RESUMO: Com a introdução da Lei nº 8.666/93, bem como sua sucessora a Lei nº 14.133/21, o parecer técnico teve grande relevância ao auxiliar o gestor público na tomada de decisão. Este trabalho tem como objetivo analisar a possível responsabilização do parecerista, advogado público, durante a licitação, bem como o papel do Tribunal de Contas da União - TCU neste caso. A metodologia utilizada foi uma pesquisa bibliográfica acerca dos conceitos e caracterizações pertinentes a tal trabalho, bem como, uma análise documental das jurisprudenciais e leis expressas em nosso ordenamento jurídico.
Palavras-chaves: Administração pública, Parecer Técnico, Licitação
ABSTRACT: With the introduction of the Law no. 8.666/93, as well as its successor, the Law no. 14.133/21, the technical advice has had great relevance in assisting the public manager in decision making. This articles has the goal of analyzing the possible accountability of the de advisor, public attorney, during the bidding, as well as the role of the Union Audit Office (TCU) in this case. The methodology utilized was a bibliographical research about the concepts and portrayals which are importante to the article, and also, a documental analysis around jurisprudence and laws expressed in our juridic ordering. Key-words: Public administration, Techincal advice, Bidding.
Sumário: 1. introdução 2. Administração Pública, 2.1. Função administrativa, 3. Licitação pública e sua obrigatoriedade, 4. O Controle e o Tribunal de Contas da União - TCU, 5. O parecer técnico na licitação, 6. Responsabilidade dos pareceres técnico-jurídicos do advogado público, Considerações Finais, 7. Referências.
Com a introdução da Lei nº 8.666/93 houve uma série de inovações jurídicas no âmbito do Direito Administrativo, não somente, foi precursora da Lei de Licitação nº 14.133/21. Ainda sobre a luz da antiga lei, porém, analisando também sobre a perspectiva da nova lei, este trabalho dará enfoque à fase inicial da licitação, mais especificamente do parecer técnico realizado antes da licitação. Devido ao seu caráter fundamental no processo decisório do gestor, algumas dúvidas permeiam acerca de sua responsabilidade.
Com isso o trabalho tem como objetivo analisar a responsabilidade do parecerista na licitação perante o TCU, de forma que seja elucidado tanto no âmbito normativo quanto jurisprudencial as responsabilidades do advogado e todas as questões que as permeiam. Tendo vista a grande gama de conceitualizações que esse trabalho utilizou, optou-se por utilizar o método dedutivo, à medida que foi-se pesquisando os grandes conceitos a fim de proporcionar uma adentramento mais profundo ao conteúdo através de uma revisão bibliográfica.
Ademais, a metodologia empregada foi, preliminarmente, revisão bibliográfica acerca de alguns temas pertinentes ao direito administrativo na visão dos clássicos, bem como os mais atuais, para chegar-se no que envolve o objetivo deste trabalho: a responsabilidade do parecerista técnico. Após tal análise, esta pesquisa também se atentou a analisar os fundamentos normativos que dizem respeito aos conceitos abordados nesta produção acadêmica e por fim, coletou-se dados jurisprudenciais emanados do próprio órgão de controle, analisando os acórdãos que tratam deste tema.
Em suma, este trabalho será dividido em três partes, a primeira irá fazer uma revisão bibliográfica acerca de Administração Pública e da Licitação, após isso será feita uma análise acerca controle da Administração Pública e do Tribunal de Contas da União-TCU, posteriormente será feita uma discussão no tocante a responsabilidade do parecerista jurídico e por fim será discorrido sobre o elemento chave de tal questão: o termo ‘’erro grosseiro’’.
2 Administração Pública
A administração Pública, nos moldes modernos, está intrinsecamente ligada ao conceito de Estado, no qual este é o pilar da organização dos serviços públicos prestados aos administrados e da democracia como conhecemos hoje. Com isso, a vontade estatal se manifesta através dos seus poderes nos moldes de Montesquieu, são eles o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
No mais, dado ao conteúdo deste trabalho, é necessário entender que a Administração Pública, de forma macroscópica, é todo esse aparelhamento do Estado em que se coordena a realização de serviços com o objetivo de satisfazer as demandas do coletivo. Para MEIRELLES (2015, Pag. 68) esta administração não pratica atos de governo; pratica, tão somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes.
