RESUMO: O estudo que se propõe parte da análise de duas premissas centrais: a) a competência fiscalizatória do Poder Legislativo, exercida pelo Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, como atividade típica e central, conforme dispõe o art. 74 da Carta Magna; b) e de tema intrinsecamente ligado à supervisão dos atos do Poder Executivo: a figura dos Tribunais de Contas, sua participação na estrutura orgânica do Poder, suas diversas funções elencadas no texto constitucional e jurisprudências coletadas para tratar de suas competências, bem como em que consiste, conforme determina a Carta Magna, o controle exercido em conjunto com o Congresso Nacional e suas reflexões em âmbito estadual e municipal.
PALAVRAS-CHAVE: Competências. Tribunal de Contas. Jurisprudência.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 As competências constitucionais do Tribunal de Contas 3 A jurisprudência e a Corte de Contas: ampliação de prerrogativas institucionais 4 Considerações Finais 5 Referências Bibliográficas
1 INTRODUÇÃO
O Tribunal de Contas possui papel proeminente na fiscalização da Administração Pública, tendo em vista prerrogativas atribuídas pela Carta Magna e a ampliação constante de suas funções através da jurisprudência pátria. O caráter técnico de suas decisões o torna forte aliado no controle administrativo e na concretização de princípios pilares do Estado Democrático de Direito, entre os quais, a transparência e a responsabilidade na gestão pública.
Partindo de premissa constitucional, a atuação da Administração Pública, em especial quanto a atos administrativos que utilizem recursos públicos, sofre fiscalização direta do Poder Legislativo auxiliado pelo Tribunal de Contas, conforme determina o art. 70 e 71 da Constituição Federal.
Toma-se como objetivo central da presente pesquisa esmiuçar a matéria acerca do controle da Administração Pública, explicitando a natureza jurídica de atos administrativos e as diversas espécies de atuação Tribunal de Contas no controle da função administrativa, balizada por comandos normativos constitucionais e as diversas interpretações jurídicas sobre a matéria em análise.
2 AS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DE CONTAS
Interessantíssimo iniciar com as lições do professor LIMA (2015, pág. 33), no sentido que no próprio conceito de democracia e de república (entendida como a administração coletiva da coisa pública) insere-se a noção de fiscalização e de controle externo (exercido por um órgão externo). Sendo assim, conforme ensina o mestre:
Não existe democracia sem controle. Na democracia, todo governante, gestor público, parlamentar, magistrado, enfim, todo agente detentor de parcela do poder estatal tem sua atividade sujeita a múltiplos controles. A organização do estado democrático prevê inúmeros mecanismos mediante os quais o poder é controlado e a atuação de seus titulares é limitada. Ao longo de nosso estudo, examinaremos as diversas formas pelas quais é exercido esse controle, especialmente o controle externo. Por ora, fixemos a ideia de que o controle externo é essencial à vida democrática.
Destaca-se, em um primeiro momento, que todos os Poderes, baseados no princípio da hierarquia, da disciplina e da autotutela, detêm o poder-dever de exerce o controle interno sobre os seus atos e de seus subordinados. Não seria diferente com o Poder Legislativo. Entretanto, a Carta Política é clara ao prever que compete a este, auxiliado pelo Tribunal de Contas de exercer o controle externo das demais funções estatais, através da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional de cada ente político e de suas respectivas estruturas administrativas (Direta e Indireta), tendo como parâmetros de controle a legitimidade, legalidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas (conforme art. 70 da Constituição Federal).
O sistema de atuação conjunta entre o Congresso Nacional e o Tribunal de Contas da União é parametrizado aos demais entes, havendo um Tribunal de Contas do Estado que exercerá suas atividades em conjunto com o Estado respectivo e seus Municípios. Há previsão expressa de que a partir da ciência de uma autoridade estatal sobre a malversação do patrimônio público cria-se a obrigação legal de notificação à Corte de Contas, sob pena de responsabilidade solidária entre o agente e o infrator.
