GUSTAVO ANTONIO NELSON BALDAN.
(orientador)
Resumo: O presente artigo abordará sobre a atual necessidade e importância da descriminalização do aborto no Brasil. O aborto é o ato praticado com a finalidade de interromper a gravidez e provocar a morte do feto. Apesar do aborto ainda ser um tabu, é sabido que diariamente centenas de mulheres praticam aborto e que a grande maioria delas são submetidas a procedimentos clandestinos, vez que o aborto ainda não é permitido no país. O aborto induzido é uma espécie de crime contra a vida, e está previsto no Código Penal Brasileiro desde o ano de 1984. As quatro formas de aborto tipificadas como crime, são: o auto aborto consentido; aborto provocado por terceiro ou sofrido; aborto consensual e aborto qualificado. Existem também, três tipos de abortos legais, quais sejam: aborto necessário ou terapêutico; aborto sentimental e aborto de feto anencéfalo, que serão tratados de forma detalhada neste trabalho. O método utilizado para elaboração deste artigo foi o de revisão de literatura, através do estudo de doutrinas, legislações penais e reportagens sobre o tema escolhido.
Palavras-Chave: Aborto. Descriminalização. Direito da mulher.
Sumário: INTRODUÇÃO. 1 CONCEITO DE ABORTO. 2 ABORTO E O CÓDIGO PENAL BRASILEIRO; 2.1 Tipos de aborto criminoso; 2.1.1 Auto aborto; 2.1.2 Aborto provocado por terceiro ou sofrido; 2.1.3 Aborto consensual; 2.1.4 Aborto qualificado; 2.2 Tipos de aborto legal; 2.2.1 Aborto necessário ou terapêutico; 2.2.2 Aborto sentimental; 2.2.3 Aborto de anencéfalo; 3. O DIREITO DE ESCOLHA DA MULHER. 4. DADOS E ESTATÍSTICAS. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas, as mulheres têm lutado pelo fim da discriminação e pela igualdade de gênero.
Os direitos referentes à saúde da mulher foram inseridos nas políticas nacionais de saúde nas primeiras décadas do século XX, e neste período, os direitos eram restritos apenas às demandas referentes à gravidez e ao parto.
Mas, apesar de todas as conquistas na luta pelos direitos da mulher, ainda há muito para ser alcançado, principalmente em relação aos direitos reprodutivos das mulheres.
No Brasil, o aborto é considerado crime contra a vida humana e encontra-se tipificado no artigo 124 e seguintes do Código Penal Brasileiro que prevê pena de detenção nos casos de aborto com ou sem consentimento da gestante.
Quando o assunto é aborto, a grande discussão é sempre em razão da defesa da vida do feto, independente da vontade da mulher. O assunto gera polêmica no âmbito jurídico, mas também, no âmbito religioso.
O aborto é um problema social e envolve questões de saúde pública, em razão da forma de sua realização, que ocorre, na maioria das vezes, de maneira clandestina e insegura, provocando vários danos, físicos e psicológicos, à saúde da mulher.
Atualmente, inclusive nas hipóteses em que o aborto é permitido por lei, ainda existe dificuldade para que a mulher o realize de forma segura, em razão da falta de informação, do preconceito existente, e de outros inúmeros fatores que demonstram a ineficácia do Estado em garantir o acesso à saúde pelas mulheres.
As mulheres que estiverem passando por uma gravidez indesejada, e em razão da falta de legislação que ampare e permita a realização segura do aborto, decidirem recorrer ao aborto clandestino, não podem ser condenadas à morte por não terem acesso aos seus direitos previstos na Constituição Federal.
Inúmeras mulheres de diferentes classes sociais abortam, o que diferencia uma das outras, é o modo como a interrupção da gestação é feita, quanto mais baixa a classe social da mulher, maior as chances de comprometer sua saúde reprodutiva e até mesmo a vida.
O aborto atualmente surge como um dos principais assuntos entre os científicos, religiosos e os parlamentares jurídicos diante dos conflitos gerados perante o assunto e as diversas manifestações de grupos a favor e contra, pois, assim como a vida e a preservação do feto é importante, a vida da gestante também é.
