RESUMO: Licitação na modalidade Carta Convite é constitucional? O tema proposto busca identificar pontos cardeais de inconstitucionalidade do Procedimento Licitatório na Modalidade Carta Convite, demonstrar que é inconstitucional, bem como ineficaz, no sentido restrito de se coibir práticas corruptivas, e ao final, propor mudanças processuais para garantir transparência na execução da despesa pública.
Palavras-chave: Direito Administrativo; Licitação Pública; Modalidade; Carta Convite; Inconstitucionalidade.
ABSTRACT: Bid invitation letter constitutional mode is? The theme proposed seeks to identify cardinal points of unconstitutionality of the tendering procedure in the invitation letter, demonstrate that it is unconstitutional and ineffective speaking refrain corruptivas practices, and in the end, propose procedural changes to ensure transparency in the execution of public expenditure.
Keywords: Administrative Law; Public Bidding; Mode, Letter of Invitation Unconstitutionality.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO DE LICITAÇÃO. 3 CONHECENDO MELHOR OS INTITUTOS APLICADOS NA CARTA CONVITE. 4 DOS VÍCIOS QUE IMPERAM A INCONSTITUCIONALIDADE DA MODALIDADE LICITATÓRIA DENOMINADA CARTA CONVITE. 4.1 Violação ao princípio da publicidade. 4.2 Violação aos princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade. 4.3 Violação ao princípio da isonomia pela não exigência de documentos fiscais. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O procedimento licitatório regulado pela Lei Geral nº. 8.666/93 define e estabelece procedimentos que entendemos ser inconstitucionais e, ainda, por questões interpretativas no momento da aplicação da Lei, favorecem a práticas de corrupção, tais como o desvio de recursos públicos. Somando-se esses problemas entendemos que essa modalidade merece ser repensada.
Vários são os problemas que envolvem o Procedimento Licitatório na modalidade Carta Convite, principalmente quando o Gestor Público, desde o início de um procedimento, possui intenção de desviar recursos públicos, ou, no seu desenrolar, é tentado a receber propinas das empresas para realizar contratação pública.
Assim sendo, temos como problema central descobrir, nas fases do procedimento da modalidade Carta Convite os atos administrativos inconstitucionais, bem como àqueles que, por questão de interpretação, acarretam na má utilização do procedimento e, como consequência, favorece a prática da corrupção.
Para sintetizar, pretende-se responder aos seguintes questionamentos:
a) A falta de ampla publicação do instrumento convocatório da Carta Convite (§ 3º do art. 22 da Lei 8.666/93) vai de encontro aos Princípios da Publicidade e da Transparência nas gestões públicas?
b) Devido a ausência de ampla publicidade a Carta Convite pode se tornar em um procedimento interno e desconhecido da população, cujos convidados podem ser escolhidos discricionariamente. A escolha sem critério e discricionária dos convidados fere o Princípio da Impessoalidade (art. 37, caput, CF/88);
c) A dispensa, no todo ou em parte, dos documentos de habilitação (§ 1º do art. 32 da Lei 8.666/93) fere o Princípio da Isonomia?
d) A exigência de no mínimo 03 (três) licitantes com propostas válidas (§ 1º do art. 32 da Lei 8.666/93) restringe a ampla competitividade?
Após apresentarmos os problemas da pesquisa iremos passar por profunda fundamentação, apontando-se quais princípios constitucionais veem sendo violados sistematicamente.
Por fim, abordaremos práticas e sugestões para sanar tais irregularidades, visando, por conseguinte, engessar o procedimento, de modo a torná-lo seguro e evitar práticas corruptivas.
2 CONCEITO DE LICITAÇÃO
A Administração Pública, compreendida a Direta e a Indireta, segundo MELLO (2009), para desenvolver obras, serviços, realizar aquisições e alienar bens necessita realizar contratações que devem ser precedida de rigoroso procedimento licitatório. Vale conceituar licitação, observando-se as lições de MELLO (2009):
(...) é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras e serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de proposta, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados (MELLO, 2008, p. 519).
Assim sendo, cabe ao Poder Público utilizar dos procedimentos e certas modalidades licitatórias para realizar contratação, sendo elas: concorrência, tomada de preços, convite, leilão, concurso e pregão.
Cada uma dessas modalidades possui requisitos especiais para o seu desenvolvido e conclusão, que é a contratação.
Em contínua, o Poder Legislativo Federal, por competência estabelecida no art. 22, XXVII da Constituição da República, editou norma geral sobre licitação, a Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993. Futuramente, o mesmo Poder aprovou a Lei 10.520, de 17 de julho de 2002, denominada Lei do Pregão.
Nesses cadernos de dispositivos foram criadas Modalidades de Licitação, cada uma com seu procedimento especificado. Ressalta-se, conforme lembra MELLO (2009), essas leis não são as únicas que abordam o tema licitações. Temos também aquelas relativas às telecomunicações, realizada pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, regulado pela Lei 9.472, de 16 de julho de 1997. Tem-se também à desenvolvida pela Lei 9.479, de 6 de agosto de 1997, em que outorga à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP o poder de autorizar a concessão de exploração de petróleo e gás natural. Por fim, a que regula o procedimento para contratação de agências de publicidade, conforme estipulado pela Lei 12.232, de 29 de abril de 2010.
Insta salientar que esses procedimentos não fazem parte desse estudo, que se atém apenas às regras da modalidade Carta Convite, fixadas na Lei 8.666 de 21 de junho de 1993.
Pela denominada Lei Geral de Licitações, conforme anteriormente mencionado, foram criadas modalidades e procedimentos específicos para que o Poder Público possa realizar contratações e executar a despesa, observando-se o planejamento de governo.
