ROGÉRIO SARAIVA XEREZ
(Orientador) [i]
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo geral realizar um estudo sobre a Teoria de Romeu e Julieta e sua possível aplicação no crime sexual de estupro contra adolescente, considerando o ordenamento jurídico brasileiro. Buscou-se ainda analisar os principais aspectos do crime de estupro e da teoria de Romeu e Julieta, para em seguida identificar a possibilidade ou não de aplicação da teoria no ordenamento jurídico, com base na literatura e jurisprudência, considerando os aspectos exigidos pela teoria e a ocorrência de estupro em idade vulnerável. Adotou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, através de uma abordagem de natureza qualitativa. Para tanto se iniciou o estudo com a apresentação das principais características crime de estupro de vulnerável, no ordenamento jurídico. Em seguida, desenvolveu-se um tópico sobre a Teoria Romeu e Julieta, abordando desde sua origem até os requisitos necessários para sua aplicação. Por fim, realizou-se a análise da possibilidade de aplicação da referida teoria no nosso ordenamento jurídico, com base na doutrina e jurisprudência. Concluiu-se que no momento não há a possibilidade de aplicação da exceção de Romeu e Julieta no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista recentes alterações legislativas e entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Teoria Romeu e Julieta. Estupro de Vulnerável. Ordenamento Jurídico.
ABSTRACT: This article aimed to study the Romeo and Juliet Theory and its possible application in the sexual crime of rape against adolescents, considering the Brazilian legal system. Its specific objectives are to know the main aspects of the theory of Romeo and Juliet, to identify the possibility of applying the theory in the legal system based on the understanding of the doctrine and jurisprudence, considering the aspects required by the theory and the occurrence of rape of vulnerable age. The chosen methodology was the bibliographic research; through a qualitative approach. The study began by presenting the main characteristics of the crime of rape of vulnerable in the legal system. Then, it developed a topic on Romeo and Juliet Theory, addressing from its origin to the requirements necessary for its application. Finally, we analyzed the possibility of applying this theory in our legal system, based on doctrine and jurisprudence. The conclusion was that now, there is no possibility of applying the exception of Romeo and Juliet in the homeland legal system, due to recent legislative changes and the understanding of the Superior Court of Justice.
Keywords: Romeo and Juliet Theory. Vulnerable rape. Legal system.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Estupro de vulnerável. 2.1. O estupro de vulnerável no ordenamento jurídico brasileiro. 2.1.1. Sujeitos do crime. 2.1.2. Elemento subjetivo do tipo.2.1.3. Qualificadoras. 3. Teoria Romeu e Julieta. 3.1. Origem. 3.2. Características.3.3. Aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. 4.Conclusão.Referências.
1INTRODUÇÃO
É tarefa complexa discutir a ocorrência de crime sexual consentido quando se trata de adolescente considerado como vulnerável, ou seja, menores de 14 anos de idade, em solo brasileiro. Deve ser lembrado que o artigo 217-A do Código Penal Brasileiro elenca como vulnerável, além desse caso, aquela pessoa que possui enfermidade ou deficiência mental e, por isso, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, tipificando a conduta do agressor como estupro de vulnerável.
No entanto, o foco do presente estudo está voltado para o estupro de vulnerável tendo como vítima a criança ou adolescente, principalmente, porque há estampada no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação que trata de modo específico o tema. Neste sentido estabelece, a Lei nº 12.015/09, que alterou o Título VI do Código Penal (CP), como bem jurídico em seu art.217-A, caput, a pessoa do menor de 14 anos, no caso de estupro, tratando-o como de vulnerável.
Desde já, é importante destacar, que ao menor de 14 anos deve ser dada as garantias e os direitos que a ele são necessários para alcançar a maioridade sem os riscos que a idade o coloca, diante das possíveis ocorrências de libidinagem ou ato de conjunção carnal que caracterizem qualquer crime sexual. E não há qualquer dúvida que deva ser assim.
Por outro lado, merece atenção o argumento de que o caráter criminoso da conduta do estupro de vulnerável, pode ser flexibilizado e mesmo afastado quando houver circunstâncias, como as que, a vítima já possua experiência sexual, tenha consentido o ato sexual, ou ainda, que seu parceiro tenha pouca diferença de idade, e tenha com ele relacionamento amoroso.
Diante do preposto é que se questiona a possibilidade de trazer ao contexto jurídico atual a Teoria de Exceção de Romeu e Julieta. Teoria essa, inspirada na célebre obra “Romeu e Julieta” de Willian Shakespeare, que resumidamente, defende a tese de que não há presunção de violência quando os amantes são juvenis e estão no mesmo estágio de descoberta da sexualidade, sendo razoável considerar o ato sexual praticado por adolescentes, quando existir entre os parceiros consentimento e pouca diferença de idade.
Contudo, procurou analisar nesse estudo a possibilidade de aplicação da Teoria Romeu e Julieta nos casos de estupro de vulnerável etário, com base na atual doutrina e jurisprudência. Assim, inicialmente se discutiu o estupro de vulnerável no ordenamento jurídico brasileiro, apontando os sujeitos do crime, o elemento subjetivo do tipo e suas qualificadoras. Além disso, realizou-se um estudo da Teoria Romeu e Julieta, identificando sua origem e características, evoluindo-se para a possibilidade de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.
