RESUMO: Este artigo visa explicar a controvérsia sobre a natureza da responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas.
Palavras-chave: Responsabilidade do Estado; Responsabilidade extracontratual; Condutas omissivas.
ABSTRACT: This article aims to explain the controversy about the nature of the State civil responsibility for omissive conducts.
Key-words: State responsibility; Non-contractual responsibility; Omissive conducts.
Sumário: 1. Introdução. 2. Espécies de responsabilidade estatal. 3. Evolução histórica da responsabilização civil estatal. 4. Pressupostos da responsabilidade civil do Estado. 4.1 Conduta do agente estatal. 4.2 Dano indenizável. 4.3 Nexo de causalidade. 5. A celeuma em torno da responsabilidade civil estatal por omissão. 6. Conclusão.
1 Introdução.
A responsabilidade civil ou extracontratual estatal relaciona-se ao dever que o Estado tem de indenizar terceiros pelos danos causados por ações ou omissões de seus agentes.
É a responsabilidade que incide, por exemplo, nas hipóteses de danos causados pelo atropelamento por um veículo oficial, por um buraco em uma via pública mal conservada, pela morte de detento em estabelecimento prisional etc.
Sem sombra de dúvidas, a questão mais polêmica envolvendo o tema refere-se à natureza da responsabilidade por omissão estatal: segue a regra da responsabilidade objetiva ou demanda a comprovação de dolo ou da culpa do agente público (responsabilidade subjetiva)?
Entretanto, antes de adentrar nessa celeuma, convém conhecer, brevemente, as espécies de responsabilidade estatal, a evolução das teorias acerca da responsabilidade extracontratual do Estado e os pressupostos para a sua incidência.
2 Espécies de responsabilidade estatal.
O Estado pode ser responsabilizado tanto por ilícitos contratuais, quanto pelos atos e omissões extracontratuais, nos quais não há contrato ou vínculo prévio com o prejudicado.
A responsabilidade estatal por descumprimento de cláusulas contratuais é regulamentada por lei especial, qual seja, a Lei nº 8.666/93, e tem por objetivo a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, quebrado por ato ou omissão do contratante público.
Fora do âmbito das relações contratuais, a responsabilidade do Estado é regida pelo artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, e, ao contrário do que ocorre no direito privado, incide não só por atos ilícitos, mas, também, pelos que, embora lícitos, causem um ônus maior a um dos administrados dos que os suportados pelos demais[1].
É que, nesse caso, a responsabilidade fundamenta-se nos princípios da solidariedade e da igualdade dos ônus e encargos sociais.
Afinal, se todos se beneficiam com a atividade administrativa, não é justo que o indivíduo lesado pela atuação ou omissão estatal suporte os prejuízos sozinho, devendo, portanto, haver um compartilhamento solidário dos ônus financeiros por toda a sociedade, mediante a utilização de recursos financeiros do erário para o pagamento da indenização ao prejudicado[2].
Matheus Carvalho[3] aponta, ainda, outra espécie de responsabilidade da Administração Pública, a decorrente do sacrifício de um direito, como ocorre nas intervenções estatais na propriedade privada, em que há a restrição de um direito do particular em prol da realização de um interesse coletivo, acarretando ao prejudicado o direito ao ressarcimento.
3 Evolução histórica da responsabilização civil estatal.
Durante o Absolutismo, sequer se falava em responsabilidade estatal, pois o Estado era o próprio monarca, personificação da perfeição, e, consequentemente, jamais cometia erros (“the king can do no wrong” ou “o rei não pode errar”). Vigorava, portanto, a total irresponsabilidade do Estado.
Com o fim da era absolutista, passou-se a aceitar a responsabilização estatal com base no Direito Civil e foram desenvolvidas duas teorias para explicá-la: a teoria dos atos de império e dos atos de gestão e a teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva[4].
De acordo com a teoria dos atos de império e de gestão, a Administração Pública só poderia ser responsabilizada pelos atos de gestão, ou seja, aqueles praticados em situação de igualdade com os particulares e desde que demonstrada a culpa do agente estatal.