Neste artigo serão abordados os tipos de abortos existentes, permitidos e criminosos, bem como, a importância da descriminalização do aborto que, em pleno século XXI, deveria ser direito de livre escolha da mulher gestante.
O presente artigo será realizado por meio de revisão bibliográfica, sendo a análise e a revisão da literatura em livros, artigos, doutrinas, impressos ou disponíveis eletrônicos.
1 CONCEITO DE ABORTO
O aborto é a interrupção da gravidez com a morte do feto. Consiste na interrupção da gestação antes que a mesma se conclua, ou seja, é a expulsão prematura, natural ou provocada, do feto do útero da mãe, impedindo que continue seu pleno desenvolvimento (CAPES, 2018).
De acordo com Mirabete (2015, p.59):
Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes da sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto.
Segundo Capez (2018, p.119) ensina que:
Aborto é a interrupção da gravidez, com a consequente destruição do produto. Consiste na eliminação da vida intra-uterina. Não faz parte do conceito de aborto a posterior expulsão do feto, pois pode ocorrer que o embrião seja dissolvido e depois reabsorvido pelo organismo materno em virtude de um processo de autólise; ou então pode suceder que ele sofra processo de mumificação ou maceração, de modo que continue no útero materno (CAPEZ, 2008, p.119).
Na área médica, o aborto é definido como a interrupção da gravidez até 20ª ou 22ª semana, ou quando o feto pese até 500 gramas ou, ainda, segundo alguns, quando o feto mede até 16,5 cm (MORAIS, 2008).
O aborto pode ser natural, acidental, criminoso, legal ou permitido.
O aborto natural não é crime e ocorre quando há uma interrupção espontânea da gravidez.
O acidental decorre de circunstâncias imprevistas, como por exemplo, uma queda ou um acidente sofrido pela gestante.
O aborto legal ou permitido é aquele aborto amparado legislação, ou seja, é a modalidade de aborto que pode ser realizada.
O aborto criminoso é aquele proibido por lei, e ocorre quando a mulher grávida força a interrupção do desenvolvimento do feto ou embrião.
O aborto não é um assunto recente na sociedade, ele sempre esteve presente e gerou ao longo dos anos várias abordagens jurídicas diferentes, tendo em vista os valores éticos, morais e ideológicos que variavam de acordo com a sua época (MORAIS, 2017).
Segundo Marques e Bastos (1998) e Schor e Alvarenga (1994), a prática do aborto é antiga e conhecida em todas as épocas e culturas, tendo um sentido e significado específico em cada uma delas. Sobre isto, Pattis (2000) acrescenta que o aborto foi exercido por todos os grupos humanos até hoje conhecidos, embora possuam concepções, motivações e técnicas completamente diferentes ao longo do tempo (REBOUÇAS, 2010, p. 22).
O aborto é reconhecido mundialmente como um problema de saúde pública desde o ano de 1994, quando houve a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento no Cairo. O reconhecimento ocorreu em razão das consequências físicas e emocionais ocasionadas pelo aborto, que podem levar a sequelas irreversíveis, e até mesmo à morte das mulheres (SELL et al., 2015).
2 ABORTO E O CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
No Brasil, o aborto é considerado crime contra a vida, embora, não se trate de crime contra a pessoa, pois, o produto da concepção – feto ou embrião – não é considerado pessoa, para fins de Direito (BITTENCOURT, 2012).
O Código Penal Brasileiro pune a interrupção induzida, voluntária e forçada da gravidez de diversas formas distintas, por meio de tipos penais diferentes (LIMA; MUNIZ NETO, 2018).
O delito de aborto encontra-se no Capítulo I do Título I do Código Penal, correspondente aos crimes contra a vida, razão pela qual, de acordo própria situação topográfica, o bem juridicamente protegido de forma precípua, por meio dos três tipos penais incriminadores é a vida humana em desenvolvimento (GRECO, 2009, p.244).