O controle sobre a utilização do patrimônio público, entretanto, não se encontra adstrita aos agentes públicos, estando sujeitos particulares que recebem parcelas das referidas receitas (in casu, explanou-se sobre as atividades paraestatais – organizações sociais, entre outras, que recebem verbas públicas e encontram-se fiscalizadas, quanto a tais parcelas, pelas Cortes de Contas respectivas.
Nas lições do professor TAVARES (2012, págs. 1247 e 1248), o surgimento de um fiscal financeiro é tão antigo quanto à própria noção de finanças públicas, encontrando seus primeiros registros históricos na Síria, Babilônia e Egito. Mas explana o ilustre doutrinador que foi na Antiguidade Clássica, em especial Grécia e Roma, que se desenvolveram os pilares do que se entende hoje por “fiscal da Fazenda Pública”. Tratando do ordenamento jurídico brasileiro, pode-se elencar o Decreto N.º 966-A, de 7 de novembro de 1890, como o comando normativo apto a introduzir a figura do Tribunal de Contas na Constituição da Primeira República.
A atividade primária do fiscal é de verificar a regularidade de atividades, sendo assim, nas palavras do ilustríssimo mestre:
Os tribunais de contas, como controladores, são necessariamente órgãos direcionados à verificação da compatibilidade entre certa atividade e as regras às quais há de se submeter esta atividade ... Há pelo menos três elementos que podem estar presentes na ideia de fiscalização: i) capacidade de obter informações; ii) procedimento específico do órgão, pelo qual chega a um pronunciamento (“julgamento”) sobre a legitimidade/compatibilidade da atividade objeto de análise; e iii) eventual execução da decisão, com eliminação das irregularidades ou aplicação de sanções.
No artigo científico de Jarbas Maranhão (disponibilizado em http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/175976/000464801.pdf?sequence=1), o deputado elenca como fonte do atual modelo de Tribunal de Contas o criado na França, à época de Napoleão, especificamente em 16 de dezembro de 1807, visto que a referida figura história teria realizado pronunciamento, insculpido nos Invalides, de que através de “uma vigilância ativa seja punida a infidelidade e garantido o emprego legal dos dinheiros públicos”. O autor prossegue seu detalhamento histórico elencado a criação da Corte de Contas em 1820, na Holanda, e depois, em 1831, na Constituição Belga, bem como na Itália, em 1862.
Os Tribunais de Contas tiveram, a partir de então, forte influência nos demais países, podendo-se elencar a divisão entre: modelo francês, italiano e o belga, conforme aludido autor. Define-se aquele como o controle posterior ao implemento de verbas públicas, ao passo que nesse existe o exame antecedente às despesas tendo como resultado a vedação absoluta, intransponível pelo chefe do executivo ou do legislativo, por fim, no belga, ocorre o exame prévia com veto relativo, passível de modificação. O belga, no entendimento do autor, seria o mais eficiente, tendo em vista que o modelo francês não é apto a impedir as ilegalidades e o italiano traz o prejuízo de emperrar a Administração Pública.
Aborda MARANHÃO, em consonância com o professor TAVARES, que foi através do Decreto N.º 966-A, de 7 de novembro de 1890 que se inaugurou a Cortes de Contas no ordenamento jurídico brasileiro. Em um primeiro momento, houve a adoção do modelo belga, afirmando expressamente o objetivo de examinar, revisar e julgar atos que importassem em previsão de receita ou fixação de despesa. Em um segundo momento, através do Regulamento N.º 1.166, de 17 de dezembro de 1892, percebe-se o alinhamento ao método italiano, visto que imbuía a Core de Contas de exercer o exame prévio e o veto absoluto sobre as matérias em exame. Alerta MARANHÃO que o regulamento ultrapassou, e muito, as competências instituídas na seara constitucional, haja vista que atribuía verdadeira “jurisdição” à Corte Contas ao prever que o julgamento dos responsáveis do dinheiro público teriam força de sentença, caracterizando uma jurisdição contenciosa e graciosa.