Ademais, é necessário fazer um adendo quanto a definição de administração pública, esta que pode ser entendida através desses dois sentidos, o (i) sentido subjetivo ou formal que pode ser definido como conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do governo; e o (ii) sentido objetivo e material, que é expresso como conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral (MEIRELLES, 2015). Podemos ainda, citar nesse sentido, a visão de Di Pietro, 2017:
Basicamente, são dois os sentidos em que se utiliza mais comumente a expressão Administração Pública: a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo. (2017, 120)
Em suma, o sentido objetivo se trata da própria função administrativa, que é gerida pelo Estado e destinada aos interesses sociais através da prestação de serviços públicos. Já o sentido subjetivo, diz respeito ao conjunto de órgãos e pessoas jurídicas que integram as entidades estatais, ou seja, os sujeitos que exercem, de fato, a função administrativa.
2.1. Função administrativa
Diante disso, entende-se a função administrativa como o dever do Estado (ou seus entes) em concretizar os interesses públicos, através da utilização dos meios disponíveis (bens, contratos, agentes e órgãos públicos, etc.) e com base nos princípios e no sistema normativo que a controla (MIANO, 2019). Basicamente, administrar é aplicar a Lei e por se tratar de uma administração pública, a aplicação da Lei deve ser voltada a conservar os bens e serviços que são de interesse da coletividade.
Apesar da atividade estatal defender o interesse público e ter um regime jurídico que caracteriza supremacia sobre o particular, a administração pública possui uma atuação limitada, a fim de não atingir os cidadãos com arbitrariedades ao executar suas atividades. Com isso, é de suma importância discorrer sobre o controle da administração pública para o entendimento dos assuntos a seguir.
3. Licitação pública e sua obrigatoriedade
Preliminarmente, é necessário entender que o contrato administrativo está intimamente ligado com a licitação, visto que tal contrato exige licitação prévia, só dispensada, dispensável ou inexigível nos casos expressamente previstos em lei.
Assim, como exemplifica Meirelles (2015), a licitação é o antecedente necessário do contrato administrativo; o contrato é o consequente lógico da licitação. Com isso, a licitação pode ser entendida, para Meirelles (2015), como o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Tendo em vista isso, o procedimento licitatório caminha através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, fazendo com que a oportunidade seja igual a todos os interessados, tendo também como pressuposto a competição.
Continuando nessa seara, a licitação é ordenada por alguns princípios fundamentais que são elencados neste momento por MEIRELES:
o art. 32 da Lei de Licitação, os princípios que regem a licitação, qualquer que seja a sua modalidade, resumem-se nos seguintes preceitos: procedimento formal; publicidade de seus atos; igualdade entre os licitantes; sigilo na apresentação das propostas; vinculação ao edital ou convite; julgamento objetivo; adjudicação compulsória ao vencedor e probidade administrativa; 105 e, no tocante às compras, seu art. 15, 1, refere-se ao princípio da padronização. 106 A lei destaca aqueles princípios mais específicos da licitação; mas, obviamente, como o próprio art. 32 revela, os demais princípios constitucionais também são aplicáveis no estudo desse instituto. (2015, p. 356)
Percebe-se com isso que além dos princípios expressos na lei de licitação os princípios constitucionais ainda permeiam esse instituto, sendo assim a sua observância é crucial no processo licitatório. Ademais, não será destacado as definições de cada princípio já que não é de interesse do trabalho.
É cabível expressar também que, a Lei nº 8.666/93 prevê cinco modalidades de licitação, em seu artigo 22: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão; nos cinco primeiros parágrafos do referido artigo, define-se cada uma dessas modalidades; no § 8º, veda a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das referidas neste artigo. No entanto, pela Medida Provisória nº 2.026/2000, foi criado o Pregão como nova modalidade de Licitação. Não somente, cabe destacar que a Lei nº 14.133/21, sucessora da ainda vigente Lei de Licitação, alterou tais modalidades citando, assim, em seu artigo 28 as seguintes modalidades: Pregão, Concorrência, Concurso, Leilão e o Diálogo Competitivo, este último uma nova modalidade.