Contudo, quanto aos atos de império, aqueles impostos coercitivamente aos administrados, em uma relação vertical de supremacia, não haveria responsabilização, representando um evidente resquício da fase da irresponsabilidade absolutista.
Por outro lado, pela teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva, equiparava-se a responsabilidade da Administração Pública à dos particulares, nos moldes do Direito Privado. Dessa forma, o dever de indenizar os prejudicados demandava a comprovação do dolo ou da culpa do agente público.
Mais tarde, percebeu-se que as regras privatistas não serviam à responsabilização dos entes públicos, tendo em vista o regime peculiar a que estes eram submetidos, com prerrogativas e sujeições não extensíveis aos particulares.
O pontapé para essa mudança de paradigma foi dado pela jurisprudência francesa, pelo famoso caso Blanco.
Em 1873, a menina Agnès Blanco foi atropelada e morta por um vagonete da Cia. Nacional de Manufatura de Fumo. Seu pai, então, ajuizou uma ação indenizatória contra o Estado francês. Suscitado o conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a competência era deste último, tendo em vista que a responsabilidade estatal não poderia ser solvida à luz das regras civilistas, considerando as regras especiais a que se sujeitam os entes públicos[5].
A partir daí, foram desenvolvidas teorias publicistas para explicar a responsabilidade estatal, quais sejam: a teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa e a teoria do risco.
Para a teoria da culpa do serviço (faute du service), a responsabilidade da Administração Pública teria lugar desde que provada a culpa do serviço, isto é, que não houve a prestação do serviço público ou que ela foi deficiente. Tal teoria também foi conhecida por culpa anônima, por dispensar a identificação do agente público causador do dano e sua culpa, bastando a prova da falha do serviço.
Por sua vez, a teoria do risco fundamenta-se na ideia de que a atividade administrativa naturalmente envolve riscos, razão pela qual o Estado tem o dever de indenizar os prejuízos causados a terceiros de forma objetiva, ou seja, independentemente da constatação de dolo ou culpa de seus agentes.
Essa teoria bifurca-se na teoria do risco administrativo e na teoria do risco integral, que se diferenciam pelo fato de que a primeira admite causas excludentes (caso fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima ou de terceiro) e atenuante (culpa concorrente da vítima), ao passo que a segunda não aceita[6].
Desde a Constituição de 1946, a teoria do risco administrativo é a adotada, em regra, no Brasil.
Na Constituição Federal de 1988, a responsabilidade civil extracontratual do Estado é definida no seguinte artigo[7]:
Art. 37. (…)
§ 6º. As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Pelo dispositivo constitucional supra, nota-se a que a responsabilidade civil extracontratual do Estado abrange, também, a das pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos (fundações públicas de direito privado, empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias, permissionárias e autorizatárias), o que não inclui as empresas públicas e sociedades de economia mista que exploram atividade econômica, que responderão segundo as normas gerais do Direito Civil.
Importante destacar que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que a Administração Pública responde pelos danos causados por tabeliães e registradores no exercício de suas funções, à medida que estes são particulares que prestam um serviço público por delegação. A tese fixada em repercussão geral foi a seguinte:
O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa[8].
Convém observar que a teoria do risco integral aparece no ordenamento jurídico brasileiro em algumas hipóteses excepcionalíssimas, que são os casos de danos nucleares (artigo 21, XXIII, “d”, da Constituição Federal[9]) e os provocados por atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas nacionais no Brasil ou no exterior (artigo 1º, caput, da Lei nº 10.309/2001[10]).
4 Pressupostos da responsabilidade civil do Estado.
Para a incidência da responsabilização estatal por danos causados extracontratualmente, faz-se necessária a presença de certos pressupostos extraídos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, que, como visto, encampou a teoria do risco administrativo.
Como se trata de responsabilidade objetiva, dispensa-se a comprovação de dolo ou culpa do agente público. Assim, o lesado deverá demonstrar, apenas, a conduta do agente estatal, o dano causado e o nexo de causalidade entre eles.
