontos de intersecção.
Palavras-Chave: Emprego Público em Comissão, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista, Constitucionalidade, necessidade de lei para criação.
INTRODUÇÃO
O tema “Constitucionalidade do emprego público em comissão nas empresas estatais” tem suscitado veementes debates no âmbito da Administração Pública, bem como instaurado conflitos na doutrina e jurisprudência pátria, em razão de recentes ações judiciais e inquéritos civis promovidos pelo Ministério Público do Trabalho - MPT em que se questiona a constitucionalidade da existência de “empregos públicos em comissão” nas empresas públicas e sociedades de economia mista.
Entende o Ministério Público do Trabalho que a regra do concurso público para a ocupação de cargos e empregos públicos (art. 37, II, CF/88) apenas teria sido excepcionada para a ocupação de Cargos em Comissão (e não emprego), e ainda condicionada à existência de lei regulamentadora. No entanto, a Administração Pública Federal se manifesta por meio de pareceres no sentido da constitucionalidade do emprego em comissão, entendendo viável as contratações em regime de livre provimento pelas empresas estatais. Para tanto, argumenta que, a partir de uma interpretação lógica e sistemática da Constituição Federal, a exceção prevista no inciso II, do artigo 37, abarca o emprego em comissão, devendo seguir a mesma lógica do cargo em comissão. Há também manifestação de Tribunais de Contas do país pela possibilidade de livre contratação/exoneração pelas empresas públicas e sociedades de economia mista.
Portanto, a discussão acerca da constitucionalidade do emprego em comissão nas empresa estatais, atualmente, resume-se em duas teses: uma que considera o emprego em comissão inconstitucional sob o argumento de falta de previsão expressa do artigo 37, inciso II da Carta Magna, entendendo ser burla a regra do concurso público e a outra tese que o considera constitucional, por meio de uma interpretação lógico-sistemática da Constituição Federal, chegando à conclusão de que referida exceção constitucional abarca o emprego em comissão.
Outro ponto enfrentado no presente artigo, ultrapassada a questão da constitucionalidade do emprego em comissão, é a necessidade ou não de lei em sentido estrito para sua criação. A problemática surge em razão da Constituição ser clara quanto à exigência de lei para a criação de cargo em comissão, gerando discussão na doutrina e jurisprudência, quanto à esta exigência também para a criação de empregos públicos em comissão, nas empresas estatais, de regime privado, notadamente àquelas que atuam nos moldes do artigo 173, caput, da Constituição Federal, ou seja, na exploração direta de atividade econômica. Há quem entenda que esses empregos podem ser criados por atos internos das empresas e àqueles que entendem pela necessidade de lei em sentido estrito.
Trazendo o conflito de entendimentos para a ordem prática, a ausência de previsão dos empregos públicos em comissão e, por conseguinte, as discussões quanto à sua constitucionalidade revertem-se como um verdadeiro obstáculo jurídico para as contratações de funcionários com conhecimento técnico especializado pelas empresas estatais, principalmente, em relação às que atuam na exploração econômica em concorrência com outras empresas privadas, as quais têm como vantagem a ampla liberdade de contratação.
Portanto, patente é a necessidade de um maior estudo e reflexão do referido tema, no intuito de orientar com segurança jurídica a atuação das empresas estatais, no que tange a clara necessidade de contratação de mão-de-obra com alto nível de capacitação em determinadas matérias diretamente no mercado de trabalho, sem o requisito da aprovação em concurso público.
Desse modo, é de curial importância analisar as teses antagônicas existentes na doutrina acerca da constitucionalidade do emprego em comissão nas empresas estatais, bem como acerca da necessidade ou não de lei para sua criação. Por fim, imperioso destacar os posicionamentos jurisprudenciais conflitantes e uniformes dos nossos tribunais.
ANÁLISE DOUTRINÁRIA ACERCA DA CONSTITUCIONALIDADE DO EMPREGO PÚBLICO EM COMISSÃO NAS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA
O artigo 37, II, da Constituição Federal, previu expressamente a possibilidade de criação de cargos comissionados no âmbito de órgãos e entidades submetidos ao regime jurídico estatutário, criados sob a tutela legal, porém, em relação aos empregos públicos em comissão, silenciou-se. In verbis:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
(...)”
Dessa forma, a constitucionalidade dos empregos em comissão, sem a necessidade de concurso público, no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista, para o provimento das atribuições de direção, chefia e assessoramento, tem suscitado veementes debates no campo jurídico.
Atualmente, depara-se com duas teses: uma que considera o emprego em comissão inconstitucional sob o argumento de falta de previsão expressa do artigo 37, inciso II, da Carta Magna, entendendo ser burla a regra do concurso público. A outra tese que o considera constitucional, por meio de uma interpretação lógico-sistemática da Constituição Federal, chegando à conclusão de que referida exceção constitucional abarca o emprego em comissão.
A primeira tese encampada pelo Ministério Público do Trabalho e a boa parte dos magistrados trabalhistas faz uma interpretação literal do dispositivo constitucional, entendendo, por consequência, ser taxativa a ressalva prevista no artigo 37, inciso II, referindo-se apenas aos cargos públicos, portanto, restrita ao regime estatutário.
Referida corrente argumenta que se a sociedade de economia mista e empresa pública não são criadas por lei, bastando mera autorização legislativa para tanto, consequentemente não se admitiria a ideia de que uma lei possa vir a criar no âmbito das empresas estatais cargos ou empregos comissionados.