Por fim, é necessário destacar que a Constituição Federal exige licitação para os contratos de obras, serviços, compras e alienações, como também para a concessão e a permissão de serviços públicos. Estão obrigados à licitação todos os órgãos da Administração Pública direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Acerca das entidades da administração indireta, o artigo 119 da Lei nº 8.666/93 determina que editarão regulamentos próprios, devidamente publicados e aprovados pela autoridade de nível superior à que estiverem vinculados, ficando sujeitos às disposições da lei.
4. O Controle e o Tribunal de Contas da União - TCU
O controle pode ser definido de inúmeras maneiras no decorrer das doutrinas. Para Nohara, são os mecanismos que permitem a vigilância, a orientação e a correção da atuação administrativa para que não haja distanciamento entre aquelas e as regras e princípios do nosso ordenamento jurídico (2019, pag. 760). Tal aproximação com o ordenamento é também feito por Di Pietro onde é expresso que a finalidade do controle é a de garantir que a administração atue síncrona com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, como os da legalidade, moralidade, finalidade pública, publicidade, impessoalidade (2019, pag. 972).
Alguns autores, como Carvalho Filho (2015), ainda dividem o controle em dois, o (i) político, que é aquele relacionado com os mecanismos de freios e contrapesos entre os poderes estruturais da República já o (ii) administrativo, que se relaciona com a fiscalização da atividade administrativa e é empregado com vistas à função, aos órgãos e aos agentes administrativos. Para finalizar essa conceituação, podemos utilizar a utilizada por Helly Lopes Meirelles:
Controle, em tema de administração pública, é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro. O controle no âmbito da Administração direta ou centralizada decorre da subordinação hierárquica, e, no campo da Administração indireta ou descentralizada, resulta da vinculação administrativa, nos termos da lei instituidora das entidades que a compõem.
Nessa senda, é essencial a conceituação e ressaltar a importância do controle, matéria que exprime a busca pela observância dos princípios jurídicos nos órgãos do Estado, garantindo assim os interesses do coletivo sejam atendidos com máxima eficiência e transparência, com um sistema de apuração e punição de irregularidades.
Não somente, o controle também possui algumas classificações no decorrer da doutrina, porém por conta do cerne deste trabalho será utilizado a classificação feita por Meirelles (2015), esta que classifica o controle em controle interno e externo no qual será discorrido a seguir.
O Controle interno, como expressa Meirelles (2015, pag. 797), é todo aquele realizado pela entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da própria Administração, nesse sentido qualquer controle concretizado pelo poder executivo sobre seus serviços e agentes também será considerado interno, bem como o controle do Legislativo ou do Judiciário, por seus órgãos de Administração.
Não somente, a nossa Magna Carta em seu artigo 74 expressa que os três Poderes de Estado devem manter o controle interno de forma integrada. Destarte, no §2º ainda expressa que em caso de alguns dos responsáveis pelo controle externo tomarem conhecimento de qualquer irregularidade, deverá ser realizada denúncia perante o Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.
Ademais, agora sobre o controle externo, em nossa Constituição, o capítulo concernente à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, prevê o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 71) e o controle interno que cada Poder exercerá sobre seus próprios atos (arts. 70 e 74). Não somente, podemos ainda citar o entendimento de Meirelles:
Controle externo - É o que se realiza por um Poder ou órgão constitucional independente funcionalmente sobre a atividade administrativa de outro Poder estranho à Administração responsável pelo ato controlado, como, p. ex., a apreciação das contas do Executivo e do Judiciário pelo Legislativo; a auditoria do Tribunal de Contas sobre a efetivação de determinada despesa do Executivo; a anulação de um ato do Executivo por decisão do Judiciário; a sustação de ato normativo do Executivo pelo Legislativo (CF, art. 49, V); a instauração de inquérito civil pelo Ministério Público sobre determinado ato ou contrato administrativo, ou a recomendação, por ele feita, "visando à melhoria dos serviços públicos", fixando"prazo razoável para a adoção das providências cabíveis" (art. 62, XX, da Lei Complementar 75, de 2.5.93).(2015, pag. 798)
Com isso, dado a exemplificação de Helly Lopes percebe-se as inúmeras formas de controle externo que podem ser exercidas pela Administração Pública, garantindo assim, a previsão constitucional da integração entre os poderes no que se refere ao controle. No mais agora vamos discorrer sobre o controle externo com enfoque no TCU.
