Para uma abordagem mais esclarecedora sobre o tema, cabe estabelecer uma noção geral sobre o conceito de Reconvenção. De acordo com Luiz Rodrigues Wambier, "a reconvenção é uma nova ação do réu contra o autor, proposta no bojo do mesmo procedimento já em curso. É um modo de cumulação de ações, pois o réu, tendo pedido a deduzir em face do autor, exerce o direito de ação, no mesmo procedimento em que está sendo demandado". Contudo, vale ressaltar que se trata de uma ação autônoma, independente da ação original, bastando que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
Uma questão dilemática sobre o tema é o cabimento da reconvenção à reconvenção. Não há no Direito Processual Civil brasileiro norma que regulamente essa possibilidade, gerando dúvidas quanto a sua admissão. Em decorrência disso, os debates sobre o cabimento ou não da reconvenção à reconvenção ganham dimensão principiológica, já que o juiz não pode se abster de julgar demanda alegando lacuna ou obscuridade da lei.
Recorre-se à análise dos princípios processuais constitucionais e dos princípios do processo civil para fundamentar a possibilidade ou refutar o cabimento. Importante lição é a do autor do ensaio em análise, que, ao fundamentar a importância da análise principiológica, afirma: "os princípios, especialmente aqueles que têm dignidade constitucional, incorporam uma opção da sociedade acerca de que valores devem orientar o sistema jurídico". O processo é instrumento de concretização dos valores desse sistema jurídico e, portanto, deve se pautar pelos princípios que o orientam. Dessa forma, a ausência de norma disciplinando a admissibilidade da reconvenção à reconvenção torna imperioso utilizar-se dos princípios que regem o sistema processual para dar solução à questão.
Tendo isto em mente, José Alexandre coloca-se na condição de defensor da admissibilidade da reconvenção da reconvenção, pois estariam sendo respeitados os princípios de cunho constitucional do acesso à justiça (art. 5º, XXXV), do contraditório e da ampla defesa (art.5º, LV) e da isonomia (art. 5º, caput e inc. I), além do princípio da economia processual, extraído da legislação ordinária. Porém, o autor coloca como condição para o uso do instituto, além do não alargamento exagerado do objeto processual (pois , nesse caso, estaria sendo violado o princípio da celeridade processual, positivado no art. 5º, LXXVIII da Constituição), outros 2 pressupostos específicos: primeiramente, a pretensão trazida no bojo da reconvenção à reconvenção deve ser consequência da pretensão formulada pelo réu na reconvenção, ou seja, deve haver interesse processual. Em segundo lugar, deve ficar claro que conteúdo da reconvenção da reconvenção não poderia ter sido abordado, pelo autor, na petição inicial, respeitando-se as normas de estabilização da demanda trazidas pelo CPC.
Divergência Jurisprudencial: admissibilidade ou não da reconvenção à reconvenção
A questão da admissibilidade de reconvenção à reconvenção não é pacífica perante os tribunais. Não há no Direito Processual Civil brasileiro, como já mencionado, norma regulamentando o instituto, o que propicia sua aplicação, ou não, por meio da analogia e da ponderação de princípios. Estes, mais abstratos e gerais que as normas ordinárias, abrem possibilidade para maiores interpretações acerca do instituto e consequentes divergências de entendimento.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgando APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.04.539078-8/005, na data 30/01/2014, tendo por relator o Des.(a) Maurílio Gabriel, proferiu o seguinte entendimento, explicitado na ementa do acórdão:
APELAÇÃO - RECONVENÇÃO À RECONVENÇÃO - POSSIBILIDADE. Nada impede a apresentação da reconvenção à reconvenção, desde que não haja abusos.
(TJ-MG, Relator: Maurílio Gabriel, Data de Julgamento: 30/01/2014, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL).
Em mesmo sentido expõe o relator:
"Apresentada a reconvenção, portanto, passa o réu à condição de autor e o autor à condição de réu, na nova relação jurídico-processual. Nenhum óbice há, portanto, ao oferecimento da reconvenção à reconvenção, muito embora, seja uma situação excepcional. O que se deve evitar é o abuso no manejamento de tal instituto, com o desencadeamento de várias reconvenções, eternizando o processamento do feito."
Tal posição coaduna-se com o entendimento doutrinário trazido por José Alexandre em seu ensaio, admitindo a reconvenção da reconvenção. Ora, sendo a reconvenção uma nova ação, deve ser garantido o direito de resposta do réu da ação reconvencional, que é o autor da ação principal. Trata-se, pois, de conceder paridade de armas aos litigantes, levando-se em consideração o princípio da isonomia no âmbito processual.