O interesse pela temática surgiu a partir da necessidade da pesquisadora, de discutir o tema da exceção de Romeu Julieta no ordenamento jurídico brasileiro, como uma teoria que poderia flexibilizar o caráter absoluto (iures est iures) da vulnerabilidade para configuração de crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do Código Penal Brasileiro.
Acredita-se que a relevância desse estudo está em colocar em evidência a importância da Teoria Exceção de Romeu e Julieta, face ao ordenamento jurídico brasileiro na atualidade, mais precisamente à Lei nº. 12.015/09, sobretudo, porque na atualidade adolescentes com 13 anos já tem pleno acesso a informações sobre condutas sexuais e mesmo assim continuam tendo sua vontade desconsiderada.
Pelo exposto, pretende-se com o presente artigo destacar a possibilidade jurídica de se ter a vulnerabilidade relativa no crime de estupro de vulnerável, ou seja, a aplicação da teoria aqui mencionada.
2ESTUPRO DE VULNERÁVEL
2.1 O Estupro de Vulnerável no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Anote-se por importante, que o desconhecimento relacionado a assuntos sexuais resulta no que se chama de Innocentia Consilii, que se refere à incapacidade do ofendido para o consentimento da relação sexual. Em solo brasileiro, há tradicionalmente estabelecida uma idade para presunção deste tipo de innocentia.
Assim no Código Criminal do Império (art. 219, acrescido do Aviso 512 de 1862), estabelecia a presunção de violência nos atos sexuais com menores de 17 anos. Também ocorreu mais tarde no Código Penal de 1890, art. 272, que baixou a presunção de violência para os 16 anos. “Art. 272. Presume-se cometido com violência qualquer dos crimes especificados neste e no capitulo precedente, sempre que a pessoa ofendida for menor de 16 anos” (BRASIL, 1890, p. 1).
Posteriormente, no Código Penal de 1940 (Decreto-lei nº 2848/1940), ainda em vigor, que baixou a presunção de violência para os 14 anos, conforme seu revogado art.224. Em seguida com o novo art. 217-A, pela Lei nº. 12.015/09, que revogou o art. 224 CPB, o CP adotou nova sistemática, alternado as antigas presunções por um dispositivo autônomo de proteção aos menores de 14 anos. Neste sentido o crime de estupro de vulnerável prevê como crime a conjunção carnal ou a prática de outro ato libidinoso com menor de 14 anos de idade (COLVARA, 2014).
Percebe-se de modo claro, que a reforma promovida pela referida lei no Código Penal reforçou o caráter absoluto da presunção de vulnerabilidade estabelecendo idade menor que 14 anos. Dessa forma, resulta destacar que:
A sistemática pretérita relativa aos crimes sexuais atentados contra menores de quatorze anos, adotava um critério calcado na presunção de violência ou grave ameaça, mesmo sem presença destes dois últimos elementos, por considerar a incapacidade de discernimento dessas vítimas para consentir com a prática do ato sexual. A lei deixou de considerar como elemento normativo do tipo penal a chamada presunção de violência ou grave ameaça, bastando para a realização desta nova infração penal, que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos de idade e decida com ela manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso (NUCCI, 2014, p. 9).
É fato concreto que a Lei nº 12.015 de 2009 fez uma reforma penal, transformando o entendimento em relação aos delitos sexuais, incluindo novos dispositivos, revisando e excluindo outros, elevando o estupro de vulnerável à presunção de caráter absoluto.
A presunção absoluta da vulnerabilidade determina que o agente seja considerado culpado, sem que lhe seja oportunizada a produção de prova em contrário, ofendendo princípios constitucionais, cerceando o direito de defesa do indivíduo e aplicando a responsabilidade objetiva para a condenação. Já a presunção relativa da vulnerabilidade, permite analisar, de forma pormenorizada, as peculiaridades do caso concreto, fazendo julgamento de dolo ou culpa na conduta do agente, se havia ou não o desígnio de cometer o crime, e, principalmente, se houve o consentimento do menor envolvido (ARAÚJO; LIMA, 2016, p. 145).
Assim, com o advento da Lei nº 12.015 de 2009, o legislador alterou a forma de proteção de crimes sexuais, introduzindo os termos conjunção carnal e ato libidinoso no novo crime de estupro de vulnerável, adotando a presunção absoluta de vulnerabilidade. A tipificação desse ilícito dar-se a partir da inserção do art. 217-A, que diz in verbis:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º - Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 3º - Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º - Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (BRASIL, 1940, p. 1).
Tendo em vista o artigo supracitado, não há qualquer dúvida que o legislador se refere ao menor de 14 anos, à pessoa que tendo enfermidade ou deficiência mental seja incapaz de resistir ao ato sexual imposto por outrem, ou ainda, e que por qualquer outra causa não consegue oferecer resistência, configurando-o como estupro de vulnerável.
Percebe-se que o legislador brasileiro afastou a possibilidade de arguição a respeito do consentimento do menor ou que ela já tenha tido experiência sexual. É de fácil constatação duas assertivas constitucionais: a primeira é aquela ostentada no art. 5º, II, da Constituição Federal brasileira de 1988, de que “[...] ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 1988, p. 1). A segunda é que se trata diretamente do princípio a dignidade da pessoa humana também, previsto no Diploma Legal nacional.