Ocorre que o procedimento delineado pela Lei Geral de Licitações e Contratos, na modalidade Carta Convite, apresenta vícios que reportam em inconstitucionalidade por violar Princípios da Administração Pública, dispostos no art. 37 da Constituição Federal, bem como alguns institutos vem sendo interpretado em detrimento do interesse público.
Somando-se a presença de procedimentos inconstitucionais e a adoção de interpretação em desfavor do interesse público faz com que o procedimento licitatório seja utilizado pelos gestores como instrumento legal para se atingir finalidades ilícitas, o que opera a necessidade de se repensar a aplicabilidade de certos procedimentos regidos pela Lei 8.666/93.
Sem embargo, conforme relata DAMICO (2008), em artigo publicado no sítio eletrônico Âmbito Jurídico, perante a Modalidade Carta Convite “acredita-se que este procedimento licitatório fere uma gama de princípios constitucionais” (DAMICO; 2008).
O primeiro princípio que acreditamos que essa modalidade fere é o da Publicidade dos Atos Administrativos, ao passo que a Lei 8.666/93 estabelece que para essa modalidade basta a afixação do instrumento convocatório em um local de ampla visibilidade, geralmente dentro do próprio órgão.
Outro princípio que entendemos sofrer violação é o da Isonomia, posto que a Lei Geral determina número mínimo de três participantes, “tratando de maneira desigual os não convidados já que os mesmos não possuem meios razoáveis de pesquisa para tomar conhecimento da licitação pública” (DAMICO; 2008).
E mais, a Lei 8.666/93 dispensa, no todo ou em parte, os documentos de habilitação na modalidade carta convite (§ 1º do art. 32 da Lei 8.666/93), principalmente aqueles que fazem parte da regularidade fiscal, o que falicita a contratação de pessoas físicas e/ou jurídicas que não se encontram aptas a serem contratadas, ferindo, novamente, o Princípio da Isonomia, ao passo que outras pessoas se esforçam para estar e se manter regulares.
Outro vício que podemos encontrar decorre da abertura pela Lei em não exigir justificativa para a escolha dos três participantes, o que pode ocasionar em troca de favores políticos, ferindo, portanto, o Princípio da Impessoalidade. Salienta, também, que essa troca de favores pode acarretar em manifesto financiamento de campanhas eleitorais.
Aliás, esse é o entendimento de GROKSKREUTZ (2008):
Sendo assim, tal ato está obviamente contrariando as determinações do Princípio da Impessoalidade, pois, fica a critério do administrador público a escolha dos concorrentes do certame, sendo que eles mesmos irão confeccionar a carta convite.
Assim sendo, considerando esses entendimentos, pretendemos demonstrar que a modalidade de licitação carta convite é inconstitucional por ferir Princípios da Administração Pública.
3 CONHECENDO MELHOR OS INTITUTOS aplicadoS na carta convite
Conforme anteriormente mencionado, no presente trabalho pretende-se discutir nuances constitucionais sobre o procedimento fixado legalmente para a modalidade Carta Convite, relativo ao procedimento licitatório regulado pela Lei 8.666/93.
Neste ínterim, passemos agora, para melhor compreensão do tema, apresentar conceitos dos institutos que serão abordados neste trabalho: licitação, modalidade carta convite e princípio.
Desta forma, licitação, na sempre festejada doutrina de MELLO (2009):
(...) é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras e serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de proposta, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados (MELLO, 2008, p. 519).
Por sua vez, para MEDAUAR (2011):
Licitação, no ordenamento brasileiro, é processo administrativo em que a sucessão de fases e atos leva à indicação de quem vai celebrar contrato com a Administração. Visa, portanto, a selecionar quem vai contratar com a Administração, por oferecer proposta mais vantajosa ao interesse público. A decisão final do processo licitatório aponta o futuro contratado (MEDAUAR, 2011).
Para SOUZA (1997):
A licitação é um procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes. Isso propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos (SOUZA, 1997, p.14)
De posse dos conceitos acima, pode-se inferir que os de Mello e Medauar possuem diferenças significativas entre si, sendo o primeiro ponto de divergência aquele que eternamente se discute sobre se a licitação é um procedimento ou processo. Ressalta-se que este trabalho não pretende abordar sobre esse tema, o que nos permite concluir que as expressões “processo” e “procedimento” serão utilizadas indistintamente, ou seja, sem adoção de um ou outro conceito.
Quanto aos demais, me identifico com a lição de Medauar, no momento em que ela aponta que a licitação segue cadeia de atos sucessivos, isto é, uma sucessão de fases para que a administração possa escolher a proposta mais vantajosa.
Compreendo que a licitação é uma cadeia de atos administrativos sucessivos, do qual se inicia com o planejamento de gestão, ou seja, o gestor identifica as necessidades administrativas e do interesse público e, após esse ato, o subsequente é determinar ao órgão licitante que se promova vários atos de ordem interna para, posteriormente, realizar a publicação do instrumento convocatório, escolher a melhor proposta e contratá-la.
O instituto instrumento convocatório é importante para fixamos nosso parâmetro de pesquisa. É gênero dos quais o Edital e a Carta Convite são espécies. A escolha do tipo de ato convocatório possui como consequência a adoção de modalidades licitatórias diversas (art. 22), todas fixadas e reguladas pela Lei 8.666/93.
Conforme mencionado anteriormente, neste trabalho pretende-se discutir nuances sobre a modalidade Carta Convite, motivo pelo qual não serão abordados conceitos e regras próprias das demais modalidades.
Pela Lei 8.666/93, art. 21, § 3º, assim ficou conceituada a modalidade Carta Convite:
Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.