4.1 Conduta do agente estatal.
Em primeiro lugar, deve haver uma conduta comissiva ou omissiva atribuída à Administração Pública ou à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público.
Essa conduta pode ser ilícita ou, mesmo, lícita, tendo em vista que, pelos princípios da isonomia e da solidariedade, haverá o dever de indenizar ainda que o comportamento do agente público não esteja em desconformidade com o ordenamento jurídico, desde que tenha gerado um ônus maior a um dos membros da sociedade do que aos demais.
Para Maria Sylvia Zanella di Pietro[11], somente se pode aceitar a responsabilidade objetiva do Estado por ato lícito, se este tiver causado um dano anormal e específico a determinadas pessoas, rompendo a igualdade de todos perante os encargos sociais.
Pense-se na construção de uma obra pública que, embora necessária e importante para melhorar o fluxo do trânsito em uma grande cidade, tenha causado a desvalorização dos imóveis no entorno, o que poderá ensejar aos proprietários o direito a uma indenização do ente público.
Nesse exemplo, não há antijuridicidade na conduta estatal, que, aliás, beneficiou, com certeza, um grande número de pessoas. Mas, ainda assim, por ter causado um dano anormal e específico aos donos de imóveis da região, que sofreram com o rebaixamento dos preços de seus bens, o Estado poderá ser responsabilizado civilmente.
No tocante ao agente público causador do dano, José dos Santos Carvalho Filho[12] observa que, mesmo que ele tenha atuado fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o Poder Público será responsabilizado, no mínimo, por culpa in eligendo, pela má escolha do agente, ou in vigilando, pela não fiscalização de sua conduta.
É imprescindível que o agente estatal aja nessa qualidade ou, ao menos, aparente ou demonstre agir sob essa condição, caso contrário, não existirá o nexo causal entre a conduta estatal, que é manifestada pelo agente público, e o prejuízo provocado a terceiro[13].
4. 2 Dano indenizável.
Outro pressuposto é o dano, que poderá ser patrimonial ou extrapatrimonial (moral ou estético).
O dano material corresponde ao prejuízo patrimonial sofrido e pode compor-se pelo dano emergente, que é aquilo que efetivamente se perdeu, e pelos lucros cessantes, ou seja, o lucro que deixou de se ganhar em virtude do evento lesivo.
O dano moral nada mais é que uma ofensa a direito da personalidade, como a imagem, a honra, o nome etc.
E o dano estético é a ofensa à beleza, à harmonia de formas do lesado, que gera repulsa ou desagrado. Segundo o Superior Tribunal de Justiça[14], é uma categoria autônoma em relação ao dano moral.
É perfeitamente possível pleitear-se, cumulativamente, todas essas espécies de dano, decorrentes de um mesmo fato. Ricardo Alexandre e João de Deus exemplificam:
(…) imaginemos que um taxista estava passeando de carro com seu filho, quando sofreu um acidente de trânsito provocado por veículo pertencente a um ente público. Em decorrência desse acidente, o taxista teve o carro destruído, perdeu uma das pernas e ainda seu filho veio a falecer. Nesse caso, a indenização que o Estado deverá ser obrigado a pagar compreenderá o valor do veículo (dano emergente), acrescido da quantia que o taxista deixou de auferir em razão dos dias que ficou sem trabalhar (lucro cessante), somado ao dano estético pela perda da perna e ao dano moral pelo sofrimento com a perda do filho[15].
Além da conduta do agente público e do dano, a responsabilização estatal demanda a comprovação de um terceiro pressuposto, que é o elo que une os dois primeiros e será tratado a seguir.
4.3 Nexo de causalidade.
O terceiro pressuposto ou elemento caracterizador da responsabilidade civil extracontratual do Estado é o nexo de causalidade que liga o dano causado à vítima e a conduta do agente estatal.
Justamente pela ausência desse elo de causalidade é que não haverá responsabilidade civil da Administração Pública nas hipóteses de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
É por isso que o ente público não responderá pelos prejuízos advindos de um deslizamento de encosta causado por escavações da própria vítima[16] (culpa exclusiva da vítima).