Assim o ordenamento jurídico brasileiro assegura mediante a Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana em seu art. 1º, inciso III. Esse princípio basilar tem o condão de resguardar o indivíduo da violação de seus direitos e garantir seu bem-estar pelo Estado. Nessa esteira, percebe-se que a dignidade da pessoa humana é posta como valor máximo, e que ela pode ser interpretada por diferentes formas e perspectivas, mas sempre relacionada aos direitos e garantias fundamentais, como direito à vida, à liberdade, à igualdade e segurança (MOREIRA, 2017).
Convém destacar, que a segurança é um quesito inerente ao ser humano em todas as sociedades contemporâneas, sendo responsabilidade do Estado, sobretudo, quando se tratar de menor de idade, que tiver sua segurança em risco ou mesmo ser violada por meio de estupro de vulnerável. Por vulnerável quis o legislador pátrio pressupor a falta de proteção da criança, do adolescente e do indivíduo enfermo ou doente mental, considerando que os mesmos são incapazes de compreender o caráter ilícito que lhe é imposto pelo agressor (CORRÊA, 2016).
Anote-se, por essencial que na criminalização desse ilícito, o bem tutelado é da dignidade da pessoa humana perfilhando também o direito à liberdade sexual da mulher e do homem, no que tange à faculdade de ambos escolherem livremente seus parceiros sexuais, mas também, o de proteger o menor dos crimes de libidinagem, em especial da conjunção carnal (COLVARA, 2014).
2.1.1 Sujeitos do crime
Antes da implantação da Lei 12.015/09, e com ela o crime de estupro de vulnerável, já havia no Código Penal brasileiro de 1940, atualmente em vigor, a previsão do crime de estupro, prevendo como sujeitos do crime o homem (na condição ativa) e a mulher (na condição passiva) para configurar o ilícito, sendo este interpretando como bipróprio. Ao tratar da temática, o referido Código trouxe a figura do estupro no art. 2013, e a do atentado violento ao pudor no art. 214. Deve-se consignar aqui que:
Em ambos, o meio de execução era a violência ou grave ameaça. No entanto, quando praticados contra menores de 14 (quatorze) anos, pessoas “alienadas” ou “débeis mentais” ou por quem não podia oferecer resistência, falava-se em presunção de violência – ou seja, ainda que o agente não empregasse violência real contra a vítima, presumia-se a sua existência em virtude da idade dela (CASTRO, 2013, p. 1).
Porém, veio a instituição da Lei 12.015/09, a qual avançou no sentido de reformar esse entendimento tipificando o crime de estupro de vulnerável e ratificando que qualquer pessoa, homem ou mulher, inclusive pessoa do mesmo sexo, pode praticar o ilícito e também sofrer as consequências da infração penal. Desse modo passa a ser considerado um delito bicomum (COLVARA, 2014).
O que deve-se ter em tela é que, sendo homem ou mulher, ou ainda do mesmo sexo, os sujeitos ativos e passivos, existe um requisito especial no tocante a vítima para o enquadramento no tipo penal estupro de vulnerável, e este se encontra estampado no Art. 217-A do Código Penal, que é a condição de ser criança ou adolescente com idade inferior a quatorze anos de idade ou sujeito que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha discernimento necessário para a prática do delito (BRASIL, 1940).
Em que pese à vítima possuir condição especial, como descrito no art. 217-A do Código Penal Brasileiro, o crime de estupro de vulnerável pode ser interpretado como crime comum, haja vista que pode ser praticado por qualquer pessoa.
2.1.2 Elemento subjetivo do tipo
Todo crime possui seu elemento subjetivo a tipificá-lo. No caso do estupro de vulnerável, é o dolo como conduta do agente agressor, ou seja, é a vontade clara do agente em praticar a conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos, ou com pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não possui discernimento necessário para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência a essa prática (CASTRO, 2013). É mister distinguir aqui dolo de culpa para dirimir eventuais dúvidas que acedam no estudo. Assim, em síntese apertada pode-se dizer que:
Dolo é a conduta voluntária e intencional do agente que praticando ou deixando de praticar uma ação, tem o objetivo de causar danos ou simplesmente cometer o ato ilícito. Já a culpa é caracterizada quando a pessoa comete o mesmo ato ilícito, após ter uma conduta voluntária, porém descuidada que veio a causar dano a terceiro ou simplesmente ensejou o ato ilegal (CARDOSO, 2013, p. 1).
Em vista das definições supramencionadas, não há qualquer dúvida que o elemento subjetivo do tipo de estupro de vulnerável é o dolo, isto é, a vontade de constranger, obrigar, forçar a vítima. Nesse caso, a presunção é a de que o agente que pratica o crime tem ciência da prática deste ato, em face de pessoa do menor de 14 anos ou da pessoa, que por enfermidade ou deficiência mental, não possui discernimento suficiente para a prática do ato. Essas vítimas elencadas pelo art. 217- As, do CPB devem ser consideradas vulneráveis pelo fato da idade ou o discernimento necessário.
2.1.3 Qualificadoras
As qualificadoras do crime de estupro de vulnerável constam dos §§ 3º e 4º do art. 217-A do CPB, que são claros e incidem diretamente na conduta do agente, verberando que “[...] § 3º - Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4º - Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos” (BRASIL, 1940, p. 1).