Sobre o conceito legal pode-se apontar três vícios de inconstitucionalidade dos quatros que se pretende abordar neste estudo, são eles: primeiro, exige-se convidar apenas três proponentes; segundo, a escolha desse trio se dá por ato discricionário e subjetivo; terceiro, não ocorre publicação do instrumento convocatório em jornal de grande circulação, apenas se afixa o ato em local apropriado. O quarto ponto cardeal que ora apontamos é o disposto no art. 32, § 1º da Lei 8.666/93, no qual autoriza o gestor a dispensar, no todo ou em parte, documentos de habilitação.
A licitação na modalidade carta convite possui procedimento simplificado, como, por exemplo, o lapso do prazo de publicação do ato convocatório para recebimento das propostas. NÓBREGA (2003), em artigo de sua autoria, assim adjetiva tal modalidade: “O convite, pelo que claramente se extrai da norma de regência, é, dentre as demais modalidades, aquela que se apresenta de modo mais simplificado”.
Segundo GROKSKREUTZ (2008), “a modalidade carta convite é utilizada para contratações consideradas de pequeno vulto”, conforme valores fixados no art. 23 da Lei 8.666/93, motivo pelo qual, ainda citando esse autor, o “legislador entendeu ser mais benéfico para a Administração Pública um procedimento mais simples e célere”.
Contudo, apesar de ser procedimento simples e célere, bem como para contratações consideradas de pequeno vulto, tem-se que tais circunstâncias processuais não podem ferir os princípios constitucionais. Assim sendo, mister fundamentar nosso posicionamento.
4 DOS VÍCIOS QUE IMPERAM A INCONSTITUCIONALIDADE DA MODALIDADE LICITATÓRIA DENOMINADA CARTA CONVITE
Passemos agora a abordar os institutos anteriormente mencionados e contrapô-los aos princípios constitucionais.
Pelo fato do Convite ser procedimento simplificado, o que equivale dizer que as regras das demais modalidades, em boa parte, não se aplicam a esta, gera polêmica na ordem acadêmica e prática.
Sem embargo, muito se discute se esta modalidade de licitação é ou não constitucional, tendo em vista as especificidades anteriormente apontadas, sendo que, todas elas, para boa parte da doutrina, entendem que afrontam princípios constitucionais.
4.1. Violação ao princípio da publicidade
Sem dúvida a maior polêmica existente na Carta Convite é a não exigência de sua publicação em veículo de grande circulação, basta, segundun legem, afixar o instrumento convocatório “em local apropriado”.
Para ZOLANDEK (2009), o fato de não haver publicação em jornal impresso, sendo apenas obrigatório a sua afixação em local de costume, “fere de morte o princípio da publicidade”.
Para esse autor, apaud Menezes Niebuhr (2008):
(...) esse procedimento é bastante problemático, porque, em primeiro lugar, como a Lei não exige a publicação de resumo da carta-convite em jornal impresso, apenas a expedição dela aos convidados e a fixação no quadro de avisos do órgão licitante, não há a mais tênue garantia de publicidade. Se o agente administrativo responsável pela carta-convite não o fixar no quadro de avisos, será fortemente improvável que alguém (...) terá condições de saber da existência dele.
Entendo que assiste razão os autores acima, haja vista que a ausência de publicação em jornal impresso do convite é ato inconstitucional por omissão, ao passo que basta o presidente da comissão de licitação declarar que o instrumento convocatório foi afixado no quadro de avisos a partir de certa data e, considerando a presunção de veracidade dos atos administrativos, essa declaração seria ato perfeito e praticamente incontestável. Contudo, essa declaração pode ser realizada por mero ato procedimental, sem que tenha sido efetivamente publicada no local de costume.
Devemos realizar um parêntese nesse momento, passando a explicar até que ponto um ato administrativo possui presunção de veracidade.
Segundo MELLO (2009), os doutrinadores administrativistas não são unanimes ao delinear os atributos dos atos administrativos, contudo, para ele, são: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.
Abordaremos somente o primeiro que assim é apresentado por Mello:
É a qualidade, que reveste tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao Direito, até prova em contrário. Isto é: milita em favor deles uma presunção júris tantum de legitimidade; salvo expressa disposição legal, dita presunção só existe até serem questionados em juízo. Esta, sim, é uma característica comum aos atos administrativos em geral (MELLO, 2009. P. 413).
Assim sendo, conforme acima relatado, a mera afixação do instrumento convocatório, ou mesmo seu extrato/resumo no quadro de avisos é ato formal que a Comissão de Licitação deve realizar, entretanto, basta sua declaração, dizendo o período pelo qual ficou publicado no quadro de avisos que o Princípio da Publicidade terá sido “cumprido”.
Não obstante, se vivemos em um Estado Democrático de Direito, mas ao mesmo tempo em um país de “jeitinho”, a mera declaração de publicação passa a ser instrumento que atribui legalidade em algo inconstitucional. Ou seja, esse procedimento não consegue inibir práticas corruptivas, ao passo que é praticamente impossível construir prova em contrário acerca da não publicação do instrumento.
Assim sendo, caso o gestor queira realizar um procedimento Carta Convite em favor de certa pessoa, ou seja, direcionando completamente o instrumento convocatório, nenhum cidadão eventualmente interessado terá conhecimento dos termos e do objeto.
Portanto, não resta dúvida que a ausência de publicação em jornal de grande circulação na modalidade carta convite fere o Princípio de Publicidade dos Atos Administrativos.
Ademais, segundo DAMICO (2008), alguns Estados da nossa federação, com o intuito de não ferir o Princípio da Publicidade, tais como Rio de Janeiro e Pernambuco, “instituíram em decreto estadual o dever de publicar o convite na imprensa oficial, a fim de garantir uma devida publicidade para o mesmo”.
4.2 Violação aos princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade
Em contínua, a ausência de publicação da Carta Convite não possui somente a consequência da violação ao Princípio da Publicidade, pois também fere o Princípio da Isonomia e da busca pela melhor proposta, da impessoalidade e da moralidade pública.