A competência do Tribunal de Contas da União está prevista no art. 71, caput, da Constituição Federal. Sua função é auxiliar o Congresso Nacional no controle externo da Administração Pública através da fiscalização financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial dos atos administrativos. Apesar de atuar em conjunto com o Congresso, a Corte de Contas deve ser compreendida como órgão autônomo e independente, sem estar subordinada a qualquer um dos Três Poderes, com competências exclusivas e asseguradas constitucionalmente (CABRAL, 2014).
Diante disso, focaremos a análise das competências do TCU naquela prevista no art. 71, II do Texto Constitucional, que diz respeito ao julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta e também daqueles que provocarem perda, extravio ou outra irregularidade que cause prejuízo ao erário. Essa previsão de atribuir ao TCU poder de julgar tem gerado divergências na doutrina atual.
Para José dos Santos Carvalho Filho (2017), o termo “julgar” previsto na Constituição não diz respeito à atribuição dada aos juízes no exercício de sua jurisdição, mas sim no sentido de examinar e analisar as contas, pois a função exercida pelo TCU é, acima de tudo, administrativa. Para além, o artigo 5º, XXXV da Constituinte, prescreve que nenhuma lesão a direito será excluída da apreciação do Judiciário, demonstrando que as decisões da Corte de Contas estão sujeitas ao controle do Poder Judiciário como qualquer outro ato administrativo e não são dotadas de definitividade (característica da jurisdição).
Em contrapartida, Evandro Martins Guerra (2007, p. 168) defende que:
[...] quando, em colegiado, as Cortes efetuam o julgamento das contas dos demais administradores públicos, está executando tarefa que lhe é peculiar, a função jurisdicional prevista na Carta Magna (art. 71, II), sendo sua decisão impossível de revisão pelo Poder Judiciário, salvo se houver vício de forma, posto que, antes da decisão de mérito, deve ser observado o devido processo legal. Assim sendo, sua atividade é também contenciosa.
E por fim, Celso Antônio Bandeira de Melo (2017), ao classificar os critérios que caracterizam as funções do Estado, defende que o critério objetivo material entende que os elementos da função devem ser extraídos da própria ordem jurídica e mesmo o TCU tendo atividades semelhantes às de órgãos jurisdicionais, suas decisões não possuem força definitiva (coisa julgada) e por isso não pode se atribuir função jurisdicional a essa Corte.
Expostas as divergências, analisaremos posteriormente se há competência do Tribunal de Contas em responsabilizar e julgar os atos dos pareceristas jurídicos nos procedimentos de licitação, considerando a posição e influência que os consultores têm nos atos administrativos, principalmente se suas decisões acarretam em prejuízos dos recursos públicos.
5. O parecer técnico na licitação
A licitação é um procedimento pelo o qual a Administração Pública busca selecionar a proposta mais vantajosa e verificar quem oferece melhores condições para a realização de obras, prestação de serviço ou fornecimento de produtos. (LACOMBE, 2009). O processo licitatório visa à oferta que será melhor ao interesse público, com economia dos recursos e mediante análise de custos e benefícios. Diante disso, Meirelles (2007, p. 26) leciona que a licitação conduz a um contrato, que objetiva uma obra, um serviço, uma alienação ou uma compra. É um convite ao particular para celebrar um pacto contratual com o poder público.
Segundo Victor Aguiar Jardim de Amorim (2017, p.37), a licitação possui três pressupostos:
a) pressuposto lógico: pluralidade de objetos e pluralidade de ofertantes, uma vez que, diante da inexistência de concorrência e variedade de objetos a serem ofertados, a realização de licitação não tem o menor sentido; b) pressuposto jurídico: quando a licitação se constitui em meio apto, em tese, para a consecução do interesse público; c) pressuposto fático: existência de interessados na disputa. Diante da ausência de concorrentes, não há como realizar a licitação.
Em regra, a competência para emissão de parecer é o advogado da Advocacia-Geral da União, mas também poderá ser emitido por advogado ocupante de cargo de provimento em comissão ou advogado contratado. Segundo Di Pietro (2015), os advogados não desempenham apenas funções em litígios em nome das instituições, mas também oferecem consultoria em ações administrativas e na legalidade de contratos. Como consultores, os advogados públicos expressam opiniões legais, essa é a base do seu trabalho.