Esclarece-se ao leitor que, não obstante este lapso temporal, o Tribunal de Contas não se enquadra no conceito de órgão integrante do Poder Judiciário, não tendo suas decisões caráter de definitividade e imperatividade como a coisa julgada. O que se pode afirmar é que há uma preclusão administrativa para tratar da matéria, mas tal instituto não invalida o caráter obrigatório e inafastável da atuação do Judiciário.
Na Constituição de 1946 encontra-se o auge – apesar de padecer de extrema confusão entre os aplicadores do direito – das Cortes de Contas, visto que se previu a mescla de todos os modelos clássicos (francês, italiano e belga) ao se prever exames prévios e posteriores, vetos absolutos ou relativos – a depender da matéria.
A atual Carta Magna possui elementos extremamente ecléticos, configurando-se ora com os do modelo belga, ora com os do italiano e ora com os do francês. Destaca-se questão antiga acerca da sustação por ilegalidade em contratos (a ser decidido pelo Congresso Nacional), sobre atos (que podem ser sustados pela própria Corte de Contas). A composição focalizada na auditoria da gestão orçamentária, financeira e patrimonial, não se limita ao conceito de legalidade e de legitimidade, mas averigua, num juízo de proporcionalidade, a economicidade dos atos públicos. Ou seja, fiscalização pautada em um modelo de resultado em termos de crescimento econômico.
Destaca-se que a Corte de Contas, em um primeiro momento, seria constituída por cada um dos entes (Municípios, Estados e União), contudo, adequações foram necessárias para se entender que haveria apenas o Tribunal de Contas de âmbito federal e estadual, tendo este competência sobre os municípios. Contudo, respeitou-se os Tribunais de Contas já existentes, entre os quais, o de São Paulo.
Verifica-se, portanto, que no mister de fiscalizar a atuação do Poder executivo, conforme determina o art.70 da Constituição Federal, o Congresso Nacional possui um aliado extremamente importante o Tribunal de Contas.
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
A respeito da temática, as disposições do Tribunal de Contas se encontram na Carta vigente no Título IV – Da organização dos Poderes, dentro Capítulo I – Do Poder Legislativo, e, especificamente, na Seção IX – Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária. A forma como a Corte de Contas foi disposta no texto constitucional esclarece o intento do legislador originário em privilegiar o controle externo a ser exercido. Conforme preleciona LIMA (2015, pág. 61), o controle externo não se encontra dentro da Organização do Estado, nem no capítulo atinente à Administração Pública, tão pouco no que concerne às Finanças Públicas, haja vista que o legislador constituinte entendeu que as funções e prerrogativas do Tribunal de Contas seria, essências para promover o equilíbrio e harmonia entre os poderes na organização do Estado de Direito. Destaca-se o posicionamento do aludido doutrinador:
Sua vinculação ao Poder Legislativo corresponde à tradicional e nobre missão do Parlamento de fiscalizar o bom emprego, pelo Executivo, dos recursos oriundos da sociedade. Como visto no capítulo anterior, na maioria dos países as instituições de controle externo encontram-se ligadas ao Legislativo, e no Brasil tal opção remonta à primeira Constituição Republicana. Sublinhe-se, contudo, o fato de nosso tema de estudo constar de uma Seção própria dentro do Capítulo dedicado ao Poder Legislativo; não constituindo uma subseção dos tópicos dedicados ao Congresso Nacional, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. Assim, a própria organização do texto constitucional indica que o Tribunal de Contas da União, órgão técnico que auxilia o Congresso Nacional na função do controle externo, não lhe é subordinado, constituindo, conforme a doutrina de Diogo de Figueiredo Moreira Neto e do Ministro Ayres Brito, um “órgão constitucional autônomo”.
Duas são as instituições básicas da Corte de Contas: verificar a correta aplicação dos recursos públicos e reduzir as prerrogativas do Poder Executivo. Devido a existência do Estado Democrático de Direito, indispensável que a estipulação de limites à atuação do governante, em especial na fixação, por parte do Poder Legislativo, de diretrizes políticas a serem seguidas pelo Poder Executivo. Na seara de fiscalização, o Tribunal de Contas é essencial para prestar o auxílio ao Poder Legislativo no cumprimento de tal mister.