Essa linha de raciocínio se alia também aos princípios do contraditório e da ampla defesa, que, na visão contemporânea do Direito Processual, deverá ser concretizado em todo o procedimento e não se restringir apenas ao que José Alexandre chama de “binômio informação-reação”. A admissão da reconvenção à reconvenção torna possível a capacidade de influir no processo e no convencimento do juiz ao longo do litígio processual, garantindo às partes a utilização dos meios que dispõem para se defender. Negar tal instituto não seria negar ao autor o direito à ampla defesa e acesso à justiça garantidos pela Constituição Federal?
O princípio da economia processual é mais um que fundamenta essa tese, tendo em vista que em apenas um processo podem ser solucionadas várias demandas, reduzindo, inclusive, o risco de decisões conflitantes. É neste ponto que a relação entre a doutrina e o julgado do TJMG ganha ainda mais força: ambos primam pela admissibilidade da reconvenção à reconvenção, mas atentam para o abuso do instituto. E não há nada mais correto do que isto, pois, além do risco de eternizar a discussão em torno do processo, decorrente da demasiada ampliação do seu objeto, o julgador também corre o perigo de violar a celeridade processual e desvirtuar o caráter de economia processual que possibilita o instituto.
Contudo, de forma diversa é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, em julgamento de apelação de número 0015380-73.2011.8.26.0068, datado do dia 05/05/2014, e tendo por relator o desembargador Maia da Rocha, conheceu em parte o recurso dando-lhe parcial provimento:
"VALOR DA CAUSA - Impugnação - Questão acolhida em decisão que restou irrecorrida - Vedada a rediscussão Ofensa à coisa julgada Recurso não conhecido nesta parte – RECONVENÇÃO – Requisitos - Autor que apresentou reconvenção da reconvenção do réu - Inadmissibilidade - Ofensa ao art. 264 do CPC - Sentença ratificada com amparo no art. 252 do Regimento Interno desta Corte Exclusão da condenação ao pagamento da parcela de nº 25/36 - Admissibilidade Recurso provido em parte.
(TJ-SP - APL: 00153807320118260068 SP 0015380-73.2011.8.26.0068, Relator: Maia da Rocha, Data de Julgamento: 05/05/2014, 21ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/05/2014)"
Concorda o tribunal com o entendimento da sentença apelada e, apontando para a sentença do juízo originário, afirma que:
"assim deve ser mantida, pois como bem observou o d. juízo originário: “Antes de analisar o mérito, acolho a preliminar de extinção da reconvenção apresentada pelo autor à reconvenção do réu (...) Embora controvertida a questão, alio-me à posição de inadmissibilidade da reconvenção da reconvenção, por não ser lícito ao autor formular novo pedido ou modificar o pedido anterior, pelo princípio da estabilidade da demanda, onde após a citação é vedado ao autor alterar o pedido ou causa de pedir à luz do art. 264 do CPC.Entendo que a tese esposada pela ré/reconvinda merece acolhimento, no tocante as suas argumentações. A reconvenção, como sabemos, trata-se de ação autônoma processada simultaneamente com a ação principal a esta conexa e compatível quanto ao rito adotado. A Reconvenção da reconvenção nada mais seria que oportunizar ao autor o aditamento à Peça Inicial, o que é vedado pela nossa sistemática processual". "
Os argumentos contra a admissibilidade da reconvenção à reconvenção se embasam, principalmente, no princípio da celeridade processual, já que, com a ampliação objetiva do processo, haveria um prolongamento demasiado do seu tempo de duração. Causar-se-ia, assim, um transtorno tanto para as partes quanto para o órgão jurisdicional, já tão sobrecarregado de demandas que, por serem de complicado deslinde, se protraem no tempo de maneira excessiva. Afirma-se também que a vedação da reconvenção à reconvenção não impediria o exercício da ação e, portanto, o acesso à justiça, pois nada impede que a demanda seja proposta em outra ação.
O presente artigo se filia ao posicionamento que admite a reconvenção à reconvenção. Apesar dos argumentos em desfavor da sua admissibilidade, nota-se que os ganhos da aplicação do instituto superam os possíveis transtornos processuais que a ampliação objetiva do processo poderia ocasionar.
Como não há dispositivo legal positivado admitindo, ou não, sua admissibilidade, cabe uma ponderação utilizando-se dos princípios que orientam o hodierno modelo processual constitucional. A instrumentalização do processo aponta para a eficácia processual objetivando a concretização de uma ordem jurídica justa, em que sejam respeitados os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa , do acesso à justiça e da isonomia. A admissibilidade da reconvenção à reconvenção se adequa a todos esses princípios, inclusive ao da economia processual, de hierarquia infraconstitucional, já que , com a ampliação objetiva do processo o juiz decide de maneira mais célere e uniforme do que provavelmente decidiria se a demanda fosse ajuizada em outro momento.