De fato, passemos agora a abordar o segundo e terceiro pontos cardeais anteriormente apontados acerca da inconstitucionalidade desta modalidade licitatória.
Iniciamos abordando quanto à necessidade de se ter apenas três licitantes convidados e sem nenhum critério objetivo para a essa escolha.
A inconstitucionalidade quanto à escolha do mencionado trio possui duplo ângulo jurídico que nos permite discutir: primeiro, a escolha dos participantes prescinde de fundamentação, tratando-se de ato discricionário; segundo, a exigência de apenas três proponentes é número sem objetividade que restringe a ampla concorrência.
Segundo GROKSKREUTZ (2008), a escolha dos proponentes é verdadeiro ato discricionário do administrador, “tendo em vista sua total autonomia na escolha dos participantes, não sendo necessário nem indicar os critérios de sua escolha, bastando enviar os convites”.
Ressalta-se que a Carta Convite possui procedimento simplificado para que a Administração possa realizar contratações de pequeno vulto, mas isso não pode significar que o Gestor Público possa enviar os convites a seu bel prazer. Subentende-se que os convites deveriam ser enviados aos proponentes cuja habilitação jurídica seria garantida por eles, posto que, não havendo três propostas válidas, o certame deve ser repetido.
No entanto, na prática não é esse o espírito da coisa. GROKSKREUTZ (2008) nos alerta que atualmente essa polêmica modalidade vendo sendo utilizada como meio de se pagar pelas campanhas eleitorais passadas e futuras, haja vista que os convites podem, sem critério, ser direcionados aos amigos do gestor, tornando o ato discricionário em arbitrário.
É nesse momento em que a escolha fere os Princípios da Impessoalidade e da Moralidade Pública.
De fato, para MELLO (2008):
O princípio da moralidade significa que o procedimento licitatório terá de se desenrolar na conformidade de padrões éticos prezáveis, o que impõe, para a Administração e licitantes, um comportamento escorreito, liso, honesto, de parte a parte.
De igual sorte, o mesmo doutrinador assim conceitua o princípio da Impessoalidade: “Nele se traduz a ideia de que a administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas” (MELLO, 2008. p. 114).
Segundo GROKSKREUTZ (2008), a escolha legal dos três convidados é ato puramente discricionário do administrador e, “evidentemente, um ato discricionário como esse acaba sendo parcial”, o que reporta na violação ao Princípio da Impessoalidade. E esse autor ainda nos alerta:
Tal legislação permitiu grande liberdade ao administrador, possibilitando que com meras manobras jurídicas este monopolize a Licitação na modalidade Carta Convite, permitindo-lhe escolher os possíveis concorrentes, e fixando todas as peculiaridades do possível contrato administrativo em um mero modelo de carta convite GROKSKREUTZ (2008).
Portanto, não resta dúvida que o envio indiscriminado dos convites fere categoricamente o texto constitucional, em especial ao caput do art. 37 da Constituição Federal.
No entanto, não podemos olvidar que estamos partindo do pressuposto que a modalidade Carta Convite deve ser repensada para evitar fraudes, posto que, se o Gestor for pessoa honesta, ainda que utilize o procedimento e realize os convites sem qualquer critério objetivo, estaria o ato respaldado pela Legalidade. A crítica decorre da necessidade de se repensar o procedimento, buscando soluções para evitar práticas corruptivas e eleitoreiras.
Por sua vez, a exigência legal de se convidar apenas três proponentes também merece nossa análise. Certo é que na época em que a Lei Geral de Licitações entrou em vigor o número e precisão das informações era muito inferior ao que temos dispostos nas Administrações Públicas de hoje. Até se pode admitir que o convite de apenas três proponentes naquela época encontra respaldo na interpretação teleológica, entretanto, atualmente, com tantos recursos tecnológicos disponíveis, entende-se que o convite de apenas três proponentes fere o Princípio da Isonomia, bem como não se chegará a melhor proposta, fazendo com que o administrador acabe por não utilizar o recurso financeiro disponível da melhor forma possível.
Indubitável que nas pequenas municipalidades o comércio geralmente é fraco, sem expressão de competitividade, o que acaba resultando em número grande de licitações na modalidade carta convite.
ZOLANDEK (2009) nos alerta que quando a carta convite se torna regra de procedimento licitatório “os agentes públicos tem privilegiado os seus, em detrimento de muitos outros eventuais interessados que poderiam fornecer produtos e serviços nas mesmas condições e, até melhores, do que as contratadas”.
Neste diapasão, o número mínimo de três proponentes é desprovido de qualquer critério objetivo e que vai de encontro a toda logística da Lei Geral de Licitações e Contratos, uma vez que a busca pela melhor proposta com apenas três convidados não propiciará à Administração instrumento suficiente para realizar o melhor negócio jurídico, o que acaba ferindo o Princípio da Isonomia e má aplicação dos recursos públicos.
Sem embargo, ZOLANDEK (2009), apaud Niebuhr, afirma que a escolha de apenas três fere o princípio em questão ao passo que “outros, que tem o direito de ser tratados com igualdade pela Administração Pública, não dispõem sequer de meios razoáveis para tomar conhecimento dela”.
Contudo, ZOLANDEK (2009), apaud Lucia Valle Figueiredo, afirma que ela defende de que a escolha de que apenas três convidados é constitucional, posto que:
(...) na licitação por carta convite, embora haja escolha de licitantes (em termos) porte da Administração, também não há lesão ao Princípio Isonômico. Prevalece o interesse público, pois torna-se desinteressante procedimento mais complicado e moroso, dado o pequeno vulto do valor envolvido. É a forma mais singela e coadunável com o futuro contrato.