Quanto ao nexo causal, urge conhecer as três principais teorias sobre o tema.
Pela teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non, causa é todo evento antecedente que contribuiu ao dano.
Já para a teoria da causalidade adequada, somente é considerada causa aquilo que, por si só, foi apto a causar o dano.
Por fim, pela teoria da causalidade direta ou imediata (ou da interrupção do nexo causal ou da causalidade necessária), causa é o fato que se liga ao evento danoso de forma direta e imediata. É a teoria adotada no ordenamento jurídico brasileiro.
Por exemplo, uma pessoa é atropelada por um veículo oficial, mas é socorrida por um parente, que a leva ao hospital em seu veículo, que, por sua vez, colide com outro no meio do caminho, causando o óbito de ambos.
Nesse caso, pela teoria da causalidade direta ou imediata, o ente público não poderá ser responsabilizado pela morte da vítima atropelada pelo veículo oficial, pois esse evento não foi a causa direta e imediata do óbito[17].
5 A celeuma em torno da responsabilidade civil estatal por omissão.
Há uma grande controvérsia em torno da aplicação do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal nos casos de danos provocados por omissões do Poder Público, ou seja, se a responsabilidade estatal por omissão é objetiva ou subjetiva.
José dos Santos Carvalho Filho[18] entende que a responsabilidade civil da Administração Pública por conduta omissiva exige a presença dos elementos que caracterizam a culpa.
Isso porque, segundo o autor, o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, dispõe que a responsabilidade objetiva pressupõe menção expressa na norma legal e o artigo 37, § 6º, da Constituição, tampouco o artigo 43 do Código Civil mencionam os comportamentos omissivos do Estado.
Di Pietro[19] também defende a responsabilidade subjetiva em caso de omissões estatais, mas com presunção de culpa do Poder Público, de forma que o lesado não terá que provar a culpa ou o dolo, competindo ao Estado demonstrar que agiu com diligência e adotou todos os meios disponíveis para evitar o dano ou, então, que não agiu porque não lhe era razoável exigir uma atuação no caso específico.
Por outro lado, para Rafael Carvalho Rezende Oliveira, a responsabilidade do Poder Público por omissões juridicamente relevantes é objetiva, pois a Constituição, que consagra a teoria do risco administrativo, não faz diferenciação entre comportamentos comissivos e omissivos.
Porém, o autor pondera que só será possível essa responsabilização se ocorrer uma omissão específica, isto é, se o Estado tinha a possibilidade de prever e evitar o dano, mas nada fez. Tratando-se de omissões genéricas, “não há que se falar em responsabilidade estatal, sob pena de considerarmos o Estado segurador universal”[20].
No Superior Tribunal de Justiça, predomina o entendimento de que a responsabilidade estatal por omissão escapa à regra da teoria do risco administrativo e é subjetiva, cabendo ao ofendido o ônus de demonstrar a negligência no dever de atuar do Estado. Nesse sentido:
(…) A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos. (…).[21] (grifo nosso)
No entanto, em algumas situações excepcionais, como a de morte de detento em unidade prisional, o Tribunal da Cidadania considera incidir a regra da responsabilidade objetiva do Estado:
(…) O Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que a responsabilidade civil do Estado pela morte de detento em delegacia, presídio ou cadeia pública é objetiva, pois deve o Estado prestar vigilância e segurança aos presos sob sua custódia. (…)[22]
Já o Supremo Tribunal Federal parece ter consolidado o posicionamento de que o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiro tanto por ações quanto por omissões de seus agentes, tendo em vista que a Constituição Federal, no artigo 37, § 6º, não fez distinção quanto às condutas omissivas, não cabendo ao intérprete fazê-la.
(…) A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. (…)[23] (grifo nosso)
Mas, para a incidência da responsabilidade objetiva, o Pretório Excelso entende ser imprescindível que tenha ocorrido uma omissão específica, isto é, que seja demonstrado que a Administração tinha o dever de agir para impedir o dano, como uma espécie de garante.