O Ministério Público do Trabalho, em suas ações civis públicas, argumenta que não há que se falar em “vazio normativo” na redação do artigo 37, II, da Constituição, pois deixaria margem para o legislador infraconstitucional criar figuras não previstas no dispositivo.
No campo doutrinário, identificou-se apenas um entendimento no sentido dessa corrente. Para Lucas Rocha Furtado (2007, p. 215-216), in verbis:
Em algumas empresas estatais têm sido criados cargos de nível inferior ao de diretoria – em nível de gerência – de livre nomeação. Esta prática não se coaduna com a regra constitucional do concurso público. A rigor, não pode haver cargo em comissão em empresa estatal que adote o regime da CLT. O cargo em comissão é de natureza eminentemente administrativa e, em função do que dispõe a Constituição Federal (art. 173, §1º, II), o regime jurídico a ser observado pelas estatais exploradoras de atividades empresariais é o próprio das empresas privadas. Em relação ao emprego em comissão, a absoluta falta de previsão constitucional impede a adoção desse regime. Desse modo, ressalvados os dirigentes – que são o presidente, diretores e membros dos conselhos de administração e fiscal –, que se regem pelas normas de Direito Comercial, em especial pela Lei nº 6.404/76, todos os que trabalham em empresas estatais que explorem atividades empresariais são empregados e se sujeitam à necessidade de prévia aprovação em concurso público.
Vale ressaltar, ainda, o posicionamento do professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 290-291), que admite tal hipótese, mas somente em situação excepcional, onde o certame público possa ser uma barreira à captação de profissionais especializados e demandados pelas empresas, in verbis:
Ressalve-se, todavia, que as pessoas estatais constituídas para exploração de atividade econômica, disporão de liberdade para contratar diretamente seus empregados nas hipóteses em que (a) a adoção de concurso público tolheria a possibilidade de atraírem e captarem profissionais especializados que o mercado absorve com grande presteza e interesse ou (b) nos casos em que o recurso a tal procedimento bloquearia o desenvolvimento de suas normais atividades no setor.
Para a segunda corrente, formada pelos profissionais mais renomados do ramo do direito administrativo e constitucional, a abrangência do preceito constitucional é extensiva aos empregos em comissão no âmbito das empresas estatais, a partir da interpretação lógico-sistemática da Constituição Federal.
Em que pese o referido dispositivo Constitucional não ser expresso no tocante à viabilidade da criação dos empregos comissionados, tem-se que a mera interpretação gramatical dessa norma não condiz com o espírito normativo estruturante do ordenamento jurídico pátrio.
É de extrema importância analisar as normas constitucionais por meio de uma visão estrutural, sob a ótica de todo o sistema. A Constituição deve ser interpretada como um todo harmônico, não podendo nenhum dispositivo ser considerado isoladamente.
O termo ‘cargo em comissão’ utilizado no inciso II, do artigo 37 da Constituição Federal não teve por finalidade excluir a possibilidade de criação de empregos públicos em comissão. A parte inicial do inciso em questão estabelece tanto a investidura nos cargos quanto nos empregos públicos, por meio de concurso público, impondo-o como regra. Em seguida, ao ressalvar a exceção, utilizou-se da nomenclatura ‘cargo em comissão’ em sentido amplo, abrangendo também a figura do emprego público.
Não se pode entender cargos em comissão com o significado restrito de posto sob o vínculo estatutário, pois não é a natureza do vínculo que justifica a exceção à regra geral e sim a natureza das atribuições (direção, chefia e assessoramento). Interpretar a exceção de forma restrita, abarcando apenas os cargos em sentido estrito, seria um verdadeiro atentado aos princípios da isonomia e da razoabilidade (SUNDFELD, 2006, 243/29).
Dentre tantos outros entendimentos na mesma linha, destaca-se a afirmação de José Eduardo Martins Cardozo (1997), que dispõe que a exceção prevista no artigo 37, II, da Carta Maior, deve ser interpretada de forma sistemática e razoável, sendo um absurdo que as empresas púbicas e sociedades de economia mista, que são instrumentos da ação governamental e integrantes da Administração Pública, tivessem barrada a possibilidade de ter algumas de suas atividades funcionais admitidas pelo critério da confiança. Assim, nada mais natural que além da escolha de seus dirigentes maiores, ainda existam empregos de confiança - expressão mais correta para o contexto das empresas estatais – a serem exercidos por pessoas livremente escolhidas por estes dirigentes, sem a necessidade de concurso público.
Portanto, é inafastável a conclusão de que o artigo 37, II, da Constituição, ao instituir prerrogativa à regra geral do concurso público e fazer uso da expressão ‘cargo em comissão’, está, de fato, referindo-se tanto a cargos em sentido estrito, intrínseco ao vínculo estatutário, quanto à empregos em comissão, atinente ao regime celetista (PRADO, 2007, p. 60).
É cediço que o artigo 37, e toda a estrutura normativa que ele representa, é aplicável, como ali está expresso, à Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Desta forma, também a exceção à regra do certame, contida no trecho final do inciso II, do art. 37, abarca as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Com efeito, observando o grau de sistematicidade e coerência interna que a interpretação constitucional deve observar, não faria sentido conceber que justo a Administração Pública direta, regida pelo Direito Público, cujos servidores observam, como regra, o regime estatutário, pudesse contemplar cargos em comissão e a Administração Pública indireta, notadamente as empresas públicas e sociedades de economia mista, as quais se sujeitam ao regime jurídico de Direito Privado (celetista), nos termos do artigo 173, §1º, da CF, com vistas a dar maior flexibilidade e eficiência aos serviços prestados pelo Estado, também não possam contratar pessoal de confiança para atuar nas áreas de direção, chefia e assessoramento, com possibilidade de livre nomeação e exoneração, para melhor atender as suas finalidades.