Portanto, verifica-se que sua função primária é auxiliar o legislativo na verificação da regularidade na aplicação de receitas públicas, fazendo um juízo estritamente técnico sobre a composição dos gastos públicos.
Essencial destacar ab initio a esfera de competência sobre as verbas públicas sujeitas à fiscalização da Corte de Contas. Conforme preleciona o doutrinador CARVALHO FILHO (2014, páginas 1023 e 1024), a expressão se dá em sentindo amplo, apesar de divergências no Supremo Tribunal Federal, significando qualquer repasse oriundo dos entes da Administração Pública direta ou indireta, quanto a autarquias e fundações públicas, a agentes públicos ou particulares com o fim de atender o interesse público (seja primário ou secundário), conforme se depreende de trecho colacionado:
É de considerar-se, porém, como dinheiros públicos aqueles que integram o acervo das pessoas de direito público (entes federativos, autarquias e fundações de direito público). Da mesma natureza deve ser considerado o montante derivado do pagamento de contribuições ou pagamentos compulsórios efetuados por administrados, ainda que os destinatários sejam pessoas de direito privado, integrantes da Administração ou não. É o caso, para exemplificar dos recursos oriundos de contribuições parafiscais. Por fim, é dinheiro público aquele transferido por ente público a qualquer outra pessoa, de direito público ou privado, para emprego em finalidades específicas. Como exemplo, a alocação de recursos a ente privado para utilização em seus fins institucionais. Todos esses valores sujeitam-se à prestação de contas e à apreciação pelo Tribunal de Contas.
O Tribunal de Contas da União, na atualidade, é composto por 9 (nove) ministros, tendo sede no Distrito Federal e competência julgadora sobre todo o território nacional. Conforme explana LENZA (2013, pág. 666), figura-se incorreta a terminologia “jurisdição” encontrada no art. 73 da Carta Magna, haja vista que a Corte de Contas se caracteriza como órgão técnico que, apesar de emitir pareceres e julgar contas públicas, não abrange a característica fundamental do termo de “definitividade de decisão”, ou coisa julgada propriamente dita.
3 A JURISPRUDÊNCIA E A CORTE DE CONTAS: AMPLIAÇÃO DE PRERROGATIVAS INSTITUCIONAIS
Explana-se que quanto à sua diretriz de auxiliar no controle externo dos poderes, suas decisões têm caráter meramente administrativo, podendo ser plenamente rejeitas pelo Legislativo (ainda que haja divergência quando à forma em que se dará a rejeição, conforme será explanado abaixo).
Em relação às suas demais atribuições previstas no art. 71, da Carta Magnas, evidencia-se, também o caráter administrativo de seus julgamentos, não havendo uma fixação concreta do direito que não possa ser reanalisada pelo Judiciário. Em verdade, a pretensão resistida, característica principal do conceito de lide, não encontra um julgamento definitivo na Corte de Contas. Tal fato, entretanto, não afasta, na maioria das situações a necessidade de conceder o contraditório e ampla defesa (princípio fundamental do devido processo legal) aos administrados, conforme Súmula Vinculante 3, abaixo colacionada.
Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
Outro ponto de destaque é que o Tribunal de Contas, apesar de não exerce a pacificação social definitiva do Judiciário (não se integrando entre seus órgãos), possui a prerrogativa, conforme determina a Súmula 347 do Pretório Excelso de interpretar a constitucionalidade de atos normativos. Ressalta-se que tal previsão advém de um período em que os legitimados para propor ações de inconstitucionalidade eram restritíssimos, à época apenas o Procurador-Geral da República. Sendo assim, surge a Súmula, in verbis, com o fim de atenuar o rigor excessivo do lapso pretérito. Atualmente, inúmeros doutrinadores se impõe contra a referida previsão, entendendo que por se tratar de órgão técnico, administrativo, não poderia, ainda que incidentalmente, declarar a (in)constitucionalidade das normas, sob pena de violação da separação dos poderes.