Data vênia ao entendimento da professora Lucia Valle Figueiredo, entendemos que a violação de princípio constitucional é inaceitável, ainda que seja para dar celeridade as contratações de pequeno vulto.
De fato, imaginemos um ente federativo que realize várias licitações de pequeno vulto, mas todas, ou grande maioria, com objetivo ilícito de pagar a contra partida pelo financiamento de campanha eleitoral. Esse pequeno vulto passa a ser significativo. Não podemos admitir que fins particulares sejam financiados com recursos públicos.
Assim sendo, é nítido que o número de apenas três convidados, além de lhe faltar objetividade de escolha, fere a isonomia, considerando que outros proponentes em iguais condições, ou em até melhores, não são convidados.
Com isso é evidente que o recurso público passa a ser mal utilizado, inclusive podendo-se empregá-los para fins que fogem ao interesse público, tais como financiamento de campanhas eleitoreiras, ou simplesmente para favorecer seus companheiros.
4.3 Violação ao princípio da isonomia pela não exigência de documentos fiscais
Por fim, nosso quarto ponto cardeal de inconstitucionalidade está expresso no § 1º do art. 32 da Lei 8.666/93, no momento em que faculta ao Gestor dispensar, no todo ou em parte, documentos de habilitação. Vale transcrever o suso dispositivo legal:
§ 1º A documentação de que tratam os arts. 28 a 31 desta Lei poderá ser dispensada, no todo ou em parte, nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão.
Devemos trazer à baila quais seriam esses documentos, nos termos da Lei 8.666/93:
Art. 28. A documentação relativa à habilitação jurídica, conforme o caso, consistirá em:
I - cédula de identidade;
II - registro comercial, no caso de empresa individual;
III - ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor, devidamente registrado, em se tratando de sociedades comerciais, e, no caso de sociedades por ações, acompanhado de documentos de eleição de seus administradores;
IV - inscrição do ato constitutivo, no caso de sociedades civis, acompanhada de prova de diretoria em exercício;
V - decreto de autorização, em se tratando de empresa ou sociedade estrangeira em funcionamento no País, e ato de registro ou autorização para funcionamento expedido pelo órgão competente, quando a atividade assim o exigir.
Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:
I - prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC);
II - prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;
III - prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;
IV - prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei.
V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.
Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;
II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;
III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;
IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.
Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:
I - balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;
II - certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;
III - garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no "caput" e § 1º do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.
Analisando os dispositivos supra, tem-se que a regularidade jurídica não nos trás maiores problemas, posto que contrato social ou documento similar e documentos pessoais dos sócios, necessariamente os proponentes os deve possuir, ou simplesmente seriam fantasmas, sem qualquer direito civil.
Entretanto, quando passamos a abordar a regularidade fiscal disposta no art. 29 e considerando que eles podem ser dispensados na modalidade convite, entendemos que tal circunstância fere indubitavelmente o Princípio da Isonomia.
A regularidade fiscal é obtida através de certidões e certificados nos quais pessoas jurídicas de direito público, responsáveis pela arrecadação de certo tributo, as emitem.
Essa regularidade é adstrita à comprovação de quitação com contribuições perante o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, com as Contribuições Sociais perante o Instituto Nacional do Seguro Social, bem como quitação de pagamento de tributos federais, estaduais e municipais e, ainda, a regularidade perante a Justiça do Trabalho, oriundo de débitos trabalhistas.
Conforme dito, entendemos que a dispensa desses documentos, seja total ou parcialmente, fere o Princípio da Isonomia. De fato, imaginemos uma empresa que não realiza suas contribuições para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Essa omissão prejudica seus próprios funcionários que, eventualmente demitidos sem justa causa ou os que venham a se aposentar, por exemplo, estarão desamparados em momento socialmente crucial de suas vidas.
Além disso, imaginemos que esta mesma empresa não quite o Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU, tributo municipal que é utilizado para custear qualquer despesa pública, dada sua característica de não vinculabilidade, conforme nos ensina SABBAG (2011, p.403). É evidente que o ente municipal responsável pela arrecadação será lesionado pela ausência do pagamento, o que prejudica toda a municipalidade.
É com esse recurso financeiro que o município pode construir escolas, adquirir ambulâncias, merenda escolar, comprar livros didáticos, construir ou mesmo reformar uma praça, dentre tantas outras finalidades.
A importância do tributo não é simplesmente retirar do cidadão parte de seus recursos. Segundo SABBAG (2011, p.403), a finalidade da arrecadação é estritamente pública, é essencialmente em busca de se melhorar a vida de toda uma sociedade.
Feita essa abordagem, entendemos ser inaceitável a dispensa de documentos fiscais simplesmente porque a contratação é de pequeno vulto ou porque o procedimento é reconhecidamente simplificado.
Devemos lembrar que o nosso ordenamento jurídico é baseado em norma fundamental, e que as demais normas devem respeito a uma hierarquia maior. Com isso, entendemos que o Princípio da Isonomia, disposto no art. 37 da Constituição da República, é abruptamente violado quando a Lei Geral de Licitação admite a dispensa daqueles documentos.
Sem embargo, imaginemos duas empresas, uma realiza pagamento tributário conforme as regras que lhe são próprias, ou seja, é uma empresa adimplente com suas obrigações tributárias. Por outro lado, uma empresa que não paga suas contribuições e impostos, uma empresa que não respeita o Fisco, mas, diferentemente da primeira empresa, o sócio-administrador da segunda é amigo de um prefeito. Desde já podemos concluir que se o município vier a licitar algo que o objeto social da segunda empresa é compatível com o da licitação, evidentemente o prefeito mandará à Comissão convidá-lo. Caso inexistisse essa possibilidade de se dispensar esses documentos, essa segunda empresa jamais seria convidada pelo prefeito.