Nesse sentido, o parecer funciona como um ato jurídico, que objetiva exprimir uma declaração de vontade, com base na lei para desempenhar funções administrativas na gestão do interesse coletivo. É através dos pareceres que a opinião ou conhecimento da Administração Pública sobre determinada situação fática ou jurídica é manifestada. (CUNHA JÚNIOR, 2015).
Adiante, Meirelles (2010) considera que a opinião administrativa é apenas o desempenho técnico em um assunto que foi submetido à consideração e depende de atos decisórios para produzir efeitos, logo, a emissão de opinião não constitui ato administrativo, mas sim um ato que for por ele aprovado.
Acerca do assunto, o Supremo Tribunal Federal em decisão do Mandando de Segurança 24.631-6/DF dividiu o parecer jurídico em três espécies: (i) facultativo, quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, por isso, não tem caráter vinculante para quem o solicitou; (ii) obrigatório, quando é exigido por lei como pressuposto para a prática final do ato, dessa forma, ele também não é vinculante, pois a obrigatoriedade diz respeito apenas à sua solicitação e (iii) vinculante, quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e acatá-lo, pois deixa de ser meramente opinativo e o administrador só pode decidir nos termos do parecer, ou não decidir.
Nesse viés, vale destacar que a doutrina e jurisprudência majoritária, consideram o parecer vinculante como aquele previsto no art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8666/93 (Lei de Licitações), que torna obrigatório o exame e aprovação das minutas de edital de licitação e dos contratos por assessoria jurídica da Administração. Di Pietro (2017) leciona que o parecer emitido à luz do artigo anteriormente citado possui o caráter vinculante e por isso o gestor não pode discutir sobre sua aplicabilidade. Perante isso, o parecer vinculante possui destaque nos casos da incidência da responsabilização dos pareceristas, que será analisada posteriormente.
6. Responsabilidade dos pareceres técnicos-jurídicos do advogado público
Tendo em vista que, com a promulgação da Lei nº 8.666/93, foram introduzidas inúmeras, até então, inovações no campo da licitação, cabe este trabalho salientar a previsão de que as minutas de editais de licitações, bem como as minutas de contratos, acordos, convênios ou ajustes deveriam ser previamente examinadas e, notadamente, aprovados por assessoria jurídica da Administração.
Ademais, ressalta-se que a Lei nº 14.133/21 ainda faz um adendo quanto a responsabilidade do parecerista nos momentos que o mesmo estiver de acordo com o estabelecido na Lei, cabendo a advocacia pública (a critério do agente público) sua representação judicial e extrajudicial, ressaltando-se que, quando os atos ilícitos dolosos constarem nos autos do processo, tanto administrativa quanto judicial, tal representação por parte da advocacia pública, será vetada.
Diante destes dois contextos, vê-se uma nova abordagem acerca da responsabilização de tais atos administrativos, visto que os pareceres têm papel fundamental nos casos que possuem obrigatoriedade. Nesse sentido, no que se refere às instâncias, há pacificação sobre a independências destas como é visto através do REsp 1012647/RJ:
DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA E PENAL. INDEPENDÊNCIA DE INSTÂNCIAS. ABSOLVIÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DO FATO. FALTA RESIDUAL. INEXISTÊNCIA.
1. As responsabilidades disciplinar, civil e penal são independentes entre si e as sanções correspondentes podem se cumular (art. 125); entretanto, a absolvição criminal, que negue a existência do fato ou de sua autoria, afasta a responsabilidade administrativa (art. 126)’. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
2. O artigo 23 da Lei n. 8.935/94 não resta violado quando o fato imputado ao agente, que fundamentou a aplicação da pena de suspensão por 90 (noventa) dias, restou declarado inexistente, não havendo conduta outra, cometida pelo servidor, capaz de configurar-se como infração disciplinar, a justificar a aplicação daquela penalidade.
3. É que a responsabilidade administrativa deve ser afastada nos casos em que declarada a inexistência do fato imputado ao servidor ou negada sua autoria pela instância penal.