O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.
Preleciona CARVALHO FILHO (2014, pág. 1024) que não existe surpresa quanto a esta prerrogativa, haja vista que os demais poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) possuem a competência de resguardar a incolumidade do texto constitucional. Com a devida vênia, considera-se de toda acertada a doutrina no grande professor, haja vista que, conforme explanado, o Tribunal de Contas é órgão técnico, voltado ao juízo de legalidade, legitimidade e economicidade, ou seja, parâmetros objetivos de avaliação de atos concretos. Interpretar de maneira ampliativa é permitir uma nova visão sobre a temática, adotando conceitos e intepretações jurídicas, quanto à matéria fiscal, que não seriam possíveis de outra forma, dada a sua extrema tecnicidade.
Nas lições de LENZA (2013, pág. 669), figura-se possível a utilização da chamada cláusula de reserva de plenário para estas decisões que analisem a constitucionalidade dos referidos atos normativos, conforme se depreende do extrato a seguir:
Estamos diante, portanto, de exemplo de controle de constitucionalidade posterior ou repressivo não jurisdicional, fugindo ao direito brasileiro que adotou a regra do judicial review. Parece ser razoável exigir o cumprimento da regra contida no art. 97, CF/88, que trata da denominada cláusula de reserva de plenário, segundo a qual somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgãos especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
O presente estudante, contudo, filia-se à corrente de interpretação extensiva da Constituição, conforme lições do professor Peter Häberle, em sua obra a sociedade aberta de intérpretes da constituição, haja vista que uma pluralidade de entendimentos, ainda que tenham como vetor final um órgão constituído e definitivo – no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal – as múltiplas interpretações sobre um mesmo fato, vislumbradas de pontos de vistas e paradigmas diferentes, servem apenas para enriquecer os estudos e os conhecimentos sobre o tema, não implicando em redução ou desmoralização da higidez do texto constitucional.
Interessante destacar, e este é ponto importantíssimo do presente trabalho, que a Corte de Contas tem uma posição única no ordenamento jurídico brasileiro: não se encontra vinculada hierarquicamente a nenhum a função estatal (tal como o Ministério Público e a Defensoria Pública). Não está inserido na estrutura do Judiciário, e não possui suas decisões ligadas ao entendimento do Legislativo, podendo cumprir seu comando constitucional de fiscalização do Poder Executivo.
Em verdade, este modelo tem como principal objetivo e diretriz a imparcialidade do Tribunal de Contas, determinando uma série de prerrogativas que possibilitem aos seus membros exercer o controle de forma mais técnica e apurada possível. Esta configuração de um “quinto” poder (sendo o Ministério Público entendido como “quarto” para parte da doutrina) somente é possível por ser decorrente do Poder Constituinte Originário, sendo este sua validade e fundamento.
Pode-se citar como prerrogativas de sua liberdade institucional a autonomia, o autogoverno e a iniciativa reservada para alterar sua organização.
As atribuições do Tribunal de Contas da União se encontram prevista no art. 71 da Carta Magna, havendo norma expressa no art. 75 de que os Tribunais de Contas Estaduais seguirão as mesmas regras prevista nesta seção, ou seja, são regras que, havendo compatibilidade, foram elencadas como de reprodução obrigatória pelo constituinte.
Duas competências são essenciais para o objeto do presente estudo: as previstas nos incisos I e II, do artigo em comento, in verbis:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
A primeira competência é de exerce um controle técnico, baseado na legalidade, legitimidade e economicidade, sobre as contas de governo, ou seja, o complexo a utilização de verbas públicas para consecução de ações e diretrizes previstas nas leis orçamentárias. A Corte de Contas, em resultado à referida avaliação, elaborará um parecer acerca dos gastos efetuados que será apreciado pelo Congresso Nacional. Ao passo que a Corte de Conta emite um parecer técnico, o Congresso analisará sob um prisma, além de compatibilidade legal, também de adequação política, julgando por critérios como o de governabilidade.