Observa-se de pronto que as qualificadoras desse delito aumentam em abstrato a pena, quando da conduta do agente do referido crime, resultar em lesão corporal grave ou morte. Tem excepcional importância salientar que: “Ao contrário do previsto no estupro em sua forma fundamental, o de vulnerável prescinde do constrangimento da vítima mediante violência ou grave ameaça, ou ainda do resultado morte” (FREITAS, 2016, p. 55).
O próprio Código Penal Brasileiro elenca em seu art. 129, § 1, os desdobramentos da lesão corporal de natureza grave, são eles: “[...] I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; III – debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto” (BRASIL, 1940, p. 1).
Revela induvidosa matéria, que a conduta qualificada pelo resultado no crime de estupro de vulnerável “[...] irá acontecer mediante o dolo antecedente na conduta do agente infrator e com a culpa consequente advinda do desdobramento dos atos empregados” (CORRÊA, 2014, p. 32).
Nesse contexto, cabe frisar que o estupro de vulnerável é matéria vencida pela legislação que lhe acolhe como de caráter absoluto não admitindo sua relativização por conta do seu objeto precípuo que é a proteção contra o estupro de menor de 14 anos e da pessoa da pessoa, que por enfermidade ou deficiência mental, não possui discernimento suficiente para a prática do ato.
Porém, entende-se que o caráter absoluto da matéria não impede que se verifique na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de relativizá-la seguindo o exemplo de outros países, que acompanhando a evolução social e as relações afetivas existentes entre seus menores de 14 anos, adotam a exceção de Romeu e Julieta.
3 TEORIA ROMEU E JULIETA
3.1 Origem
Diferente de muitos ordenamentos jurídicos no Ocidente, os quais fazem previsão legal servindo-se do Código Penal e de outras fontes, como a tradição e o costume, o sistema jurídico brasileiro fundamenta-se na lei, fato esse que exige atenção para o estudo da Teoria Exceção de Romeu e Julieta, que se encontra presente em diferentes ordenamentos internacionais que são consuetudinários, mas não encontra albergue na legislação brasileira por conta do ordenamento jurídico que é positivado na rubrica da lei.
É fato incontroverso que a tradição brasileira se encontra adequada ao sistema romano-germânico do direito legislado, conhecido também como sistema do civil law, que é aquele calcado na positivação do direito pela norma legal. Para melhor entendimento, cabe destacar que:
[...] a expressão Civil Law, usada nos países de língua inglesa, refere-se ao sistema legal que tem origem ou raízes no Direito da Roma antiga e que, desde então, tem-se desenvolvido e se formado nas universidades e sistemas judiciários da Europa Continental, desde os tempos medievais; portanto, também denominado sistema Romano-Germânico (VIEIRA apud GALIO, 2014, p. 2).
Como se verifica na citação supracitada, o sistema civil law concentra-se na positivação do direito e tem como premissa a norma legal, de modo que não se baseia em fontes exteriores à lei, a não ser quando se serve, por exemplo, de tratados internacionais que adquirem postura de emenda constitucional.
É o que ocorre com o sistema jurídico em solo brasileiro, ao contrário de países de língua ou influência inglesa, como Inglaterra, Nova Zelândia, Índia, Austrália, Quênia, Estado Unidos da América, etc., em que predominam o sistema do Common Law. Neste sistema, a lei é apenas uma dentre as várias fontes de interpretação do Direito, não sendo seu papel se sobrepor aos princípios gerais do direito, o costume e a jurisprudência (COLVARA, 2014).
É oportuno registrar que os Estados Unidos da América (EUA), embora de língua inglesa não adotam especificamente o sistema common law, servindo-se também do civil law, o que permite dizer que esse país possui um direito misto, e que seus juízes não consideram apenas a obra do legislador como meio de convicção, pois vão além, servindo-se também do costume. Essa postura do Direito americano “[...] confirma a tese de que a produção legislativa não exclui a necessidade de um sistema de precedentes (MARINONI, 2010, p. 37).
Tanto o sistema civil law quanto o common law chegam às mesmas conclusões porque baseados nos mesmos ideais de justiça. Por isso mesmo, não há que se falar que um seja mais justo que o outro, devendo-se considerar apenas que cada um deles é fruto da cultura e da história de seu povo, e que na atualidade com a chamada globalização há uma tendência de aproximação entre eles e a consequente formação de um sistema jurídico híbrido (GALIO, 2014).
Tenha-se presente que essa teoria tem como base o romance de Willian Shakespeare, “Romeu e Julieta”, ele com 17 (dezessete) anos de idade e ela com 13 (trezes) anos quando se relacionaram sexualmente. Tal teoria traz em seu cerne a discussão: se deve ou não penalizar o menor que pratica ato sexual com uma menor, quando há o consentimento e a diferença de idade é pequena?
3.2 Características
Nos países de língua inglesa ou que sofrem influência dessa língua, o sistema jurídico é diferente do brasileiro e, por isso, mesmo a previsão legal para esse caso é outra. De fato, em alguns estados que compõem os Estados Unidos da América, o tratamento jurídico é diverso, se a diferença de idade entre os protagonistas do ato sexual é igual ou inferior a cinco anos, pois julgam o caso a partir da chamada exceção Romeu e Julieta (SARAIVA, 2009).