Sem embargo, o gestor somente convida empresas que tem certeza da sua habilitação, pois, conforme jurisprudência assentada do Tribunal de Contas da União, não havendo três propostas regulares, ou seja, com prévia análise e aprovação da documentação de habilitação, o certame deve ser repetido, conforme Acórdão 437/2009 Plenário TCU, o que causa prejuízo manifesto para a Administração.
Assim sendo, o que pode ser observado é que uma empresa social e tributariamente apta a ser contratada é sacada dos planejamentos de forma legal para se atingir uma ilegalidade, que no nosso exemplo é favorecer a segunda empresa, cujo sócio é amigo do gestor.
Portanto, além de ferir a Moralidade Pública, pois o comportamento exemplificado é no mínimo antiético, o Princípio da Isonomia é descartado.
Ademais, esse é o entendimento do TCU em recente decisão, vejamos:
É obrigatória a comprovação, em licitações na modalidade convite, da regularidade das licitantes perante a seguridade social e o FGTS, uma vez que o comando contido no art. 195, § 3º, da Constituição Federal se sobrepõe ao disposto no art. 32, § 1º, da Lei 8.666/93
Ex-membros da comissão de licitação do município de Tamandaré/PE interpuseram pedidos de reexame contra o Acórdão 2575/2009-Plenário, por meio do qual o Tribunal aplicara multa às responsáveis por irregularidades havidas na condução de procedimentos licitatórios na modalidade convite, envolvendo recursos de programas do Ministério da Educação e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Entre os ilícitos apontados, figurou a não comprovação, por parte das licitantes, na fase de habilitação, da regularidade perante a seguridade social e o FGTS. As recorrentes alegaram que a Lei 8.666/93, em seu art. 32, § 1º, dispensa tal documentação nas situações de convite, e que, no caso, as empresas vencedoras apresentaram as certificações reclamadas em momento posterior aos certames, atendendo-se, assim, ao disposto no art. 195, § 3º, da Constituição Federal. O relator considerou que “o entendimento consolidado nesta Corte de Contas é de que, por força do disposto no §3º do artigo 195 da Constituição Federal – que torna sem efeito, em parte, o permissivo do § 1º do artigo 32 da Lei 8.666/93 – a apresentação destes documentos é de exigência obrigatória nas licitações públicas, ainda que na modalidade de convite, para contratação de obras, serviços ou fornecimento, e mesmo que se trate de fornecimento de pronta entrega (ex vi da Decisão 705/1994- Plenário)”. Ponderou que “a irregularidade em comento impossibilitou a confirmação de que os certames foram homologados com, no mínimo, três propostas válidas. A fase procedimental própria para o exame da regularidade fiscal é a da habilitação e não se pode conhecer a proposta de preço sem que se haja esgotado a fase de habilitação”. Ademais, permitir que inadimplentes participem de licitações públicas “possibilitaria que os faltosos com o sistema de seguridade social competissem, na fase de habilitação, em condições de igualdade com aqueles em situação de adimplência, dispensando-se, assim, tratamento igual aos desiguais”. Assim, os recursos, quanto a esse ponto, não foram providos pelo Tribunal. Acórdão 98/2013-Plenário, TC 016.785/2004-0, relator Ministro Benjamin Zymler, 30.1.2013.
Não podemos permitir que uma empresa que paga alta carga tributária seja desconsiderada em favor de outra que não cumpre com suas obrigações fiscais, pois, do contrário, estaríamos realizando interpretação no sentido de se estimular empresas a deixarem de pagar seus tributos.
Desta feita, após termos passado pelos quatro pontos cardeais da modalidade carta convite, somente uma conclusão pode ser apontada: trata-se de procedimento que fere princípios constitucionais, fato que impera em repensarmos, de modo a coibir que os gestores a utilizem como meio legal para se atingir finalidade ilegal e imoral.
5 CONCLUSÃO
No presente artigo estudou-se sob uma visão crítica o Procedimento Administrativo Licitatório, especificamente à luz da modalidade Carta Convite.
Realizou-se pesquisa doutrinária e constatou-se que vários autores acordam que nessa modalidade permeia, ao menos, quatros atos administrativos que violam princípios constitucionais.
Mister frisar os vícios encontrados. O primeiro vício dessa modalidade licitatória é a ausência de uma ampla e efetiva publicação do instrumento convocatório. O segundo, baseado no fato que o administrador pode convidar proponentes sem justificar suas razões, ou seja, ato discricionário. O terceiro ponto, cientificado no sentido de que o número de apenas três convidados não é critério objetivo para se obter a melhor proposta. Por fim, o quarto problema foi diagnosticado quando a lei geral de licitações permite ao gestor dispensar documentos habilitatórios de natureza fiscal dos proponentes.
Com isso, desenvolveu-se argumentação de modo a demonstrar que cada vício supra-apontado viola um ou mais Princípios Constitucionais da Administração Pública, consagrados no art. 37 da Constituição da República.
Assim sendo, quanto a ausência de efetiva publicação do instrumento convocatório da modalidade convite, é possível concluir que se trata de um ato inconstitucional por omissão, posto que apenas pessoas ligadas ao gestor teriam ciência do procedimento, e que inexiste obrigação legal de se publicar a Carta a não ser no local apropriado, o que neutraliza qualquer cidadão que queira pesquisar editais abertos.
Portanto, a ausência de efetiva publicação do instrumento convocatório fere o Princípio da Publicidade dos atos administrativos, o que inviabiliza a participação de terceiros não convidados, bem como de se fiscalizar os termos e especificações técnicas do objeto da licitação.