O crime de aborto é tipificado nos artigos 124 ao 127 (auto aborto consentido; aborto provocado por terceiro ou sofrido; aborto consensual; aborto qualificado) do Código Penal.
A realização do aborto só é permitida em três casos, em casos de estupro, chamado de aborto sentimental; em casos onde ocorra o risco de morte para a mãe, chamado de aborto terapêutico ou necessário, e; quando o feto apresentar anencefalia que serão tratados de forma detalhada neste capítulo.
2.1 Tipos de Aborto Criminoso
Para que haja o aborto criminoso é necessário que se comprove a gravidez, o dolo, bem como, é preciso que se constate também a morte do feto no momento da concepção. Existem três práticas que são consideradas como o aborto criminoso, sendo elas, os abortos provocados por terceiro com e sem consentimento da mãe e também aquele chamado de autoaborto, o que é provocado por ela própria (SABOIA, 2020).
2.1.1 Autoaborto
O autoaborto encontra-se disposto no artigo 124 do Código Penal.
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.
No autoaborto a própria gestante é quem pratica a conduta abortiva que provoca à morte do feto. A forma mais comum de realização do auto aborto é através da ingestão do uso de medicamento com substâncias abortivas.
Trata-se de crime de mão própria, pois, somente a gestante pode realizar.
A pena para o crime de auto aborto é de um a três anos de detenção. Como a pena mínima é de um ano, é cabível a suspensão condicional do processo, desde que a gestante preencha os demais requisitos do artigo 89 da Lei n° 9.099/95.
2.1.2 Aborto Provocado por Terceiro ou Sofrido
O aborto provocado por terceiro ou sofrido encontra-se disposto no artigo 125 do Código Penal.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
O aborto provocado por terceiro ou sofrido, possui como sujeito ativo qualquer pessoa, e trata-se de crime comum, o sujeito passivo é o feto e também a gestante.
O abortamento sem o consentimento da gestante, é a forma mais grave do delito, pois o agente age com dolo direto.
O crime é consumado com a interrupção da gravidez e consequentemente morte do feto, sendo desnecessária sua expulsão do ventre materno.
Importante citar que no crime de aborto não se aplica a agravante genérica do artigo 61, inciso II, alínea h do Código Penal. Tal agravante trata da hipótese de quando o crime é cometido contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; e fundamenta-se na situação de fragilidade ou debilidade da vítima, na facilidade que encontra o agente para cometer o delito e na sua covardia.
2.1.3 Aborto Consensual
O aborto consensual encontra-se disposto no artigo 126 do Código Penal, o qual dispõe que:
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
O aborto consensual também se encontra disposto na segunda parte do artigo 124 do Código Penal. A conduta típica no auto aborto consiste em provocar o aborto em si mesma, isto é, a própria gestante que decide interromper a própria gestação. Mas há também o caso de quando a gestante permite que outra pessoa lhe provoque o aborto.
A gestante que consente no aborto incorre na mesma pena do auto aborto, ou seja, é como se ela tivesse provocado o aborto em si mesma, conforme está expresso no artigo 124 do Código Penal. O agente que provoca o aborto com a autorização da gestante, incorre nas penas do artigo 126.
O aborto consentido tipificado no artigo 126, engloba dois crimes, quais sejam, um para a gestante que consente que no ato prática a conduta delitiva e, outro, para o sujeito que lhe provoca o aborto que pratica a conduta.
Segundo Bitencourt (2012) em relação à gestante que consente e ao autor que provoca materialmente o crime de aborto consentido não pode ser aplicado o disposto no caput do artigo 29 do Código Penal, o qual se refere ao concurso de pessoas.
2.1.4 Aborto Qualificado
Nos termos do artigo 127 do Código Penal, o aborto será qualificado quando em decorrência do ato do aborto, a gestante morrer ou sofrer lesão corporal grave.
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
O aborto qualificado se caracteriza por ser um meio onde pode haver causas de aumento da pena do indivíduo que pratica o ato com ou sem o consentimento da gestante.