Em vista disso, tem real importância destacar que nem todos os estados americanos adotam a teoria exceção de Romeu e Julieta, mas que todos possuem leis que:
[...] proíbem as relações sexuais com pessoas que estão abaixo da idade de consentimento legal, contudo não há um critério etário que seja considerado a nível nacional, pois cada ente da federação estabelece sua própria legislação de acordo com sua conveniência e interesse. Apenas um pequeno número de estados tem uma única idade de consentimento, variando de dezesseis a dezoito anos de idade. Para os outros estados, a idade de consentimento depende de um ou mais dos seguintes requisitos: diferenças de idade entre parceiros, idade da vítima e idade do ofensor. Quando um diferencial de idade é usado, o Estatuto próprio de cada estado especifica faixas etárias fora das quais as partes não podem exercer o consentimento para o sexo (MOREIRA, 2017, p. 24).
Como bem se vê, existe a criminalização do sexo praticado entre menores de 18 anos nos Estados Unidos da América, mesmo sendo comprovado que tenha sido consensual. Também se deve considerar que nesse país há um misto jurídico em seu sistema judiciário fazendo a previsão tanto do sistema do common law quanto civil law, o que permite que em alguns estados como o Colorado e a Flórida o sexo seja punido, quando a vítima for menor de 16 anos de idade. E já em outro, como a Geórgia, cuja legislação criminaliza a prática sexual consentida entre adolescentes, seja aplicada a exceção de Romeu e Julieta (COLVARA, 2014).
Essa diversidade na postura das decisões jurídicas e de suas leis em cada estado norte-americano resulta do sistema em que o direito é aplicado, isto é, o common law, com influências do civil law. Já se disse mais de uma vez que nesse tipo de sistema o direito apresenta uma face de base jurisprudencial, em detrimento de leis e regulamentos já escritos.
Aliás, não é demais lembrar, que sendo os Estados Unidos da América (EUA) um país regido pelo federalismo, é certo que seus estados-membros tendem a adotar um direito que não “[...] envelheça, conservando a sua vitalidade com o passar do tempo, recriado conceitualmente na medida dos imperativos de ordem social, econômica e política que se vão colocando na evolução natural das sociedades” (FERREIRA, 2015, p. 1).
Nessa linha de entendimento defende-se o argumento de que a teoria exceção de Romeu e Julieta vem sendo adotada em muitos estados norte-americanos como uma forma de não criminalizar a fase de descoberta da sexualidade pelos adolescentes, punindo-se somente os excessos quando forem constados. Exemplo emblemático é do caso Garnalow Wilson, 17 amos de idade, nascido na Geórgia, e que foi pego fazendo sexo oral em uma também menor de 15 anos de idade. Diante do caso levado à Suprema Corte está:
[...] liberou da prisão Garnalow Wilson, de dezessete anos de idade, que estava preso pela prática de sexo oral com uma menina de 15 anos. A legislação do Estado criminalizava a conduta de práticas sexuais entre adolescentes, mas a Suprema Corte determinou que Wilson fosse liberado porque a nova regra desconfigurou a criminalização do sexo consensual entre adolescentes. A rigor, a manutenção em 14 anos de idade para a chamada presunção de violência, apta a configurar crime ante a revogação do art. 224 e a nova redação do art. 217- A, todos do CP, reclama uma reflexão maior (COLVARA, 2014, p. 36).
Esse exemplo é um retrato dos avanços ocorridos em países de língua ou influência inglesa, como os Estados Unidos da América (EUA) em que o sexo entre menores é punido juridicamente, mas que abre precedentes para ressalvas, quando se tratar de adolescentes que se relacionam entre si de modo consensual.
Como já foi dito, a teoria a exceção de Romeu Julieta é aplicada em outros países de/ou influência da língua inglesa, mas não basta, contudo, mencionar sua aplicabilidade em outros países para se adotar uma perspectiva favorável de sua aplicação em solo brasileiro. Na verdade, é preciso avaliar sua compatibilidade com o ordenamento pátrio, sendo oportuno registrar, desde já, que há um problema a ser enfrentado pelo legislador brasileiro caso entenda que já é hora da exceção Romeu e Julieta ser aplicada no direito penal brasileiro.
Esse problema se encontra expresso no art. 2017-A do Código Penal brasileiro, que foi inserido pela Lei n.º 12.015/2009, cuja previsão legal prevê a figura do estupro de vulnerável, caracterizado pela conjunção carnal ou a pratica de outro ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo a pena de reclusão de 8 a 15 anos (GONÇALVES, 2019). Anote-se, por importante, que o sistema jurídico pátrio não recepciona a referida teoria devido a vários aspectos do seu sistema jurídico, sendo a previsão de estupro de vulnerável o mais basilar.
É certo dizer que antes da instituição da Lei nº 12.015/2009 havia a presunção de violência ostentada no artigo 224 do Código Penal Brasileiro. No entanto, com a chegada dessa lei, foi modificado esse artigo e erigido o Art. 217-A, que trata do estupro de vulnerável contemplando os menores de 14 anos, e seu § 5º incluído pela Lei n° 13.718/2018 é expresso em dizer que: “As penas previstas no capute nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime (BRASIL, 1940, p. 1).
Como se observa cai por terra a presunção da violência e se consolida a capacidade psicológica do ofendido, que sendo menor tem pouca maturidade, e do enfermo mental porque tem pouco ou nenhum discernimento, ou ainda, o que por qualquer outra causa não consegue oferecer resistência. Nesse passo, é possível salientar que antes, com o art. 224 do CPB em pleno vigor se podia argumentar e mesmo defender a possibilidade da aplicação da exceção de Romeu e Julieta no ordenamento pátrio (SÁ, 2016).