Os argumentos contrários à admissibilidade se pautam, principalmente, na discussão dos princípios da celeridade de hierarquia constitucional. Cabe refutá-lo, pois, na medida em que o instituto em análise possibilita a análise de demandas em um só processo, mesmo que demande maior trabalho do órgão jurisdicional , haverá uma notória economia em contraste com o ajuizamento de uma nova ação, em um novo processo. Além do mais, por celeridade deve-se entender não só o julgamento rápido da lide, mas sim a efetividade processual, já que a prestação jurisdicional deverá ser em tempo razoável que possibilite a resolução dos conflitos. De nada adiantaria realizar um processo rápido e ineficaz, pois isso geraria insatisfações que se materializariam em outras pretensões, fazendo com que se acionasse outra vez o Estado Juiz.
Apesar de todas as considerações, vale ressaltar que o abuso do instituto não pode ser admitido, na medida em que a ampliação objetiva demasiada do processo violaria o princípio constitucional da celeridade processual, já que a dilação excessiva geraria insatisfações e a prestação jurisdicional poderia, em decorrência da demora, não gerar a mesma eficácia que uma decisão célere geraria. Para coibir possíveis abusos na aplicação da reconvenção à reconvenção a doutrina se vale do uso de dois pressupostos que possibilitam a ponderação do instituto. O primeiro afirma que a pretensão da segunda reconvenção deve ter por causa a pretensão formulada pelo réu na primeira reconvenção, e, o segundo, aponta para a impossibilidade da pretensão ser veiculada na inicial. Esses pressupostos implicam na contenção do uso demasiado do instituto , ao passo que também possibilita o respeito às regras de estabilização da demanda, pois não cabe a reconvenção à reconvenção em casos em que a demanda já poderia ter sido deduzida anteriormente.
Assim, cabe entender que que , sendo a reconvenção uma nova ação, deve ser garantido o direito de resposta do réu da ação reconvencional, em respeito ao princípio constitucional da isonomia , concedendo-se paridade de armas aos litigantes.
Diante da obscuridade da lei e sendo imperativo que o juiz decida, não se pode fugir à questão da admissibilidade do instituto da reconvenção à reconvenção. No entendimento desse trabalho, filiado ao posicionamento doutrinário do ensaio anteriormente analisado e à corrente jurisprudencial adotada pelo TJMG, é cabível a reconvenção à reconvenção, desde que analisados os seus pressupostos específicos para que não ocorra abuso e se desvirtue a finalidade do instituto: a instrumentalização eficaz do processo para o acesso a uma ordem jurídica justa.
Referências Bibliográficas
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. V. 1. 15ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019.
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https://camilacolontonio.jusbrasil.com.br/artigos/175701229/analise-jurisprudencial-acerca-do-tema-reconvencao-a-reconvencao, acessado em: 20/07/18
Reconvenção no Novo CPC. https://raqueldeoliveira1966.jusbrasil.com.br/artigos/309417353/reconvencao-no-novo-cpc, acessado em: 10/10/18
Oliani, José Alexandre Manzano, Breves considerações sobre a admissibilidade de reconvenção à reconvenção no direito processual civil brasileiro, 2009. Revista de processo / Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Imprensa: São Paulo, Revista dos Tribunais, 1976.
Advogada OAB/PE. Graduação em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atuação em estágio profissional no setor recursal da DPU (Defensoria Pública da União) . Atuação como profissional liberal em causas cíveis . Atuação como profissional liberal em demandas criminais, atuando em conciliação, transação penal e audiências de instrução e julgamento. Certificação pelo GPID/CNPq no VII MINICURSO da Tutela dos Interesses Difusos. Certificação pelo GPID/CNPq na II Semana de Direito Penal Econômico, realizada pela Universidade Federal de Pernambuco, no centro de Ciências Jurídicas. Certificação pelo GPID/CNPq na II Semana de Estudos sobre Criminologia e Direitos Humanos realizada pela Universidade Federal de Pernambuco, no centro de Ciências Jurídicas, coordenada pelo grupo Asa Branca de Criminologia sob orientação do Professor Torquato Castro Júnior.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Thaís Barbosa Lima Tavares de. Cabimento de reconvenção à reconvenção no Direito Processual Civil brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2020, 04:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54112/cabimento-de-reconveno-reconveno-no-direito-processual-civil-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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