A rejeição do parecer elaborado pelo Tribunal de Contas da União é plenamente possível, não havendo qualquer ilegalidade no feito, conforme art. 49, inciso IX, da Carta Magna, abaixo colacionado:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;
Tal característica decorre justamente de dois fatores: i) modelo de separação de poderes, tendo instrumento os freios e contrapesos, em que cabe ao Legislativo, como máximo representante do titular de todo o poder – o povo, tendo em vista sua legitimidade proveniente de processo eleitoral, analisar a validade política (critérios imateriais de julgamento decorrentes das aspirações populares) sobre o comando da máquina pública quanto à utilização do erário popular; ii) no âmbito federal prepondera muito mais um juízo de conveniência política do que na seara estadual ou municipal, haja vista que o Chefe do Executivo não representa apenas a União, mas também toda a República Federativa do Brasil, quanto a sua soberania frente aos demais agentes internacionais.
Ponto interessantíssimo de análise do referido inciso é o que CARVALHO FILHO (2014, pág. 1023), denomina de “controle sobre entidades administrativas vinculadas a entes federativos diversos”, neste caso específico o doutrinador elenca julgado, abaixo colacionado, em que se depreende a posição do Supremo Tribunal Federal no sentido que exacerba a competência do Tribunal de Contas da União a análise das contas de entidade vinculada aos demais entes da federação, ainda que haja participação minoritária da União em sua composição. Importante tratar essa diferença já no início da presente matéria: existe o Tribunal de Contas da União, cuja competência é o julgamento de verbas federais, e o Tribunal de Contas do Estado, que tem competência sobre Estados e Municípios.
1. TERRACAP. 2. Determinação de Tomada de Contas Especial pelo Tribunal de Contas da União. Suposta "grilagem" de terras. 3. Ato de decretação da indisponibilidade dos bens de dirigentes da TERRACAP. 4. Preliminar de decadência rejeitada. 5. Incompetência do TCU para a fiscalização da TERRACAP. Sociedade de economia mista sob controle acionário de ente da federação distinto da União. 6. Ordem deferida..(STF - MS: 24423 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 10/09/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-035 DIVULG 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009 EMENT VOL-02349-05 PP-01060)
Quanto ao envio de verbas federais aos Estados e Municípios, há que se perquirir se houve a integralização ao patrimônio do referido ente, para se avaliar a competência da Corte Federal no caso. Haja vista que se houver a integralização total, não havendo dever de prestação de contas à União, resta inviabilizada a competência do Tribunal de Contas da União.
O segundo ponto abordado acima merece o adendo de que no âmbito municipal o parecer do Tribunal de Contas só poderá ser rejeitado por dois terços dos integrantes da Casa Legislativa, conforme aduz o art. 31, §2º, da Constituição Federal, abaixo. O fenômeno ocorre justamente pelo excessivo caráter de representatividade dos demais chefes do Executivo. Em âmbito municipal, tendo em vista a restrição, até mesmo quanto a limites geográficos, não há que se falar em repercussões em âmbito nacional ou internacional. Sendo assim, em regra, prevalece um juízo técnico, legal, das contas dos representantes do Poder.
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
Não padecendo de jurisdição, capacidade de tornar imutável suas decisões, abre-se oportunidade para os administrados ingressarem com ações judiciais. Nada mais correto, numa análise de valor (adotando-se a teoria do fato – valor – norma do digníssimo professor Miguel Reale, bem como a já abordada teoria da sociedade aberta dos intérpretes, de Peter Häberle), que a fiscalização da utilização de verbas públicas se dê sob um prisma objetivo, em critérios legais e legítimos, no âmbito municipal. Forçoso convir que no caso do Presidente da República é necessário observar a situação sob outros paradigmas, pois, visto sua representatividade em plano internacional, não seria sua responsabilização sem se avaliar critérios políticos.
Mas os prefeitos, em especial de pequenos municípios, deveriam perpassar por um controle de estrita legalidade, justamente para não se utilizarem de amarras locais (inviabilidade de competição como meio de favoritismo, por exemplo) para enquadrarem situações de desvios de finalidade, situação recorrente no Estado do Amazonas.