No entanto, com a instauração da Lei nº 12.015/2009 essa discussão perde consistência porque carece de supedâneo jurídico para se afirmar, dado que a legislação cristaliza o entendimento da presunção absoluta da vulnerabilidade, tanto do menor de 14 anos, quanto do indivíduo que por ter enfermidade ou deficiência mental não possui discernimento para o ato sexual, ou ainda, o que por qualquer outra causa não consegue oferecer resistência (ARAÚJO; LIMA, 2016).
A despeito dessa observação, vale consignar aqui que ao se discutir a aplicabilidade da teoria exceção de Romeu e Julieta no ordenamento jurídico brasileiro, deve-se ter em perspectiva que se trata de um tema que envolve a dignidade sexual, uma das dimensões da dignidade da pessoa humana. Em vista disso, é que o legislador pátrio “[...] reconheceu a primazia do desenvolvimento sadio da sexualidade e do exercício da liberdade sexual como bens merecedores de proteção penal, por serem aspectos essenciais da dignidade da pessoa humana e dos direitos de personalidade” (SOUTO, 2016, p. 16).
Esse é o entendimento da Lei nº 12.015/2009, que trouxe nova redação sobre os crimes sexuais dignificando a pessoa humana e sua sexualidade. Observe-se que no Código Penal de 1940 esses crimes recebiam o título de Crimes contra os Costumes, já na Lei 12.015/2009 recebe o seguinte título: Dos crimes contra a dignidade sexual. Claro está que ao legislador brasileiro não mais interessa os hábitos sexuais das pessoas, mas tão somente conferir maior proteção ao bem jurídico destas, tendo como um de seus fundamentos a dignidade sexual (NUCCI, 2009).
Não basta, contudo, mencionar a intenção do legislador em salvaguardar essa dignidade, como bem jurídico, convém explicitar que essa salvaguarda:
[...] se encontra realizada por meio das tipificações previstas no Código Penal brasileiro, no Título VI, em seus artigos 213 a 234-B. Destaca-se que o legislador ordinário visou criminalizar as mais variadas condutas, a fim de oferecer extensa proteção ao bem jurídico. Com especificidade destaca-se o art. 217-A incluído pela Lei n° 12.015, de 2009, que prevê o crime de estupro de vulnerável (MOREIRA, 2017, p. 9).
Em vista disso resulta reconhecer que a Lei 12.015/2009 ao tipificar o crime de estupro de vulnerável também prevê a condição sine qua non da dignidade sexual tanto do menor de 14 anos quanto da pessoa da pessoa, que por enfermidade ou deficiência mental, não possui discernimento suficiente para a prática do ato (BRASIL, 2009). Porém, em que pese as acaloradas discussões acerca da relatividade ou não do crime de estupro de vulnerável, sobretudo, no tocante ao menor de 14 anos, há de se observar que existe uma colisão aparente de normas, posto que a Lei 12.015/2009 considerou:
[...] os menores de 14 (quatorze) anos não dotados de autodiscernimento suficiente para decidir sobre seus atos sexuais, não cabendo nenhuma exceção. De outra banda o art. 2º do Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) considera como adolescente entre 12 e menores de 18 anos de idade, podendo até sofrerem medidas socioeducativas (NUCCI, 2009, p. 32).
Nessa perspectiva, fica claro que o legislador não adotou na Lei 12.015/2009 a mesma faixa etária de 12 anos de idade preconizada pela Lei nº 8.069/90 – também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) -, e sim de 14 anos, o que permite uma inclinação para o entendimento de que há sim, uma efetiva colisão entre essas duas normas. No entanto é de se admitir que o legislador buscou reafirmar a vulnerabilidade do menor, bem por isso se dizer que:
[...] a razão da vulnerabilidade etária se baseia na imaturidade da vítima, que ainda não possui discernimento suficiente para entender a extensão do ato sexual que está praticando. No caso dos menores de 14 (quatorze) anos, o legislador optou por não emprestar validade a eventual consentimento da vítima, sendo irrelevante sua aquiescência para o aperfeiçoamento do crime (BRAYNER, 2014, p. 1).
Diante de observações como a supracitada, entende-se que não é extemporâneo revisitar a temática da teoria de exceção Romeu e Julieta e sua possível aplicabilidade no Brasil, a despeito da Justiça brasileira já ter posicionamento firmado sobre o tema, para tanto é essencial um estudo da doutrina e da jurisprudência sobre o mesmo.
3.3 Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro
É certo pensar que a sociedade brasileira evolui a cada dia em seus costumes valores e percepções do mundo. Exemplo emblemático é o da sexualidade de adolescentes que já não impinge mais o tabu de outrora, nem é mais visto como um crime desde que não fira princípios basilares como o da dignidade da pessoa humana ou sua vulnerabilidade. Para chegar a essa percepção, é preciso compreender, além disso, que muitos adolescentes estão descobrindo a sexualidade sem a intenção de transigir normas as jurídicas.