De acordo com Bitencourt (2007, p.137):
Tal artigo apresenta duas causas especiais de aumento de pena, para o crime praticado com o consentimento da gestante: Lesão corporal de natureza grave e morte da gestante. Somente a lesão corporal de natureza Grave, e a morte, qualificam o crime de aborto. Essas qualificadoras aplicam-se a apenas ao aborto praticado, por terceiro, não sendo aplicado ao aborto praticado pela própria gestante, pois não se pune a auto lesão, nem o ato de matar-se.
Assim, perante a lei, quem tira a vida de uma gestante, tendo ciência de que ela está grávida, irá responder por crime de homicídio doloso e também por crime de aborto (SABOIA, 2020).
2.2 Tipos de Aborto Legal
Como o próprio nome já diz, o aborto legal é a interrupção da gravidez nos casos previstos e autorizados por lei. O aborto legal tem um componente técnico, baseado em protocolos médicos, protocolos assistenciais, de enfermagem, de assistência social, de psicologia etc. E um outro componente, não menos importante, em razão da característica deste procedimento, que é a legislação, componente ético-legal (IFF, 2017).
2.2.1 Aborto Necessário ou Terapêutico
O aborto necessário ou terapêutico está previsto no inciso I do artigo 128 do Código Penal:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
O aborto necessário ou terapêutico é aquele que ocorre quando a vida da gestante está correndo perigo e não exista outro meio de salvá-la, senão, fazendo o aborto.
Esta modalidade de aborto pode ser efetuada quando se constata que o feto trará futuramente, algum perigo para a vida da mulher gestante (SABÓIA, 2020).
Conforme dispõe Bittencourt (2013) o aborto necessário exige dois requisitos, quais sejam: o perigo de vida da gestante e a inexistência de outro meio para salvá-la. É necessário que haja perigo iminente à vida da gestante, e não apenas o perigo à saúde, mesmo que seja muito grave. O aborto deve ser a única forma de salvar a vida da gestante, caso contrário o médico responderá pelo crime.
O artigo 128 dispõe que não será punível o aborto praticado por médico, ou seja, para que não constitua crime, o aborto deve ser realizado apenas por médico habilitado.
Contudo, no caso de aborto necessário, em que há a necessidade de salvar a vida da gestante, o aborto pode em tese, ser praticado por uma pessoa que não seja médica, com base no estado de necessidade, previsto no artigo 24, do Código Penal (MELO, 2020).
2.2.2 Aborto Sentimental
O aborto sentimental, também chamado de aborto humanitário ou ético, está previsto no inciso II do artigo 128 do Código Penal:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
(...)
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Sempre que ocorrer a prática do crime de estupro e deste resultar uma gravidez para a vítima, a legislação penal autoriza a realização do aborto, sem nenhum tipo de consequência ou punição ao médico que realizá-lo.
De acordo com Prado (2011, p.129):
O mal causado é maior do que aquele que se pretende evitar. De conformidade com a teoria diferenciadora em matéria de estado de necessidade – que faz distinção entre os bens em confronto -, há a exclusão da culpabilidade da conduta pela inexigibilidade de conduta diversa. O fundamento da indicação ética reside no conflito de interesses que se origina entre a vida do feto e a liberdade da mãe, especialmente as cargas emotivas, morais e sociais que derivam da gravidez e da maternidade, de modo que não lhe é exigível outro comportamento.
O crime de estupro pressupõe o emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima, que tem a sua dignidade sexual absolutamente violada, invadida e subjugada, pelo agressor. Assim, notoriamente, trata-se de um delito penal que ocasiona imensuráveis danos e traumas à vítima, os quais, muitas vezes, são irreparáveis (OLIVEIRA, 2020).
Para realização do aborto sentimental, é necessária a comprovação de que a gravidez é resultado de estupro; e, o prévio consentimento da gestante, ou de seu representante legal, quando se tratar de menor, acerca da realização do aborto. A vítima do estupro tem que manifestar expressamente a sua concordância (OLIVEIRA, 2020).