Mais uma razão, quanto à existência do emprego em comissão, é o reconhecimento da própria Constituição, de forma expressa, conforme dispõe o artigo 54, inciso I, alínea “b”, e o artigo 19, §2º, do ADCT, in verbis:
Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:
I - desde a expedição do diploma:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;
b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea anterior; (...)”
Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.
§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do "caput" deste artigo, exceto se se tratar de servidor. (Grifo nosso)
Acrescenta-se, ainda, dispositivos da CLT que se utilizam da expressão ‘cargo’ como sinônimo de emprego, conforme se depreende dos artigos 62, II, parágrafo único; 224, §2º; 450; 469, §1º e 499.
Em conclusão, de acordo com a doutrina majoritária, a partir de uma interpretação sistemática lógica, tem-se a convicção de que a instituição de empregos públicos em comissão nas empresas públicas e sociedades de economia mista é perfeitamente autorizada pela Carta Maior, ainda que não previstos expressamente no artigo 37, inciso II, e encontra-se plenamente compatível com a inteligência do dispositivo em comento na sistemática da estruturação Constitucional das empresas estatais.
No entanto, deve-se destacar que os empregos em comissão obedecem, por analogia, as mesmas especificidades dos cargos em comissão no tocante à tipicidade das atribuições (direção, chefia e assessoramento), de serem providos por livre nomeação e exoneração e a existência do vínculo especial de confiança.
NECESSIDADE DE LEI PARA A CRIAÇÃO DE EMPREGO PÚBLICO EM COMISSÃO
Outro ponto bastante debatido na doutrina e jurisprudência, após superada a constitucionalidade do emprego em comissão nas empresas estatais, é quanto à necessidade ou não de lei para a sua criação, tendo em vista a exigência constitucional de lei para criar os cargos públicos em comissão.
Como já ressaltado, o constituinte não redigiu o artigo 37, II, CF, com a tecnicidade merecida, tanto que se utilizou apenas da expressão ‘cargo em comissão’, referência utilizada somente para postos de trabalho de órgãos e entidades submetidas ao regime jurídico estatutário, como termo geral aplicável a todas as modalidades de contratação dos entes da Administração Direta, autárquica e fundacional.
A Constituição Federal, em seus artigos 48, X c/c 61, §1º, II, alínea “a”, determina que, no âmbito federal, o qual deve ser observado nas demais esferas políticas por simetria, a criação de cargos e empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional, deve ser concretizada mediante lei em sentido estrito, vinculando a administração pública a seu comando, em respeito ao princípio da legalidade. Porém, quanto aos empregos públicos nas empresas estatais, não há, vale dizer, qualquer exigência Constitucional que determine a utilização de lei como o instrumento formal de sua origem.
Portanto, não apenas o termo ‘cargo em comissão’ merece uma interpretação constitucional lógico-sistemática quando da sua aplicação às empresas estatais, mas, também, a expressão ‘declarada em lei’. Principalmente, à essas entidades, nas hipóteses em que atuam nos moldes do artigo 173, caput, da Constituição Federal, ou seja, na exploração direta de atividade econômica, em concorrência com empresas privadas.
É clara a diretriz constitucional expressa no sentido de que apenas se afigura necessária à criação desses postos de trabalho mediante lei quando houver sua vinculação à administração direta ou autárquica, de sorte que a criação de empregos públicos nas estatais prescinde, dado o silêncio eloquente do legislador constitucional, dessa espécie normativa, MEIRELLES (2015, p. 472).
Nesse sentido, afirma Sérgio de Andréa Ferreira (2002, p. 397-413) que tanto os empregos permanentes quanto os de confiança, dos entes privados da Administração Pública, não necessitam de lei para serem criados. Dispõe que o regime jurídico das empresas privadas compõe-se de um complexo de normas jurídicas, com regulação própria, sendo constituída pelo estatuto, regimento interno, regulamento da empresa no qual contém a matéria de pessoal, como por exemplo os planos de empregos e salários.
Imperioso ressaltar a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho (2015, p. 640/641) que dispõe que:
Avulta notar que os empregos públicos da Administração Direta, autarquias e fundações de direito público também exigem sua criação por lei, sendo esta de iniciativa do Chefe do Executivo (artigos 61,§1º, II, a, CF). Já os empregos públicos de pessoas privadas da Administração (empresas públicas e sociedades de economia mista), quer os denominados “cargos efetivos”, quer os chamados “cargos em comissão” ou “de confiança” (na verdade, “empregos efetivos” ou “empregos em comissão”, como vimos) podem ser criados através dos atos de organização funcional dessas entidades.
O jurista Evandro J. S. Prado (2007, p. 62-63) aponta três justificativas que sustentam a tese da desnecessidade de lei formal para a criação dos empregos em comissão nas empresas estatais. A primeira é que a constituição somente prevê tal exigência para a criação de cargos e empregos públicos na administração direta, autárquica e fundacional.