Assim sendo, o inciso II do já mencionado art. 71, prevê a competência da Corte de Contas para analisar e julgar os montantes públicos vertidos por todos os administradores e responsáveis. Repisa-se que o sujeito passivo desta fiscalização serão tanto agentes públicos quanto particulares.
Interessante anotar, já neste momento de análise, que o acórdão da Corte de Contas que resulte em imputação de débito, nos termos do art. 71, §3º, da Constituição Federal, tem eficácia de título executivo extrajudicial.
Existia celeuma, entretanto, quanto aos legitimados para propor a respectiva ação executiva, se o próprio Tribunal, o ente lesado ou a pessoa jurídica específica lesada. Explana CARVALHO FILHO (2014, págs. 1024 e 1025) que não haveria respaldo legal ou constitucional para se atribuir a legitimidade para a própria Corte de Contas, haja vista que se trata de órgão, despido, portanto, de personalidade jurídica e, em tese, capacidade processual – exceto em situações excepcionalíssimas previstas na legislação e na jurisprudência. Destaca-se, à oportunidade, que tanto o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça posicionam-se no sentido de que somente o ente lesado pode executar a referida decisão, não sendo possível o ajuizamento pelo Ministério Público ou Corte de Contas, nos termos de jurisprudência exemplificativa colacionada abaixo.
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário o qual impugna acórdão que reconheceu a ilegitimidade da Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais para promover a execução de multa aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado.No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, aponta-se violação ao artigo 71, § 3º, do Texto Constitucional.O acórdão recorrido assentou que“a cominação decorreu de irregularidades na realização de licitações para a aquisição de bens e serviços para a Prefeitura Municipal de Águas Vermelhas, sendo essa a pessoa jurídica prejudicada pela atuação e, consequentemente, legitimada a mover a execução para receber o valor da multa.” (fl. 90) O requerente alega que o Estado é parte legitima para executar as multas impostas pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, uma vez que se trata de multa cominada no exercício do poder de polícia desse órgão estatal.Decido.Não assiste razão ao agravante.Na espécie, a decisão agravada consignou que o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que somente o ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas pode propor a ação de cobrança.A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a competência para executar multa imposta pelo Tribunal de Contas Estadual a responsáveis por irregularidade no uso de bens públicos é do ente prejudicado. Portanto, esse Tribunal na é parte legítima para propor a ação de cobrança, seja diretamente ou por meio do Ministério Público.Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgado:“ RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SERGIPE. COMPETÊNCIA PARA EXECUTAR SUAS PRÓPRIAS DECISÕES: IMPOSSIBILIDADE. NORMA PERMISSIVA CONTIDA NA CARTA ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. As decisoes das Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo (CF, artigo 71, § 3º). Não podem, contudo, ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua perante ele. Ausência de titularidade, legitimidade e interesse imediato e concreto. 2. A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente. 3. Norma inserida na Constituição do Estado de Sergipe, que permite ao Tribunal de Contas local executar suas próprias decisões (CE, artigo 68, XI). Competência não contemplada no modelo federal. Declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, por violação ao princípio da simetria (CF, artigo 75). Recurso extraordinário não conhecido. (RE 223.037, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJe 2.08.2002)“ AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO ACRE. IRREGULARIDADES NO USO DE BENS PÚBLICOS. CONDENAÇÃO PATRIMONIAL. COBRANÇA. COMPETÊNCIA. ENTE PÚBLICO BENEFICIÁRIO DA CONDENAÇÃO. 1. Em caso de multa imposta por Tribunal de Contas Estadual a responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos, a ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação do TC. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE-AgR 510.034, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 14.08.2008) Ante o exposto, nego provimento ao recurso (arts. 21, § 1º, do RISTF). Publique-se. Brasília, 19 de novembro de 2010.Ministro GILMAR MENDES RelatorDocumento assinado digitalmente. (STF - AI: 826676, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 19/11/2010, Data de Publicação: DJe-226 DIVULG 24/11/2010 PUBLIC 25/11/2010)
Por fim, finalizar o presente estudo tratando de assunto deveres pertinentes, em especial na competência julgadora decorrente do art. 71, II, da Carta Magna quanto à possibilidade do Tribunal de Contas, dentro de sua atribuição de fiscalizador da Administração Pública, proferir decisões cautelares, visando à suspensão ou concessão de determinada medida temporária, a ser confirmada a posteriori, visando ao resguardo do interesse público. A temática ganha especial atenção quando se considera que em Municípios menores, em que o prefeito possui a dupla competência de ordenar despesas e gerir as contas de governos, a interrupção imediata de um determinado ato lesivo ao patrimônio público é essencial para o resguardo do patrimônio público.