(…) Para a imputação da responsabilidade à Administração Pública se faz necessário comprovar que houve uma omissão específica, ou seja, que tenha sido a ausência da atuação do Estado que criou a situação propícia para a produção do dano, quando tinha o dever de impedir sua ocorrência. No caso, restou configurado o nexo de causalidade entre a falta com o dever de manutenção e de conservação da via pública pelo Município para a situação lesiva, quando tinha o dever de agir para impedi-la. Responsabilidade objetiva da Administração Pública. (…) (grifo nosso)[24]
Por exemplo, pela omissão específica de não conservar as vias públicas e deixá-las seguras para o trânsito de veículos e pedestres, o ente público poderá ser responsabilizado objetivamente pelos danos de acidente de automóvel causado por um buraco na rodovia.
Outrossim, pela omissão específica de não manter os presídios em padrões mínimos de humanidade, conforme determina a Constituição e a Lei de Execução Penal, exsurgirá ao Estado “a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento”[25].
6 Conclusão.
Claramente, a questão mais controvertida sobre o tema responsabilidade civil do Estado, na atualidade, é a natureza da responsabilidade por condutas omissivas.
À evidência, a regra da responsabilidade objetiva, insculpida no artigo 37, § 6º, do texto constitucional, facilitaria a vida do lesado, uma vez que retira o ônus da prova do dolo ou da culpa do agente público causador do dano.
Porém, aparentemente, prevalece na doutrina o entendimento de que a responsabilidade por omissões do Poder Público tem natureza subjetiva, o que demanda do prejudicado a demonstração da negligência estatal, além dos demais pressupostos (a conduta do agente público, o dano e o nexo de causalidade).
Nas Cortes Superiores, a questão segue controvertida.
No Superior Tribunal de Justiça, predomina o posicionamento de que a responsabilidade por omissão é subjetiva, salvo em hipóteses excepcionais, como a da morte de custodiado em estabelecimento carcerário.
Já o Supremo Tribunal Federal vem firmando, nos últimos anos, a convicção de que se trata de responsabilidade objetiva, tal qual ocorre com a responsabilidade por condutas comissivas, pois, para o Pretório Excelso, onde a Constituição Federal não diferenciou, não cabe ao intérprete fazê-lo.
Espera-se que, com o tempo, haja uma uniformização, ao menos, do entendimento nos Tribunais Superiores, a fim de trazer uma maior segurança jurídica ao jurisdicionado.
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[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30ª edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2017. E-book. p. 673.
[2] ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo. 3ª edição revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2017. E-book. p.362.
[3] In Manual de direito administrativo. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada. Salvador: JusPODIVM, 2017. p. 350.
[4] ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Op. cit. p. 358.
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 675.
[6] ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Op. cit. p. 360.
[7] O Código Civil disciplinou o tema em conformidade com o texto constitucional: “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”
[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). RE nº 842.846/SC. Direito Administrativo. Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. Dano material. Atos e omissões danosas de notários e registradores. Tema 777. Atividade delegada. Responsabilidade civil do delegatário e do Estado EM DECORRÊNCIA DE DANOS CAUSADOS A TERCEIROS POR TABELIÃES E OFICIAIS DE REGISTRO NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. Serventias extrajudiciais. Art. 236, §1º, da Constituição da República. Responsabilidade objetiva do ESTADO PELOS ATOS DE TABELIÃES E REGISTRADORES OFICIAIS QUE, NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES, CAUSEM DANOS A TERCEIROS, ASSEGURADO O DIREITO DE REGRESSO CONTRA O RESPONSÁVEL NOS CASOS DE DOLO OU CULPA. Possibilidade. Recorrente: Estado de Santa Catarina. Recorrido: Sebastião Vargas. Amicus Curiae: Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG-BR e outros. Relator: Min. Luiz Fux, 27 fev. 2019. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28842846%2ENUME%2E+OU+842846%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/yygw9bn9. Acesso em: 5 nov. 2019.