A segunda justificativa diz respeito à precisão do inciso XIX, do artigo 37, da CF, dispondo que as empresas públicas e sociedades de economia mista somente necessitam de norma legal, em sentido formal, apenas no que concerne à autorização para suas criações e para constituir seus estatutos jurídicos, diferentemente das autarquias e fundações públicas que devem ser criadas por meio de lei específica. A definição dos empregos em comissão nessas companhias estatais é materializada por atos internos, como por exemplo os planos de cargos e salários.
Vale destacar neste ponto que, na esfera federal, além da previsão nas normas internas de cada entidade, a contratação para empregos públicos comissionados pelas empresas estatais é sempre precedida de aprovação e autorização do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, na forma do previsto no artigo 1º, incisos I e III, do Decreto nº 3.735/2001:
“Art. 1º. Ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão compete a aprovação dos seguintes pleitos de empresas estatais federais, encaminhados pelos respectivos Ministérios supervisores:
I - quantitativo de pessoal próprio;
II - programas de desligamento de empregados;
III - revisão de planos de cargos e salários, inclusive alteração de valores pagos a título de remuneração de cargos comissionados ou de livre provimento;” (Grifo nosso)
Por fim, destaca o autor, que o § 1º e seus incisos, do artigo 169, da Constituição, consolida plenamente a tese sustentada. A intenção do legislador no inciso II foi conferir às empresas estatais um certo grau de autonomia sobre os atos de pessoal, dispensando-as de autorização legislativa para criar empregos ou estender algum benefício aos seus colaboradores. Somando-se a isso, vale ressaltar o disposto no artigo 173, §1º, II da Carta Magna, que submete essas empresas às normas de direito privado, de maneira que nem todas as regras de criação e despesa de pessoal a elas se aplicam.
Portanto, uma vez adquirida à autorização por lei para criação e a constituição do estatuto jurídico, as empresas estatais passam a ser regulamentadas e administradas segundo as suas normas estatutárias, nos termos do artigo 173, §1º, II, da CF, não havendo a necessidade de nova lei para dispor sobre sua estrutura administrativa, afinal de contas, as empresas estatais possuem personalidade jurídica, bem como autonomia patrimonial, administrativa e financeira.
Assim, a expressão ‘declarado em lei’, do artigo 37, inciso II, do Texto Maior, deve ser entendida como o ato ou o procedimento administrativo disciplinado no próprio estatuto jurídico da empresa pública e da sociedade de economia mista, sendo esse o normativo hábil a disciplinar as questões administrativas referentes às contratações de funcionários.
JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
A constitucionalidade do emprego em comissão no âmbito das empresas estatais já foi objeto de análise pelos Tribunais de Contas do país. Posicionando-se pela segunda corrente, destacam-se o Tribunal de Contas da União, por meio do acórdão nº. 1.557/2005, Relator: Ministro UBIRATAN AGUIAR, TCU – Plenário, sessão de 05/10/2005, e o Tribunal de Contas do Distrito Federal, por meio da Decisão Ordinária 56/2006, Processo nº. 6273/2005, de 02/02/2006, conforme pode ser visto nos excertos abaixo.
“(...) 33.Os “cargos” de assessor externo foram aprovados pela Resolução nº 13/2181 da Diretoria de Furnas, nos termos da Cláusula 24ª do Acordo Coletivo de Trabalho 2003/2004, limitados a dois profissionais por diretoria (fls. 121 e 139, v.1). O art. 1º, inciso IV, do Decreto nº 3.735/2001 estabelece como competência do Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão a aprovação da renovação de acordo coletivo de trabalho (competência delegável ao Diretor do Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais - Dest, conforme §4º do mesmo artigo). Entendo, então, que a referida criação dos cargos de assessor externo foi aprovada pelo Ministério do Planejamento, a quem cabe, por meio do Dest, manifestar-se sobre as propostas de empresas estatais relativas a quantitativo de pessoal próprio, inclusive de tabelas de remuneração de cargos em comissão ou de livre provimento (fl. 158, v.p).
34.Entendo relevante ressaltar que não estou a defender que as empresas públicas e as sociedades de economia mista criem, sem quaisquer parâmetros, empregos de livre nomeação. A criação desses empregos está sujeita aos princípios da moralidade, da impessoalidade e tem que ser aprovada pelas instâncias competentes. Além disso, eles devem estar restritos a funções de chefia, direção e assessoramento. No caso em tela, constata-se que foram criados dois cargos por diretor (são seis as diretorias). Considero que esse número se situa dentro de um patamar de razoabilidade, não se vislumbrando que tenha havido algum intuito de burla à regra geral do concurso público.”
“O Tribunal, por unanimidade, de acordo com o voto do Relator, tendo em conta o parecer do Ministério Público, decidiu: I - adotar o seguinte entendimento: a) a criação de empregos em comissão, na Administração Indireta, não fere a Constituição Federal, porquanto prevista sua existência no próprio texto constitucional, "ex-vi" dos artigos 37, II; 54, I, “b” e 19, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; b) independe de lei, estrito senso, a criação de empregos em comissão, sendo válida tal prática desde que previstos no Plano de Carreira Cargos e Salários da Entidade, autorizado pelo Conselho de Política de Recursos Humanos – CPRH, da Secretaria de Gestão Administrativa do GDF e devidamente homologado pelo Governador do Distrito Federal, após aprovação da Diretoria Colegiada e "referendum" do Conselho de Administração; c) é pressuposto de existência do emprego em comissão a necessária especialização em funções de assessoria, direção ou chefia, consagradas no texto constitucional no artigo 37, V; II - determinar o arquivamento dos autos. Decidiu, mais, mandar publicar, em anexo à ata, o Relatório/Voto do Relator (Anexo II).”