4. Destarte, afastada a responsabilidade criminal do servidor, por inexistência do fato ou negativa de sua autoria, afastada também estará a responsabilidade administrativa, exceto se verificada falta disciplinar residual, não abrangida pela sentença penal absolutória. Inteligência, a contrario sensu, da Súmula 18 do STF, verbis: ‘Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público’
(REsp 1199083/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 08/09/2010; MS 13.599/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2010, DJe 28/05/2010; Rcl 611/DF, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/10/2000, DJ 04/02/2002) [...] (REsp 1012647/RJ. RECURSO ESPECIAL 2007/0291819-6. Ministro LUIZ FUX. PRIMEIRA TURMA. 23/11/2010).
Tendo em vista o expresso no Recurso Especial, percebe-se que a responsabilidade do parecerista será analisada sobre as óticas administrativa e judicial, tendo a primeiro enfoque neste trabalho. Voltando a esfera da responsabilização, compete o julgamento do parecerista técnico nos casos de licitação ao Tribunal de Contas da União (TCU) vez suas competências atribuídas no texto constitucional e supracitadas neste trabalho, com isso o entendimento de Jardim (2015, p. 4) é :
Ainda na esfera administrativa, eventual responsabilização pode ser imputada ao parecerista pelo Tribunal de Contas. A potencial competência para tal medida sobressai do comando constitucional que atribui a esse órgão o poder de julgar as contas públicas e aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelece, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário.
Síncrono com o entendimento deste trabalho, percebe-se a inerência do TCU em julgar as irregularidades que podem ocorrer nesta seara. No mais, ainda cabe destacar que nem todos os advogados devem ser julgados pelo já citado órgão sendo competência, como expresso por Joel de Menezes Niebuhr (2004), apenas para aqueles que exercem função administrativa, aqueles que prestam os seus serviços para a Administração Pública, tomando decisões ou influindo na tomada de decisões.
Não somente, há autores que expressam que o parecerista não possui responsabilidade nessa seara, em uma visão mais branda a Barreto (2017) expõe que
comprovada a má-fé do advogado parecerista, a vontade deliberada, dirigida para causar o dano ao erário por meio do parecer deve ser o critério para a punição do parecerista, ressaltando ainda a dificuldade de ser analisar tal fato já que os critérios subjetivos que permeiam tal questão sobrando assim a punição apenas para os casos em que a responsabilização do Advogado Público parecerista tem como foco principal o erro grave e inescusável. Em outro ponto, Torres (2008) expressa que há casos que os gestores utilizam dessa prerrogativa de responsabilização a fim de se mascarar o ilícito dos seus casos discricionários perante os órgãos de controle. Esta não responsabilização do advogado também se observa no ilustre Art. 2º, §3º do Estatuto dos Advogados que manifesta a prerrogativa de que no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta Lei. Não somente, o já citado autor, ainda questiona a competência do TCU perante tais casos, alinhado com a definição de ''Responsável pelas contas’’ do Decreto-Lei nº 200/67, Torres (2008) advoga pelo não enquadramento do advogado público nesse caso, incitando assim uma incompetência por parte do TCU, sendo assim na visão de Torres:
O advogado parecerista de forma alguma se apresenta como “responsável por contas”, não é ordenador de despesas e em sua atividade não pratica ato de gestão, mas sim uma aferição técnico-jurídica que se restringe a uma análise dos aspectos de legalidade que envolve as minutas previstas no parágrafo único do artigo 38 da Lei no 8.666/93, aferição que, inclusive, não abrange o conteúdo de escolhas gerenciais específicas ou mesmo elementos que fundamentaram a decisão contratual do administrador, em seu âmbito discricionário.
Sendo assim, percebe-se nesta doutrina uma defesa pela não punição do parecerista que consequentemente expressa a punição apenas do gestor na seara da Lei de Licitação, sendo assim torna-se necessário ressaltar que o gestor, já é punível por suas decisões frente ao TCU, como expresso no Acórdão nº 1984/14:
Plenário (Recurso de Reconsideração, Relator Ministro José Múcio Monteiro) Responsabilidade. Ato irregular. Parecer técnico ou jurídico. O fato de ter agido com respaldo em pareceres técnicos ou jurídicos não exime o gestor de ser responsabilizado pela prática de ato irregular, uma vez que a ele cabe, em última instância, tanto decidir sobrea conveniência e oportunidade de efetivar o procedimento administrativo, principalmente aqueles concernentes a contratações que vão gerar pagamentos, quanto atuar como o fiscal dos atos dos seus subordinados.