Para a realização do aborto sentimental, não é exigida a prévia condenação do estuprador e também não é necessária autorização judicial.
2.2.3 Aborto de Anencéfalo
No ano de 2012 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o aborto de feto anencéfalo não é mais considerado crime.
A anencefalia é uma grave malformação fetal que resulta da falha de fechamento do da estrutura que dá origem ao cérebro e a medula espinhal, levando à ausência de cérebro, calota craniana e couro cabeludo. A junção desses problemas impede qualquer possibilidade de o bebê sobreviver, mesmo se chegar a nascer (SANTOS, 2012).
Busato (2005, p. 588) define anencefalia como:
Uma patologia congênita que afeta a configuração encefálica e dos ossos do crânio que rodeiam a cabeça. A consequência deste problema e um desenvolvimento mínimo do encéfalo, o qual com frequência apresenta uma ausência parcial, ou total do cérebro (região do encéfalo responsável pelo pensamento, a vista, ouvido, o tato e os movimentos). A parte posterior do crânio aparece sem fechar é possível, ademais, que faltem ossos nas regiões laterais e anterior da cabeça.
Segundo Belo (1999, p.83):
É certa, portanto, a inviabilidade da sobrevida do feto anencéfalo. Constata-se que a Anencefalia é uma alteração na formação cerebral, resultante de falha no início do desenvolvimento embrionário do mecanismo de fechamento do tubo neural, sendo caracterizados pela falta dos ossos cranianos (frontal, occipital e parietal), hemisférios e do córtex cerebral.
Nos casos de anencefalia, apesar de todos os avanços na área da medicina, não existe nenhum método de tratamento ou cura que possa viabilizar a vida do feto anencéfalo, a morte do feto é inevitável, trata-se de morte cerebral, mesmo que o coração funcione não há vida sem atividade cerebral (CHACUR; POLEGATI, 2016). A ausência de cérebro faz com que o feto não possua qualquer chance de ter vida, por essa razão, que o aborto foi autorizado.
3 O DIREITO DE ESCOLHA DA MULHER
Apesar de ser considerado como um Estado Laico, o Brasil é um país conservador que vem de uma tradição religiosa que não separava Estado da Igreja, e ainda não separa, não somente o Brasil, mas todos os países da América Latina e Caribe (CRISÓSTOMO, 2018).
A prática do aborto vai muito além de valores morais, éticos e religiosos.
Ademais, o Código Penal não pode delimitar por condutas morais e religiosas. A legislação penal tem o objetivo de tutelar bens jurídicos definidos pelo Estado laico. Um Estado que precisa observar os direitos fundamentais, em particular, no âmbito criminal, para justamente poder afirmar-se como democrático (MENDES, 2014, p. 200).
É sabido que diversas mulheres, em razão de diferentes questões e contextos nos quais estão inseridas, decidem por abortar, e tal decisão deveria ser enfrentada com muita cautela. Não cabe a ninguém decidir pela vida de terceiro.
Segundo Diniz (2009) o aborto é uma realidade que afeta a sociedade e que não podemos ignorar; a forma de encarar o problema deve ser baseada na criação de políticas de prevenção de gravidez não desejada, por meio da educação; devendo também haver a despenalização e a regulação da interrupção voluntária da gravidez oferecendo garantias sanitárias e jurídicas, para as mulheres que livremente decidirem por abortar e evitar problemas derivados do aborto clandestino.
De acordo com Blay (2008) quando se trata de aborto se costuma fazer menção educação de todas as mulheres. Não se deve levar em consideração somente o direito da vida do feto, mas também os direitos e a vida da mãe.