Da análise das decisões acima destacadas, conclui-se que o entendimento no âmbito das Cortes de Contas é no sentido de constitucionalidade do emprego em comissão no âmbito das empresas estatais, mas somente para o exercício das atribuições de direção, chefia e assessoramento, nos termos do artigo 37, V, da Carta Magna. Entendem, ainda, que não há necessidade de lei em sentido estrito para a criação destes empregos.
Quanto ao posicionamento dos Tribunais pátrios, em concordância com a constitucionalidade do emprego público em comissão, desde que obedecidos os limites impostos na Constituição Federal, estão os acórdãos prolatados, respectivamente, pelo Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Constituição do Estado de Rondônia. Artigos 252, 253, 254 e 255 das Disposições Gerais da Constituição Estadual e do art. 10 das Disposições Transitórias. 3. Ausência de alteração substancial e de prejuízo com a edição da Emenda Constitucional estadual n. 54/2007. 4. Alegação de ofensa aos artigos 22, I; 37, II; 131; 132; e 135, da Constituição Federal. 5. Reconhecimento da possibilidade de existência de procuradorias especiais para representação judicial da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas nos casos em que necessitem praticar em juízo, em nome próprio, série de atos processuais na defesa de sua autonomia e independência em face dos demais poderes, as quais também podem ser responsáveis pela consultoria e pelo assessoramento jurídico de seus demais órgãos. 6. A extensão estabelecida pelo § 3º do art. 253 não viola o princípio da isonomia assentado no artigo 135 da CF/88 (redação anterior à EC 19/98), na medida em que os cargos possuem atribuições assemelhadas. 7. A alteração do parâmetro constitucional, quando o processo ainda em curso, não prejudica a ação. Precedente: ADI 2189, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 16.12.2010. 8. A investidura, em cargo ou emprego público, depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. 9. Não é permitido o aproveitamento de titulares de outra investidura, uma vez que há o ingresso em outra carreira sem o concurso exigido constitucionalmente. 10. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para confirmar a medida liminar e declarar inconstitucionais o artigo 254 das Disposições Gerais e o artigo 10 das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de Rondônia; e assentar a constitucionalidade dos artigos 252, 253 e 255 da Constituição do Estado de Rondônia. (ADI 94, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 07/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 15-12-2011 PUBLIC 16-12-2011) “
“PEDIDO DE SEGURANÇA PARA QUE SE AFASTE A INCIDENCIA DE PRESCRIÇÃO E SE RECONHEÇA DIREITO DE O REQUERENTE INCORPORAR A SEUS PROVENTOS, DIVERSAS VANTAGENS. ACORDÃO QUE AFASTA A PRESCRIÇÃO, NÃO DENEGA A SEGURANÇA, MAS A CONCEDE EM PARTE. SERVIDOR APOSENTADO, COM DIREITO DE INCORPORAR A SEUS PROVENTOS, VERBAS RELATIVAS A VENCIMENTOS E VANTAGENS DE EMPREGO EM COMISSÃO EXERCIDO EM EMPRESA PUBLICA. A CIRCUNSTANCIA DE A EMPRESA SE HAVER TRANSFORMADO EM AUTARQUIA NÃO EXTINGUE O DIREITO DE INCORPORAÇÃO. (RMS 1.196/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, recurso provido, julgado em 20/05/1992, DJ 29/06/1992, p. 10261)”
“RECURSO DE REVISTA 1 - PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Revela-se inservível ao cotejo julgado oriundo do STF, na forma do art. 896, -a-, da CLT. Recurso de revista não conhecido. 2 - EMPRESA PÚBLICA. EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. 2.1 - O reclamado, empresa pública, sujeita-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas quanto, entre outras, às obrigações trabalhistas, consoante determina o art. 173, § 1.º, da Constituição Federal. Nesse cenário, o regime a que se submetem seus trabalhadores é o da CLT e, por isso mesmo, o vínculo jurídico que se firma tem natureza contratual. Ocorre que, na dicção do art. 37, II, da Constituição Federal, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Não obstante a denominação -cargo em comissão- aparentemente só diga respeito a quem ocupe cargo e não emprego, ou seja, àqueles não regidos pela CLT, tem-se que se dirige, na realidade, a todos aqueles que ostentam ocupação transitória e são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a autoridade nomeante. Conjuga-se a exceção do inciso II com a previsão do inciso V ambos do art. 37 da Constituição Federal. No caso, o reclamante foi contratado para ocupar cargo em comissão, exercendo a função de assistente da Presidência, sem a aprovação em concurso público e, após o exercício por quase quatro anos, foi exonerado ad nutum. Ora, diante da possibilidade de exercício de função de confiança sem a prévia aprovação em concurso público e o atrelamento ao regime da CLT, o contrato firmado entre as partes não pode ser tido como nulo e o reclamante faz jus às verbas trabalhistas decorrentes da extinção contratual havida. Em sendo assim, não há de se falar em afronta ao art. 37, II, da Constituição Federal. 2.2 - Julgados paradigmas oriundos do STF, de Turmas do TST e do TRT da 23.ª Região desatendem o art. 896, -a-, da CLT, revelando-se, portanto, inservíveis a cotejo. Recurso de revista não conhecido. 3 - OBRIGAÇÃO DE FAZER. RESTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PARTIDÁRIAS. O Tribunal Regional não analisou o tema, o que atrai o óbice previsto na Súmula 297, I e II, do TST, ante a ausência do devido prequestionamento. Recurso de revista não conhecido.” (RR - 74000-08.2008.5.23.0007 , Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 12/02/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/02/2014)” (Grifo nosso)
Vale destacar, trecho da decisão da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho no AIRR nº 0001069-97.2013.5.10.0005, julgado em 14 de outubro de 2015, no qual a Ministra Relatora Dora Maria da Costa, analisando nulidade de cargos em comissão no âmbito da Empresa Brasileira de Comunicação S.A. – EBC, empresa estatal, assim dispôs:
“Com efeito, não há falar em nulidade da nomeação para cargo em comissão porque a exigência de prévio concurso público para a investidura de cargo ou emprego público encontra ressalva para os casos de cargo em comissão declarado em lei, de livre nomeação e exoneração, normas destinadas à Administração Pública direta e indireta, nos termos do artigo 37, II, da CF.”