De igual sorte, quanto à escolha dos proponentes, conclui-se que se trata de ato discricionário sem qualquer fundamentação pela escolha, o que, muitas vezes, somando-se a ausência de fiscalização por terceiros, porque não é publicado efetivamente, esse procedimento pode ser utilizado para pagar campanhas eleitorais, passadas, presentes ou futuras. Isto é, a escolha dos proponentes pode ser parcial, o que viola o Princípio da Impessoalidade.
Devemos lembrar que os recursos financeiros possuem destinação pública, e não para quitar favores pessoais do gestor, o que podemos concluir, também, que fere o Princípio da Moralidade, pois a escolha com tal natureza é, no mínimo, antiética e imoral.
Apresentamos entendimento da Professora Lúcia Valle Figueiredo, citada por ZOLANDEK (2009), no qual defende que a escolha desse trio é constitucional, justificando pelo fato do procedimento ser simplificado e aplicado nas contratações de pequeno vulto, fato que coaduna com o posicionamento de manter o procedimento conforme prescrito na Lei 8.666/93.
Apesar da defesa, entendemos que esse ato discricionário deve ser fundamentado e suas razões devem justificar a escolha dos proponentes. Com isso, podemos concluir, ainda, que essa escolha fere o Princípio da Igualdade, pois outras pessoas, físicas ou jurídicas em igualdade de condições com aquele convidado são descartadas simplesmente porque não são companheiros políticos.
Quanto ao terceiro ponto, fulcrado na ideia de que apenas três licitantes devem ser convidados, conclui-se que esse número é desprovido de qualquer critério objetivo.
Importante frisar que o segundo e terceiro pontos possuem denominações comuns, mas, nesse último, a visão crítica não é adstrita à escolha do trio, mas que com o número de apenas três proponentes não se chegará à escolha da melhor proposta.
De fato, todo o procedimento é respaldado em critérios objetivos, de modo que nenhum ato administrativo deve ser realizado de forma que possa causar prejuízo para qualquer interessado.
Por iguais fundamentos utilizados sobre o segundo ponto de inconstitucionalidade, esse terceiro acaba por violar o Princípio da Igualdade, mas não porque determinada pessoa não foi escolhida ou a foi sem qualquer justificativa, mas simplesmente porque não existe razão para apenas três proponentes serem convidados.
Em momento oportuno, frisou-se que na época de publicação da Lei 8.666/93 as informações e tecnologias não estavam a disposição da Administração e Particulares como hodiernamente ocorre, fato que, nas pequenas municipalidades, o convite de apenas três proponentes até poderia ser justificado. Contudo, atualmente, esse fundamento não mais procede.
Portanto, a ausência de critério objetivo em determinar que apenas três proponentes sejam convidados, entendeu-se que, atualmente, que essa regra fere o Princípio da Igualdade, posto que outros proponentes pudessem participar em igualdade de condições. Ou seja, iguais são tratados de forma desigual.
Por fim, o último ponto estudado foi a faculdade de se dispensar, no todo ou em parte, os documentos habilitatórios.
Através dos exemplos apresentados conclui-se que esse tipo de ato fere indubitavelmente o Princípio da Igualdade, inclusive essa dispensa de documentos pode acarretar em estímulo para que pessoas jurídicas deixem de pagar seus tributos, o que nos levaria ao caos de evasão fiscal.
Sem dúvida o Princípio da Igualdade é manifestamente violado, posto que empresas não adimplentes com suas obrigações fiscais podem ser contratadas pela Administração, e as que estão adimplentes, mas não por conhecerem os gestores, são descartadas dos planejamentos administrativos. Novamente, tratam-se os iguais de maneira desigual.
Portanto, conforme se pode observar, a modalidade Carta Convite pode ser facilmente utilizada por políticos e servidores com finalidade ilegal e estritamente particular, em especial para financiar campanhas eleitorais.
Ora, data vênia a entendimento diverso, utilizar de instrumento legal para se atingir finalidade ilegal é inaceitável, é imoral, e os agentes que assim agirem merece repressão rigorosa das autoridades judiciárias.
Assim, pela indignação da forma como se utiliza o instituto, alternativa não resta senão repensar o procedimento, adotando-se teorias e outros métodos de forma a evitar tais práticas corruptivas.
O pensamento é engessar o procedimento dessa modalidade, ou mesmo extirpá-la da normal geral.
Nesse diapasão, os Estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, conforme menciona DAMICO (2008), através da competência concorrente e suplementar dos Estados, nos termos do art. 24 da Constituição Federal, em matéria processual, resolveram editar norma legal que obriga suas comissões de licitação a publicar a carta convite no diário oficial. Isto é, tais entes federativos entenderam que a ampla publicação do instrumento convocatório deve ocorrer também nessa polêmica modalidade, e que a não publicação fere o Princípio da Publicidade.
Essa é uma importante observação, ao passo que há muito se discute sobre a inconstitucionalidade pela omissão de uma ampla publicação e, considerando a inércia do Legislativo Federal, e que inexiste controle de constitucionalidade sobre esse tema no Supremo Tribunal Federal, a competência legislativa concorrente passa a ser instrumento interessante em defesa de interpretação das normas conforme o texto constitucional.
Alternativamente, mas similar a solução acima mencionada, seria publicar a Carta Convite em sítio eletrônico oficial do ente licitante. Sem embargo, atualmente a mais avançada ferramenta de pesquisa é a internet, e se consideramos que já existem sítios eletrônicos especializados em licitação, basta o ente licitante publicar a Carta utilizando-se dessa importante ferramenta. Com isso, aos iguais seriam dadas as mesmas oportunidades de participação, bastando o interessado pesquisar.
Aproveitando o ensejo, fazendo apenas um breve parêntese, entendemos que a publicação em sítio eletrônico ou simplesmente publicação virtual é a melhor medida, tendo como fundamento homenagear o meio ambiente, de forma que teríamos procedimento administrativo sustentável, com economia de folhas e impressões.