Toda mulher tem direito a decidir, então, sobre sua vida, mais ainda quando se trata de seu próprio corpo. Se o direito à vida do feto se contrapõe ao direito de toda mulher a decidir sobre sua vida, sobre seu projeto de vida e sobre seu corpo, por um lado, essa livre escolha causará danos ao feto e a terceiros, cabendo aí o limite constitucional (também relativo) da autonomia pessoal. (...) O aborto é um procedimento demasiadamente intrusivo e ninguém o deseja. É uma situação temida, dolorosa, mas milhares de mulheres recorrem a isso, amparadas ou não pela lei. (BLAY, 2008, p. 35)
Muito se fala em direito à vida, do direito à vida do feto que ainda vai se desenvolver para poder nascer. Mas, e o direito da vida da mulher gestante? Quando a mulher engravida, ela perde seus direitos? Ela perde sua autonomia? E a partir do momento da descoberta da gravidez, o Estado quem passa a mandar no corpo da mulher? Essa realidade precisa mudar.
Muito se lutou até a presente data para que as formas de aborto legal citadas no capítulo 3.2 fossem autorizadas. E, ainda há muito caminho a ser seguido para que o aborto em qualquer situação seja autorizado.
A proibição do aborto está relacionada com o não reconhecimento do direito das mulheres a decidirem sobre a maternidade e sobre a sexualidade (SILVEIRA, et. al. 2018).
Aqueles que atuam contra o aborto constroem o argumento de que as mulheres seriam irresponsáveis, tirando qualquer responsabilidade dos homens na concepção, inclusive com discursos permissivos à violência sexual (SILVEIRA, et. al. 2018).
4 DADOS E ESTATISTICAS
O SUS registrou cerca de 195 mil internações por aborto espontâneos e por decisão judicial ou médica, em 2019. Foi uma média de 535 por dia. Os abortos por motivos previstos em lei são minoria. A cada 100 internações por aborto, 99 foram de abortos espontâneos e tipos indeterminados de gravidez interrompida. Apenas 1 foi aborto previsto em lei (LICHOTTI; MAZZA e BUONO, 2020).
Neste mesmo ano, o SUS registrou ainda, por dia, uma média de 5 internações de crianças de 10 a 14 anos por aborto, tantos os abortos previstos em lei quanto os espontâneos (LICHOTTI; MAZZA e BUONO, 2020).
No ano de 2020, entre os meses de janeiro a junho, o SUS fez um total de 1.024 abortos legais em todo o Brasil. Também neste mesmo período, foram realizadas 80.948 curetagens e aspirações, que são os processos necessários para limpeza do útero após um aborto incompleto. Esses dois tipos de procedimentos são mais frequentes quando a interrupção da gravidez é provocada (ACAYABA; FIGUEIREDO, 2020).
O Brasil registrou também, 642 internações por aborto de meninas de 10 a 14 anos no primeiro semestre de 2020 (LICHOTTI; MAZZA e BUONO, 2020).
O SUS não possui exatamente os dados de quantas mulheres foram atendidas em decorrência da realização de aborto clandestino. Contudo, elas fazem parte do grupo que passou por alguma das 80.948 intervenções realizadas apenas no 1º semestre de 2020 em decorrência de aborto espontâneo, clandestino ou de complicações pós-parto (ACAYABA; FIGUEIREDO, 2020).
Neste ano, um caso de aborto tomou conta das mídias e causou comoção na população. Uma criança de apenas dez anos de idade foi submetida a um aborto, após ter sido estuprada quatro anos pelo tio (ALMEIDA, 2020).
A criança conseguiu autorização judicial para interromper a gestação que já estava na vigésima segunda semana. O caso aconteceu em Recife – PE (ALMEIDA, 2020).
A violência sexual sofrida pela criança só foi descoberta quando a mesma se queixou de dores abdominais e foi levada ao hospital. Após confirma a gravidez, a criança revelou aos médicos que sofria abusos sexuais e ameaças do tio (ALMEIDA, 2020).
Diversos manifestantes foram até a porta do hospital no Recife onde foi realizado o procedimento. Entre os grupos que se mobilizaram em frente ao centro médico para protestar contra o procedimento estão o Movimento Pró-Vida e o grupo católico pernambucano Porta Fidei, estes manifestantes pregavam pela não realização do aborto. Também houve mobilização no local para defender o direito da vítima de interromper uma gravidez decorrente de estupro, um dos grupos que compareceu foi o Fórum de Mulheres, do movimento feminista (ZYLBERKAN, 2020).