Para a doutrina e a jurisprudência o que está em discussão é a vulnerabilidade do menor, que está posta pelo art. 217-A do Código Penal brasileiro, inserido pela Lei n° 12.015/09, e nesse ponto a discussão é, se ela é realmente absoluta ou relativa. É bom que se diga que:
A presunção absoluta da vulnerabilidade determina que o agente seja considerado culpado, sem que lhe seja oportunizada a produção de prova em contrário, ofendendo princípios constitucionais, cerceando o direito de defesa do indivíduo e aplicando a responsabilidade objetiva para a condenação. Já a presunção relativa da vulnerabilidade, nos permite analisar, de forma pormenorizada, as peculiaridades do caso concreto, fazendo julgamento de dolo ou culpa na conduta do agente, se havia ou não o desígnio de cometer o crime, e, principalmente, se houve o consentimento do menor envolvido. Para a Teoria Absoluta a vulnerabilidade deve ser entendida de forma absoluta, sendo suficiente o aspecto etário para a caracterização do vulnerável. A Teoria Relativa, de forma oposta, defende a relativização da vulnerabilidade, levando em consideração as particularidades do caso concreto, admitindo prova em contrário (ARAÚJO; LIMA, 2016, p. 145).
Não há qualquer dúvida que os Tribunais concebem a vulnerabilidade do menor de 14 anos como absoluta, sobretudo, porque seguem a prescrição da Lei nº 12.015/09, e sua previsão legal expressa no art. 217-A do CPB, e disso não abre mão. É o que revela a decisão proferida em 2015, pelo Ministro Rogério Schietti, do Superior Tribunal de Justiça, consolidando entendimento sobre a vulnerabilidade absoluta da menor vítima de estupro e sua impassível mitigação, como segue:
As alterações legislativas incorporadas pela Lei nº 12.015/09 ao Título VI – Dos crimes contra a dignidade sexual, especialmente ao seu Capítulo II – Dos crimes contra vulnerável, do Código Penal, não mais permitem qualquer dúvida razoável quanto à irrelevância, para fins de aperfeiçoamento do tipo penal inscrito no artigo 217-A, caput, do Código Penal, de eventual consentimento da vítima ao ato libidinoso, sua anterior experiência sexual ou a existência de relacionamento entre ela e o agente (BRASIL, 2015, p. 2).
A decisão em questão não deixa dúvida que os Tribunais seguem a intelecção da vulnerabilidade absoluta do menor de 14 anos vítima de prática sexual, ainda que haja seu consentimento, não sendo este relevante. É que se infere ainda do julgado do Supremo Tribunal Federal e sede de Agravo Regimental no Habeas Corpus 124830/MT:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL E DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ARTIGOS 213 e 224, ALÍNEA A (NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.015/2009). HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. ATIPICIDADE. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. MENOR DE 14 ANOS. VULNERÁVEL. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA, ABUSO DE PODER OU FLAGRANTE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A presunção de violência no crime de vulnerável, menor de 14 anos, não é elidida pelo consentimento da vítima ou experiência anterior e a revisão dos fatos considerados pelo juízo natural é inadmita da via eleita, porquanto enseja revolvimento fático-probatório dos autos. Precedentes: ARE 940.701-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 12/04/2016, e HC 119.091, Segunda Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJe 18/12/2013. 2. In casu, o recorrente foi condenado à pena de 8 (oito) anos de reclusão, em regime fechado, como incurso no art. 217-A do Código Penal, pelo fato de haver cometido ato sexual com um menino menor de 13 anos de idade em troca de um amortecedor de bicicleta e filmado todo ato em seu celular. 3. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas d e i, da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 4. Agravo regimental desprovido. (HC 124830 AgR, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-104 DIVULG 18-05-2017 PUBLIC 19-05-2017) (STF, 2017, p. 1).
Como se verifica, o referido julgado não abre precedentes para a teoria exceção de Romeu e Julita no Brasil, porque conclui que o crime de estupro de vulnerável cometido contra adolescente de 14 anos não é eliminado seja pelo seu consentimento, seja por possuir experiência sexual anterior ao fato, pelo que mantém a prisão do agressor em decisão monocrática.
Diante de tais decisões se arvora a reflexão de doutrinadores como Bitencourt (2013), Nucci (2009), Capez (2005) que se preocupam com condições pessoais de cada vítima menor e o seu grau de conhecimento e discernimento sobre a pratica sexual que lhe incriminam, face a excepcional evolução moral e sexual na contemporaneidade. Estes pugnam por uma melhor de aferição do grau de maturidade sexual e desenvolvimento mental do menor ofendido definindo sua vulnerabilidade. Nesse passo, defendem a aplicação da lei que se ajuste ao caso concreto (BRAYNER, 2014).
Essa interpretação, ao contrário da decisão dos ministros supramencionados, auspicia a Exceção Romeu e Julieta, porque entende que a presunção de vulnerabilidade com um caráter absoluto “[...] tolhe não só garantias fundamentais dos considerados autores da infração penal, mas também daqueles adolescentes que configuram como vítimas, quando na verdade, ambas as partes apenas estavam desenvolvendo sua liberdade sexual de forma plena” (MOREIRA, 2017. P 33).
Observe-se por importante, que o termo “exceção” que configura a referida teoria decorre do latim exceptio que, em amplo sentido, significa o direito do acusado de se defender. E em sentido estrito significa o meio pelo qual o acusado busca a extinção do processo sem o conhecimento do mérito (CAPEZ, 2005, p. 346). Nessa esteira, segue que a exceção Romeu e Julieta, preceitua que o acusado tem o direito de defesa quando este for menor, embora com até cinco anos a mais que sua parceira. No caso sugere a relativização da presunção de vulnerabilidade, atendo-se ao caso concreto, como por exemplo, o consentimento do outro menor para a pratica sexual e/ou sua experiência sexual anterior ao fato ocorrido.