Desta forma, ocorrendo a festejada ampla publicação, seja em jornal impresso ou pela internet, conclui-se que a realização do convite para três proponentes perderia sua utilidade, já que a principal característica da Carta Convite, que é a sua não publicação, passaria a ter procedimento similar à modalidade Concorrência, fazendo com que qualquer interessado possa pesquisar e, se desejar, participar do certame.
De igual forma, entendemos que a discricionariedade na escolha dos convidados merece ser rediscutida. Sem embargo, conforme SALGADO (2010) salientou em artigo publicado na Revista Jurídica Del Rey, devemos imaginar a discricionalidade administrativa na sua “ordem inversa, reduzindo-se o seu alcance para admitir amplitude na sua apreciação pelo Poder Judiciário”, ou seja, conforme acima mencionado, o pensamento principal é engessar esse procedimento, sendo que, obrigando o administrador a justificar a escolha dos proponentes seria ato fundamental que coaduna e respeita os Princípios da Impessoalidade e da Igualdade.
Assim sendo, se passasse a justificar a escolha desses proponentes teríamos uma rigidez muito grande, pois seria ato de extrema complexidade, pelo que entendemos melhor revogar essa exigência de escolha mínima, mas condicionada a ampla publicidade.
Por fim, quanto a faculdade de dispensa de documentos habilitatórios, entendeu-se que alternativa não resta senão revogar o dispositivo legal do § 1º do art. 32 da Lei 8.666/93. Não vislumbramos opção processual que possa nos induzir a convalidar essa norma, nem mesmo exigindo uma fundamentação concisa e circunstanciada por parte do gestor.
Portanto, diante de todos os atos jurídicos permitidos na modalidade carta convite, considerando-se os procedimentos fixados na Lei 8.666/93, não resta dúvida que fere abertamente Princípios Constitucionais regulados no art. 37 da CF/88, o que torna esse procedimento em manifesta inconstitucionalidade.
Conclui-se, também, que alguns atos podem ser modificados para melhor se adequarem a Moralidade Pública, contudo, outros, entendemos que não resta opção a não ser sua revogação.
Ressaltamos, por fim, que a fundamentação de defesa de que a Carta Convite é constitucional simplesmente porque seu procedimento é conciso e porque é utilizado para contratações de pequeno vulto, data vênia e com enorme respeito a essa opinião, entendemos que os Princípios Constitucionais devem, a todo custo, serem respeitados, pois são eles quem baliza os atos sociais e jurídicos, regulando padrões de comportamento que viabilizam a vida comunitária.
Portanto, concluo que engessar esse procedimento para torná-lo mais rigoroso é medida que se impõem e que pode evitar abuso ou excesso no seu uso, bem como para que haja efetivo atendimento e aplicação daqueles princípios. Nas linhas de SALGADO (2010), “retirando-se do campo jurídico interno os atos administrativos com eles incompatíveis e, pois, em desacordo com a ordem constitucional”.
Para assentar a matéria, concluo que a modalidade Carta Convite, observando-se as regras dispostas na Lei Geral, é ato administrativo inconstitucional por violar princípios consagrados no art. 37, caput da CF/88.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União nº. 191-A, de 05 de Outubro de 1988;
BRASIL. Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília. 22 de junho de 1993;
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Revista Eletrônica. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União. – 4ª. Ed. revisada, atualizada e ampliada – Brasília: TCU, Secretaria Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010;
DAMICO, Rodolpho Pandolfi. As fragilidades da carta convite. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 50, 29/02/2008. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2544>. Acesso em: 22 de Março de 2012;
GROKSKREUTZ, Hugo Rogério. Licitação na modalidade convite em face ao principio da impessoalidade. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 51, 31/03/2008.
Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista _artigos_leitura&artigo_id=4623>. Acesso em 22 de Março de 2012;
HARDAGH, C. C.; SOUZA, A. I.; PEREIRA, S. R. - Metodologia da Pesquisa Científica e Jurídica – Material de Aula da Disciplina: Metodologia da Pesquisa Científica e Jurídica, ministrada nos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtuais da Anhanguera-Uniderp/Rede LFG, 2011;
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 15ª. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011;
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª. São Paulo: Malheiros Editores, 2009;
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011;
SALGADO, Plínio. O Poder Discricionário da Administração Pública: Uma Breve Visão Conceitual e Evolutiva De Se Controle Jurisdicional. Revista Del Rey Jurídica, São Paulo, Volume Único, 2º Semestre, Edição 24. Páginas 14-16, 2º Semestre/2010;
SOUZA, Fátima Regina de. Manual Básico de Licitação: como agir diante de um procedimento licitatório. Virtual Books, 1997. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/27324207/2/Conceito-de-licitacao> Acesso em: 09 de Maio de 2012;
NÓBREGA, Airton Rocha. A Carta-Convite: instrumento convocatório simplificado. Teresina: Jus Navigandi, 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4964/a-carta-convite> Acesso em: 09 de Maio de 2012;
ZOLANDEK, Paulo. A utilização do convite nas licitações como regra geral e suas fragilidades. Laranjal/PR: Jus Vigilantibus, 2009. Disponível em: < http://jusvi.com/artigos/41235> Acesso em: 10 de Maio de 2012;
FORMADO EM DIREITO PELA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS; PÓS-GRADUADO EM DIREITO PÚBLICO PELA UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP; PÓS-GRADUADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO PELA UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP; ADVOGADO - OAB/MG 128.614; PROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO DE DIAMANTINA/MG;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRUCE, GUILHERME DIAS. Licitação na modalidade carta convite é constitucional? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2020, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55306/licitao-na-modalidade-carta-convite-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.