O aborto é um tema que gera diferentes opiniões e é um tema que faz com que as pessoas queiram intervir na vida das outras.
Diariamente casos de estupros são noticiados e geram a indignação da sociedade, e porque os casos de aborto referente a esses estupros geram a indignação da sociedade, mas de forma contrária?!
Quando uma criança é estuprada, ela é vista como vítima. Quando a criança vítima de estupro engravida (frisa-se que, independentemente de sua vontade e apenas porque foi vítima de crime cometido mediante violência) e é autorizada judicialmente a abortar, a criança passa a ser vista como criminosa, quando na realidade a mesma não passa de mais uma infeliz vítima de estupro e do maldito julgamento alheio.
5 CONCLUSÃO
Apesar de legalizadas apenas três modalidades de aborto no Brasil, o aborto vem sendo praticado diariamente por milhares de mulheres. O aborto ainda é considerado crime, pois a vida do feto é mais preservada do que a vida da própria mulher gestante.
Ser a favor da legalização do aborto, não é ser a favor da prática do aborto. Ser a favor da legalização do aborto, é ser a favor do direito de todas as mulheres, todas aquelas que não possuem condições financeiras, aquelas que possuem alguma enfermidade, aquelas que não se sentem preparadas para serem mães, aquelas que por um descuido engravidaram sem planejar, entre outras, é ser a favor do direito de escolha.
Não se pode tirar o direito de uma mulher de fazer o que bem entender com seu próprio corpo, em razão de uma gravidez, em razão de um feto que ainda não veio ao mundo. Não se pode admitir que um feto ainda em idade gestacional, seja mais importante que a vida da mulher que o carrega.
Se legalizada todas as formas do aborto, não só haverá liberdade de opção para as mulheres, bem como, haverá um ambiente seguro para que elas façam o procedimento. A legalização seria apenas uma garantia de que mulheres não morrerão ou ficarão inférteis em decorrência de procedimentos clandestinos, é uma medida de saúde pública e planejamento familiar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACAYABA, Cíntia; FIGUEIREDO, Patrícia. SUS fez 80,9 mil procedimentos após abortos malsucedidos e 1.024 interrupções de gravidez previstas em lei no 1º semestre de 2020. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/08/20/sus-fez-809-mil-procedimentos-apos-abortos-malsucedidos-e-1024-interrupcoes-de-gravidez-previstas-em-lei-no-1o-semestre-de-2020.ghtml>. Acesso em: 20 out. 2020.
ALMEIDA, Gabriela. Garota de 10 anos que abortou após ser estuprada foi amparada por lei; saiba o que diz Constituição. 2020. Disponível em: <https://www.opovo.com.br/noticias/brasil/2020/08/17/garota-de-10-anos-que-abortou-apos-ser-estuprada-foi-amparada-por-lei--saiba-o-que-diz-constituicao.html>. Acesso em: 20 Out. 2020.
BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 17 Set. 2020.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Especial 2. v. II. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BLAY, Eva. Assassinato de Mulheres e Direitos Humanos. São Paulo: Editora 34, 2008.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v.II.
CARPES, Amanda. A falácia da criminalização do aborto. Disponível em: <https://www.unicuritiba.edu.br/images/tcc/2018/dir/AMANDA-CARPES.pdf>. Acesso em: 19 Set. 2020.
CRISÓSTOMO, Laina. Aborto como direito humano. 2018. Disponível em: <http://www.justificando.com/2018/07/11/aborto-como-direito-humano/>. Acesso em: 22 Out. 2020.
DINIZ, Debora. Aborto e saúde pública: 20 anos de pesquisas no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v.25, n.4, p. 939-942, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009000400025&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 14 Nov. 2020.
ESPINOZA MAVILA, Olga; IKAWA, Daniela Ribeiro. Aborto: uma questão de política criminal. Boletim IBCCRIM: São Paulo, 2001.