[9] Art. 21. Compete à União: (…) XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: (…) d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.
[10] Art. 1º. Fica a União autorizada a assumir as responsabilidades civis perante terceiros no caso de danos a bens e pessoas no solo, provocados por atentados terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras no Brasil ou no exterior.
[11]Op. cit. p. 679.
[12] In Manual de direito administrativo. 31ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2017. E-book. p. 377.
[13] ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Op. cit. p. 363.
[14]Súmula nº 387: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”
[15]Op. cit. p. 368.
[16]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. p. 378.
[17] ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Op. cit. p. 365.
[18]Op. cit. p. 381.
[19]Op. cit. p. 683.
[20] In Curso de Direito Administrativo. 6ª edição, revista, atualizada e amplliada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. E-book. p. 820.
[21] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Primeira Turma). AgInt no AREsp nº 1249851/SP. Processual civil e administrativo, Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial. Responsabilidade civil do Estado. Ato omissivo. Responsabilidade subjetiva. Inexistência de nexo causal e culpa da Administração. Revisão. Impossibilidade. Súmula 7/STJ. Agravante: Denise Gomes. Agravado: Município de Santos. Relator: Min. Benedito Gonçalves, 20 set. 2018. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1249851&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 6 nov. 2019.
[22] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Segunda Turma). AgInt no AREsp nº 1.238.182/PE. Administrativo e Processual Civil. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial. Violação do art. 1.022 do CPC/2015. Inexistência. Responsabilidade civil do Estado. Morte de detento. Responsabilidade objetiva. Precedentes. Revisão do Valor da indenização. Incidência da Súmula 7 do STJ. Agravante: Estado de Pernambuco. Agravados: Josefa Agustinho da Silva e outro. Relator: Min. Og Fernandes, 11 set. 2018. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1238182&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em: 6 nov. 2019.
[23] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Segunda Turma). ARE nº 897.890 AgR/PR. Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Responsabilidade civil do Estado. Juiz de Paz. Remuneração. Ausência de regulamentação. Danos materiais. Elementos da responsabilidade civil estatal não demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. Agravante: Ricardo Mário Stefanoski. Agravado: Estado do Paraná. Relator: Min. Dias Toffoli, 22 set. 2015. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28897890%2ENUME%2E+OU+897890%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/yxu6agrc. Acesso em: 6 nov. 2019.
[24] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Primeira Turma). ARE nº 847.116 AgR/RJ. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Responsabilidade objetiva do Estado. Acidente em desnível em via pública. Danos morais e materiais. Verificação da ocorrência do nexo de causalidade. Reexame do conjunto fático-probatório já carreado aos autos. Impossibilidade. Incidência da Súmula nº 279/STF. Alegada ofensa ao princípio da separação dos poderes. Inovação recursal. Impossibilidade. Competência do Relator para o julgamento monocrático do feito. Precedente. Agravante: Município de Niterói. Agravada: Lydia Machado Vianna. Relator: Min. Luiz Fux, 24 fev. 2015. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28847116%2ENUME%2E+OU+847116%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/y35f5hqu. Acesso em: 6 nov. 2019.
[25] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). RE nº 580.252/MS. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão Geral. Constitucional. Responsabilidade civil do Estado. Art. 37, § 6º. 2. Violação a direitos fundamentais causadora de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários. Indenização. Cabimento. Recorrente: Anderson Nunes da Silva. Recorrido: Estado do Mato Grosso do Sul. Amicus Curiae: União. Relator: Min. Teori Zavascki
Relator para o Acórdão: Min. Gilmar Mendes, 16 fev. 2017 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28580252%2ENUME%2E+OU+580252%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/y4r9fpc9. Acesso em: 6 nov. 2019.
Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Aprovada nos concursos da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco e de analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ORTEGA, Andréia Aquiles Sipriano da Silva. A responsabilidade civil do Estado por omissão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2019, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53748/a-responsabilidade-civil-do-estado-por-omisso. Acesso em: 22 nov 2024.
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