Perfilha esse caminho o entendimento do doutrinador André Estefam (2011) quando leciona que o conceito de vulnerabilidade não pode ser absoluto, pois:
[...] a exegese das normas penais não pode se dar, jamais, alijada de uma visão constitucional e, notadamente, da correta delimitação do valor protegido (objetividade jurídica) pela disposição. É por essa razão que entendemos, a despeito da peremptoriedade do Texto Legal, que nem todo o contato sexual com menor de 14 anos ingressará na tipicidade (material) da norma. É a men legisque se sobrepõe à mens legislatoris. (ESTEFAM, 2011, p. 166).
Conforme se verifica do estudo, a doutrina inclina-se para a possibilidade da implantação da exceção de Romeu e Julieta, no ordenamento jurídico brasileiro, a partir do pressuposto da vulnerabilidade relativa do menor de 14 anos, envolvido em relação sexual consentida e/ou que já tenham experiência sexual anterior ao fato citado como crime. Por outro lado, permanece inamovível a jurisprudência no que toca à sua relativização porque seu supedâneo é a Lei nº 12.015/09, que em sua hermenêutica pressupõe o caráter da vulnerabilidade absoluta do menor de 14 anos, não cabendo interpretação reversa.
4 CONCLUSÃO
O artigo mostrou-se relevante à medida que realizou um levantamento na doutrina, jurisprudência e legislação brasileira sobre a exceção de Romeu e Julieta, analisando a possibilidade de flexibilização do vulnerável etária no que se refere aos comportamentos sexuais envolvendo adolescentes, fato tão comum em nossa sociedade atual.
Concluiu-se que ao menor devem ser dadas as garantias e os direitos a ele preconizados pela Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) e aos demais ordenamentos afetos à criança e adolescente, são essenciais para que ele alcance a maioridade sem os riscos que surgem no cotidiano da vida em sociedade, como é o caso do estupro de vulnerável.
Na investigação realizada evidenciou-se que em solo brasileiro o ordenamento jurídico é diferente do de muitos países, sobretudo daqueles de língua ou influência inglesa, como a Nova Zelândia, Índia, Austrália, Quênia e os Estado Unidos da América (EUA) em que predominam o sistema do Common Law, que se orientam não só pela lei, mas também pela tradição e o costume, a despeito do Brasil onde vigora o civil law, totalmente calcado na lei positivada.
Foi observado ainda, que existe a teoria exceção de Romeu e Julieta, adotada em muitos países de língua ou influência inglesa, a qual visa à relativização da presunção da vulnerabilidade do menor de 14 anos, quando entre os adolescentes praticantes do ato sexual a idade for igual ou superior a cinco anos, houver consentimento e a pretensa vítima já possui experiência sexual anterior ao fato.
Verificou-se que no ordenamento jurídico, quando vigorava a proteção à criança e adolescente através da presunção de violência, tanto a literatura quanto a jurisprudência variavam seus entendimentos entre uma presunção absoluta e relativa. Neste cenário, podia-se pensar claramente na aplicação da teoria ora estudada, vez que, os que defendiam a presunção relativa, entendiam que só haveria o crime se a realidade fática assim demonstrasse. Levava-se em consideração o consentimento da vítima, sua experiência, ou seja, o caso concreto.
Todavia, ficou claro que a possibilidade de aplicação da teoria Romeu e Julieta começa a diminuir com a entrada de vigor da lei 12.015/09, pois afastou a presunção de inocência, criando tipo penal específico para atos libidinosos e conjunção carnal com menores de 14 anos. Em seguida a jurisprudência inclinou-se a afastar a possibilidade de vulnerabilidade relativa, o que ficou claro com a súmula do STJ.
Percebeu-se ainda que o legislador seguiu o entendimento do STJ e alterou mais uma vez o crime de estupro de vulnerável acrescentando o parágrafo 5º através da lei 13.718/2019. Com este dispositivo ficou claro que a experiência sexual e consentimento da vítima são completamente ignorados para efeito de configuração do crime de estupro de vulnerável.
Observa-se por fim que, embora ainda haja na literatura entendimento que se incline para possibilidade de aplicação da teoria ora estudada, alegando como pressuposto da vulnerabilidade relativa do menor de 14 anos, o consentimento dos protagonistas na relação sexual e a experiência sexual anterior da parceira ou parceiro, bem como idade não maior que cinco anos entre os adolescentes, a jurisprudência e a própria letra da lei taxam o caráter da vulnerabilidade absoluta do menor de 14 anos.
Desse modo, é possível afirmar que o estudo atingiu seus objetivos, uma vez que permitiu concluir que, no momento, não há a possibilidade de aplicação da exceção de Romeu e Julieta no ordenamento jurídico pátrio.
REFERÊNCIAS
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[i]Professor, Mestre e Orientador deste artigo. Endereço para acessar este CV http://lattes.cnpq.br/1311527371890806
Acadêmica de bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, osmaria de sousa. A exceção de Romeu Julieta no ordenamento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53914/a-exceo-de-romeu-julieta-no-ordenamento-jurdico. Acesso em: 22 nov 2024.
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