Frisa-se, ainda, que o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região também entende pela constitucionalidade dos empregos em comissão, restando apenas a divergência quanto à necessidade de lei para a criação destes postos de trabalho, conforme será visto a seguir.
O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região possui em sua jurisprudência decisões nos dois sentidos, quanto à necessidade de lei em sentido estrito para a criação dos empregos públicos em comissão nas empresas estatais.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROCEDÊNCIA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL. EMPREGO EM COMISSÃO. CRIAÇÃO AUTORIZADA POR LEI ESPECÍFICA. DESNECESSIDADE. O art. 37, XIX, da Constituição Federal prevê a necessidade de lei específica para a criação de Autarquias, mas o mesmo requisito não é exigido para a criação das Sociedades de Economia Mista. Portanto, se as Sociedades de Economia Mista não precisam ser criadas por lei específica, não é lógico que, para a criação de seus quadros de empregos, seja necessário tal requisito. No caso em tela, demonstrado nos autos que a criação dos referidos empregos em comissão observaram os requisitos exigidos, ou seja, foram estabelecidos no Plano de Cargos e Salários da CBTU, aprovado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, após anuência do Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais - DEST, não há falar em nulidade de contratação. (Processo: 00158-2010-020-10-00-0 RO, Acordão 3ª Turma, Relator: Juiz Braz Henriques de Oliveira, Data da Publicação: DJ de 21/01/2011). (Grifo nosso)
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EMPREGO PÚBLICO EM COMISSÃO. PREVISÃO LEGAL. DESTINAÇÃO ÀS ATRIBUIÇÕES DE DIREÇÃO, CHEFIA E ASSESSORAMENTO. NECESSIDADE.
As sociedades de economia mista sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, como previsto no art. 173 da Constituição Federal. Mas, nos termos do art. 37, caput, também devem observância aos princípios da Administração Pública quanto às regras de investidura no seu quadro de pessoal. E, no caso concreto, a sociedade de economia mista reclamada não demonstrou que os empregos públicos em comissão em questão foram declarados em lei de livre nomeação e exoneração (inciso II), e destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (inciso V), como também que as atribuições dos obreiros contratados estivessem enquadradas entre aquelas. Sendo, assim, tais contratos nulos de pleno direito. Recurso parcialmente conhecido e provido parcialmente. (Processo: 00762-2013-006-10-00-2 RO, Acordão 2ª Turma, Relator: Mário Macedo Fernandes Caron, Data do Julgamento: 04/03/2015, Data da Publicação: DEJT 17/04/2015). (Grifo nosso)
Destacam-se as últimas decisões do TST sobre a matéria, também nos dois sentidos. Primeiramente, as proferidas pelas 2ª e 4ª Turmas, respectivamente, na qual a Corte Trabalhista adotou a tese de que é necessária a utilização de lei, em sentido estrito, para validar a criação de empregos públicos em comissão pelas empresas estatais.
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONTRATAÇÃO DE PESSOAL - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – EMPREGO EM COMISSÃO (violação aos artigos 37, incisos II e V e §2º, e 173, §1º, inciso II, da Constituição Federal, contrariedade à Súmula nº 363 desta Corte e divergência jurisprudencial). Segundo o brocardo jurídico "cum effectu sunt accipienda", as leis não contêm palavras inúteis, devendo o intérprete, em seu mister, abster-se de interpretar a norma de forma a transparecer a existência, no ordenamento jurídico, de palavras destituídas de utilidade. Neste contexto, é certo que a redação da parte do inciso II do artigo 37, da CF/88, não permite a ilação de que referido dispositivo, ao dispor a respeito da existência de "cargo em comissão", igualmente pretendeu tratar do "emprego em comissão", instituto jurídico cuja previsão não se encontra expressamente veiculado no direito positivo vigente. Ainda que se considere a inexistência de distinção entre os referidos vocábulos, o artigo 37, II, da CF/88, ao ressalvar a possibilidade de nomeação, sem submissão a concurso público, de "cargo comissionado", exige, expressamente, que aquele instituto seja "...declarado em lei de livre nomeação e exoneração;". Desta forma, entende-se necessária existência de lei específica declarando "de livre nomeação e exoneração" os cargos em comissão criados pela Administração Pública Indireta. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-12800-57.2008.5.10.0008, Ministro Relator: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 17/09/2014, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 26/09/2014.) (Grifo nosso)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DATAPREV. EMPRESA PÚBLICA. PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. EMPREGOS EM COMISSÃO. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL. O Tribunal Regional assentou que os empregos em comissão no âmbito da Administração Indireta se sujeitam à previsão em lei, sendo claro no sentido de que inexiste “instrumento legal instituindo empregos em comissão no âmbito da empresa ré”, ora Agravante, logo não está caracterizada a violação dos arts. 37, II, e 173, § 1º, II, da CF/88. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (AIRR-89-16.2010.5.10.0019, Desemb. Convocada Relatora: Cilene Ferreira Amaro Santos, 4ª Turma, Data de julgamento: 21/10/2015, Data da publicação: DEJT: 23/10/2015).