GALLI, Maria Beatriz; MELLO, Maria Elvira Vieira de. A descriminalização do aborto como uma questão de igualdade de gênero e justiça social. Juízes para a democracia, São Paulo, v. 12, n. 44, p.8, dez./fev. 2007-2008.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, V. II. 6.ed. revista, ampliada e atualizada. Niterói: Impetus, 2009.
INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA. Principais questões sobre aborto legal. 2017. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-aborto-legal/>. Acesso em: 29 Out. 2020.
LICHOTTI, Camille; MAZZA, Luigi; BUONO, Renata. Os abortos diários do Brasil. 2020. Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/os-abortos-diarios-do-brasil/>. Acesso em: 20 Out. 2020.
LIMA, Daniel; MUNIZ NETO, José. A descriminalização do aborto no Brasil é realmente apenas uma questão de gênero?. 2018. Disponível em: <https://blogjuridicoderobertohorta.com/tag/autoaborto/>. Acesso em: 17 Out. 2020.
MELO, Fabiano de Souza. Em quais situações o aborto é permitido no Brasil?. 2020. Disponível em: <https://fabianomelo.jusbrasil.com.br/artigos/914351849/em-quais-situacoes-o-aborto-e-permitido-no-brasil?ref=feed>. Acesso em: 20 Out. 2020.
MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo: Saraiva, 2014.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 32 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
NISENBAUM, Débora. Manual para não falar besteira sobre a legalização do aborto. 2018. Disponível em: <https://medium.com/neworder/manual-para-n%C3%A3o-falar-besteira-sobre-a-legalizacao-do-aborto-58388e9ece55>. Acesso em: 18 Out. 2020.
POLEGATI, Gustavo Henrique Borges ; CHACUR, Rachel Lopes Queiroz. STF acertou ao descriminalizar aborto de anencéfalos. 2016. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-dez-18/stf-acertou-descriminalizar-aborto-anencefalos>. Acesso em: 19 Out. 2020.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
REBOUÇAS, Melina Séfora Souza. O aborto provocado como uma possibilidade na existência da mulher: reflexões fenomenológigo-existenciais. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp147587.pdf>. Acesso em: 26 Set. 2020.
SABÓIA, Thiago.Aborto: A polêmica de sua legalização e todos os seus aspectos na sociedade brasileira. 2020. Disponível em: <https://saboia69.jusbrasil.com.br/artigos/806148038/aborto-a-polemica-de-sua-legalizacao-e-todos-os-seus-aspectos-na-sociedade-brasileira?ref=serp>. Acesso em: 22 Out. 2020.
SANTOS, Débora. Supremo decide por 8 a 2 que aborto de feto sem cérebro não é crime. 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/supremo-decide-por-8-2-que-aborto-de-feto-sem-cerebro-nao-e-crime.html>. Acesso em: 22 Out. 2020.
SELL, Sandra Elisa. et al. Motivos e significados atribuídos pelas mulheres que vivenciaram o aborto induzido: revisão integrativa. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n3/pt_0080-6234-reeusp-49-03-0502.pdf>. Acesso em: 19 Set. 2020.
SOUZA, Veronica A. N. Galdino. Aborto: direito de escolha da mulher?. 2017. Disponível em: <https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/5228/1/TCC%20VERONICA2017.pdf>. Acesso em: 20 Out. 2020.
ZYLBERKAN, Mariana. Quem são os grupos que tentaram impedir o aborto de menina de 10 anos. 2020. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/quem-sao-os-grupos-que-tentaram-impedir-o-aborto-de-menina-de-10-anos/>. Acesso em: 20 Out. 2020.
Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENIS, Camila Cardoso. A importância da descriminalização do aborto no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 abr 2021, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56343/a-importncia-da-descriminalizao-do-aborto-no-brasil. Acesso em: 26 nov 2024.
Por: Daniella de Pádua Walfrido Aguiar
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Precisa estar logado para fazer comentários.