No direito administrativo atual prevalece o princípio da legalidade, só sendo possível que os órgãos e entidades públicas atuem conforme prerrogativas previstas nos atos normativos. Entretanto, ainda que seja esta a regra na competência (requisito do ato administrativo) para a prática de atos, é possível analisar as exceções sob dois primas essenciais:
i) a teoria dos poderes implícitos, capitaneada pelo Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades (cita-se como exemplo a decisão proferida nos autos do MS 33.092, rel. min. Gilmar Mendes, j. 24-3-2015, 2ª T, DJE de 17-8-2015), em que se vislumbre que quando o legislador defere a competência para a edição de um determinado ato, implicitamente concede as prerrogativas inerentes à concretização integral deste, sendo plenamente possível que a Corte de Contas adote todas as medidas necessárias ao cumprimento de seus deveres funcionais, inclusive concessão de medidas acautelatórias;
ii) a evolução do conceito de estrita legalidade, conforme preleciona doutrinadores como Gustavo Binenbojm, em que a Administração deve-se pautar não apenas pelas leis vigentes, mas sim em todo o complexo do ordenamento jurídico para que possa atuar conforme diretrizes necessárias para o resguardo de todo o sistema. Sendo assim, a competência para edição de atos seria vista num aspecto amplo, destinado à preservação de um conjunto de sistemas e regras não limitadas à lei formal, mas aos inúmeros princípios e diretrizes espalhados por todo o sistema.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao tratar sobre o controle da Administração Pública a cargo dos Tribunais de Contas, importante revisitar conceitos básicos de índole constitucional a respeito da separação dos poderes, da teoria dos check and balances e, em especial, detalhar sistematicamente as prerrogativas instituídas pela Carta Magna a respeito da função de supervisão exercida pelos poderes, seja em âmbito interno ou externo.
Mostra-se fundamental o ônus exercido pelas Cortes de Contas, em decorrência de seu caráter técnico e imparcial, para a correta verificação de comandos públicos, tendo em vista que até mesmo atos políticos sofrem fiscalização quanto ao critérios de legitimidade, legalidade, economicidade, entre outros. A referida Corte, portanto, possui atuação ímpar no sistema de poder ao proceder com acurácia técnica no julgamento das contas públicas.
A presente pesquisa objetivou traçar as características fundamentais de tais prerrogativas e demonstrar, conforme farta jurisprudência colacionada, a ampliação de tais competências pelos Tribunais Superiores. Inegável, portanto, que para o aperfeiçoamento do modelo República (res publica, ou coisa pública) é necessária a transparência aferida pela tecnicidade dos Tribunais de Contas.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL, Supremo Tribunal Federal – AI: 826676, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 19/11/2010, Data de Publicação: DJe-226 DIVULG 24/11/2010 PUBLIC 25/11/2010
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27.ª Edição. São Paulo. Atlas. 2014.
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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10.ª Edição. São Paulo. Saraiva. 2012.
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/175976/000464801.pdf?sequence=1
Procurador autárquico da Manaus Previdência. Graduado em Direto pela Universidade Federal do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GERALDO UCHôA DE AMORIM JúNIOR, . Breves considerações sobre as prerrogativas do Tribunal de Contas na fiscalização da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50296/breves-consideracoes-sobre-as-prerrogativas-do-tribunal-de-contas-na-fiscalizacao-da-administracao-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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