Por sua vez, a mais recente decisão do TST sobre o tema, proferida em 17 de fevereiro deste ano, entendeu pela desnecessidade de lei para a criação de empregos em comissão nas empresas estatais, bastando para tanto um ato normativo interno da empresa.
I. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA CPRM (RECLAMADA) INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. ADMINISTRAÇÃO INDIRETA. EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. DESNECESSIDADE DE LEI PARA ADMISSÃO DE TRABALHADORES EM EMPREGO EM COMISSÃO (CHEFIA, ASSESSORAMENTO E DIREÇÃO). A criação de empregos públicos comissionados no âmbito das empresas públicas e das sociedades de economia mista - assim como a criação de empregos públicos permanentes nessas entidades - não depende da edição de lei (CF, art 5º, II). Afinal, a Constituição Federal, ao disciplinar a obrigatoriedade de lei, de iniciativa do Presidente da República, para a criação de cargos, funções ou empregos públicos, deixa claro que a exigência se limita à Administração direta e autárquica (art. 61, § 1º, II, “a”). Logo, ao decidir em sentido contrário, a Corte Regional parece incorrer em violação do art. 61, § 1º, II, “a”, da Constituição Federal, circunstância que impõe o provimento do agravo para melhor e mais exauriente exame. Agravo de instrumento provido.
(...)
IV. RECURSO DE REVISTA DA UNIÃO (ASSISTENTE). ADMINISTRAÇÃO INDIRETA. EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. DESNECESSIDADE DE LEI PARA ADMISSÃO DE TRABALHADORES EM EMPREGO EM COMISSÃO (CHEFIA, ASSESSORAMENTO E DIREÇÃO). A criação de empregos públicos comissionados no âmbito das empresas públicas e das sociedades de economia mista - assim como a criação de empregos públicos permanentes nessas entidades - não depende da edição de lei. Afinal, a Constituição Federal, ao disciplinar a obrigatoriedade de lei, de iniciativa do Presidente da República, para a criação de cargos, funções ou empregos públicos, deixa claro que a exigência limita-se à Administração direta e autárquica (art. 61, § 1º, II, “a”). Ora, se há na Carta de 1988 previsão de existência de cargos públicos comissionados para a Administração direta e autárquica (ambiente em que a atuação do Estado não requer o dinamismo que caracteriza o regime de competividade e de livre concorrência ao qual submetidas as empresas privadas e as estatais), e se se depreende do texto constitucional a desnecessidade de edição de lei para preenchimento dos empregos públicos nos entes empresariais do Estado, é de se concluir, sobretudo à luz do art. 173, § 1º, II, da CF, que é possível a criação de empregos públicos comissionados sem a instauração de processo legislativo. Não parece razoável supor que a Constituição Federal, ao silenciar sobre os requisitos para a criação de empregos públicos comissionados, tenha desautorizado a atuação mais flexível das sociedades empresárias do Estado ou que, no máximo, tenha permitido a adoção do regime mais austero aplicável à Administração direta e autárquica (com a igual exigência de lei para criação depostos de trabalho para funções de chefia, assessoramento e direção). Tal interpretação do art. 61, § 1º, II, “a”, não é compatível com a norma inserta no art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal. Portanto, não se exige lei para a criação de empregos públicos comissionados, bastando que tais postos de trabalho sejam destinados às funções de chefia, direção e assessoramento (tal como disposto no inciso V do art. 37 da Constituição Federal) e que sejam criados mediante ato normativo interno regularmente editado. Na hipótese, está registrado no acórdão regional apenas que as contratações da empresa Ré para os empregos em comissão estão embasadas atos internos, em relação aos quais não foi apontado qualquer outro defeito que não a ausência de criação por lei. Não há, de outro modo, registro de que os ocupantes de empregos em comissão não desempenhem na empresa demandada atribuições de direção, chefia e assessoramento. Tampouco de que tenha sido contratado um número excessivo de empregados comissionados, em relação ao número de empregados da tabela permanente, de molde a caracterizar uma conduta desarrazoada da empresa Ré. Portanto, não demonstrada qualquer ilicitude na conduta administrativa da Ré, impositivo o reconhecimento de que o acórdão regional viola o disposto no art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal. Cabe registrar, por oportuno, que a conclusão externada não confere à empresa Ré verdadeira “carta branca” para manter empregados comissionados fora das hipóteses referidas no art. 37, V, da CF e em desobediência aos postulados da eficiência, da proporcionalidade e da moralidade, situações que podem ensejar inclusive o ajuizamento de novas ações voltadas à defesa do interesse e do patrimônio públicos (Leis 4.717/75, 7.347/85 e 8.429/92). Recurso de revista conhecido e provido. (AIRR-567-67.2013.5.10.0003, Ministro Relator: Douglas Alencar Rodrigues, 7ª Turma, Data de julgamento: 17/02/2016, Data da publicação: DEJT: 26/02/2016).
Portanto, entendeu a 7ª Turma do TST que houve violação dos artigos 61, § 1º, inciso II, alinea ”a” e artigo 173, § 1º, inciso II da Constituição. O referido julgado, acolhendo os argumentos da União, entendeu pela constitucionalidade do emprego em comissão e a desnecessidade de lei para sua criação, bastando que tais postos de trabalho sejam destinados às funções de chefia, direção e assessoramento e que sejam criados mediante ato normativo interno regularmente editado.
Isto posto, em conclusão, pode-se afirmar, em relação às empresas estatais, quanto à constitucionalidade do emprego em comissão, que a jurisprudência vem aceitando a figura do emprego em comissão, porém, ainda não há um posicionamento sedimentado quanto à necessidade de lei, permanecendo as decisões divergentes entre as Turmas do TST.
CONCLUSÃO
O artigo 37, II, da Constituição Federal, previu expressamente a possibilidade de criação de cargos em comissão, de livre provimento e exoneração, específico para as atribuições de direção, chefia e assessoramento, não havendo nenhuma discussão acerca da constitucionalidade da sua existência no regime estatutário. No entanto, a existência dos empregos com as mesmas características no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista tem suscitado calorosas discussões no campo jurídico, dando ensejo a duas correntes:
A primeira corrente, mais conservadora, constituída pelo Ministério Público do Trabalho e boa parte dos magistrados trabalhistas, faz uma interpretação literal do dispositivo constitucional, entendendo, por consequência, que a ressalva ali contida refere-se apenas à cargos em comissão, restritos ao regime estatutário. Para tal corrente, os funcionários das empresas estatais não estariam abrangidos por essa excepcionalidade pelo fato de não haver previsão expressa no artigo 37, II, da Constituição, a empregos em comissão.
No entanto, para a segunda corrente, formada pela maioria da doutrina, dos Tribunais de Contas e grande parte da jurisprudência pátria, a abrangência da exceção constitucional ao princípio do concurso público é extensiva aos empregos em comissão no âmbito das estatais, o que se infere de uma interpretação sistemática do Texto Constitucional.
Assim, interpretando-se o artigo 37, II, da Constituição Federal com outros normativos contidos no próprio texto constitucional que reconhecem a existência destes empregos, tais como o artigo 54, I, alíneas “a” e “b” e o artigo 19, § 2º, do ADCT, acrescentando-se, ainda, a existência de dispositivos da CLT que se utilizam da expressão ‘cargo’ como sinônimo de emprego, conforme disposto nos artigos 62, II, parágrafo único; 224, §2º; 450; 469, §1º e 499, tem-se a convicção de que a instituição de empregos públicos em comissão nas empresas estatais é perfeitamente autorizada pela Carta Maior, para a contratação de funcionários com alto grau de especialização, e encontrando-se plenamente compatível com a inteligência do dispositivo em comento na sistemática da estruturação Constitucional das empresas públicas e sociedades de economia mista.
No entanto, os empregos em comissão obedecem, por analogia, as mesmas especificidades dos cargos em comissão no tocante à tipicidade das atribuições (direção, chefia e assessoramento), de serem providos por livre nomeação e exoneração e a existência do vínculo especial de confiança.
No que tange à exigência ou não de lei para a criação dos empregos comissionados, tal condição deve ser interpretada de forma a requerer a previsão da criação desses postos de trabalho por meio de ato ou procedimento administrativo disciplinado no próprio estatuto jurídico da empresa pública e da sociedade de economia mista, sendo esse o normativo hábil a disciplinar as questões administrativas referentes às contratações de funcionários.
Por fim, os Tribunais nacionais entendem de forma harmoniosa quanto à possibilidade da criação dos empregos em comissão nas empresas estatais, porém, ainda não há um posicionamento sedimentado quanto à necessidade de lei, permanecendo as decisões divergentes entre as Turmas da Corte Trabalhista brasileira.
No entanto, por se tratar de controvérsia intrinsecamente ligada às normas impostas na Constituição Federal, caberá ao Supremo Tribunal Federal dar a última palavra sobre o assunto.
Ante o exposto, conclui-se que a Carta Constitucional autoriza a criação do emprego público em comissão no âmbito das empresas estatais, desde que para as atribuições de direção, chefia e assessoramento, não sendo necessária lei em sentido formal para sua criação. Todavia, como bem salientado no mais recente julgado do TST, não se conferiu as empresas estatais “carta branca” para a contratação de empregados em comissão, devendo às mesmas obediência às hipóteses do artigo 37, inciso V e aos postulados da eficiência, da proporcionalidade e da moralidade.
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Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera - UNIDERP (2016)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Ana Carolina Mendonça. Análise doutrinária e jurisprudencial acerca da constitucionalidade do emprego público em comissão nas empresas públicas e sociedades de economia mista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47850/analise-doutrinaria-e-jurisprudencial-acerca-da-constitucionalidade-do-emprego-publico-em-comissao-nas-empresas-publicas-e-sociedades-de-economia-mista. Acesso em: 22 nov 2024.
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