Com isso, vamos nos concentrar neste trabalho só no primeiro elemento apontado referente a responsabilização do parecerista, o tema principal do trabalho e cerne das dúvidas acerca de sua responsabilidade, já pacificado pelos tribunais superiores como expresso no julgado MS: 24631 do STF:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA. I. Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. II. No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato. III. Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. Mandado de segurança deferido. (grifo nosso)
(STF - MS: 24631 DF, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 09/08/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-02 PP-00276 RTJ)
Diante do exposto pode-se exprimir que (i) não há hipótese de responsabilização do parecerista nos casos em que os seus pareceres são apenas opinativos pois tal ato nada interfere na responsabilidade do gestor e (ii) o erro grosseiro se torna cerne principal de tal responsabilização, sendo assim sua caracterização e análise se torna fundamental para esse conteúdo. Nesse sentido, o cerne da questão se encontra no artigo 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, esta que expressa que o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. Tal artigo, introduzido no nosso ordenamento jurídico através do Decreto Lei nº 13.655/18, expressa a questão da responsabilização de forma clara: nos casos em que há opinião técnica a ser emitida o fator crucial para tal questão é o erro grosseiro.
Não somente Segundo Di Pietro (2015, p. 36 apud ANDRADE; SANTOS, 2020), o artigo 28 introduzido pela Lei nº 13.655/2018 busca acabar com a controvérsia quanto à responsabilização dos profissionais, especialmente dos advogados públicos, pela opinião técnica ou jurídica que emitem para dar embasamento a uma decisão adotada no âmbito da Administração Pública. Com isso, pode-se destacar ainda mais a delimitação do erro grosseiro cabendo assim a fala de Andrade e Santos (2020):
Apesar do padrão utilizado para aferir a grosseria ser o homem médio, vale destacar que em declaração de Voto, o Ministro Bruno Dantas declarou que o erro grosseiro não é culpa atribuível a qualquer desvio em relação à postura do homem médio, o erro grosseiro é culpa grave, situando-se entre a culpa com um e o dolo, razão pela qual não considera o critério do homem médio adequado.
Com base no supracitado, cabe este trabalho destacar ainda que este é o critério utilizado para a delimitação do erro grosseiro, tendo como com base no conceito de ‘’Homem Médio’’, tal erro seria a expressão de uma inobservância incabível nos padrões comuns, sendo neste caso uma falta evitável com um a atenção ordinária, no sentido do homem comum, ter a capacidade de evitar a transgressão ao dever de conduta.
Ainda, com base ainda no artigo 71 inciso II da Constituição que expressa a competência do TCU em julgar as contas que derem perda, extravio ou irregularidades, cabe a situação ainda de Andrade e Santos 2015:
Assim, existindo parecer que, por dolo ou culpa, induza o administrador público à prática de irregularidade, ilegalidade ou quaisquer outros atos que firam princípios da administração pública, poderá haver a responsabilização do parecerista pelas irregularidades e prejuízos aos quais tenha dado causa. ANDRADE; SANTOS, 2020, P. 25)
Para finalizar o recorte de jurisprudências, o TCU expressa no seu Acórdão nº 3530/2019 da 1ª Câmara com Min. Relator Bruno Dantas foi realizada seguinte análise:
Relativamente à responsabilização de parecerista jurídico, esta Corte de Contas tem entendimento firmado no sentido de que esse profissional pode ser responsabilizado solidariamente com os gestores por irregularidades ou prejuízos ao erário, nos casos de erro grosseiro ou atuação culposa, quando seu parecer for vinculativo.
Com isso, percebe-se que com o advento do artigo 28 da LINDB a responsabilidade do parecerista se torna positivada em nossa seara legal, visto que expressa a responsabilidade do servidor público que detém a função de emitir opinião técnica, desta forma a responsabilização sai do antro da obscuridade e passa a ser um critério de responsabilidade a ser seguida pelo advogado público. Não somente, ressalta-se o parecerista só será responsabilizado pelo parecer vinculante vez que é o único que detém o caráter obrigatório a ser seguido para conclusão do ato, sendo assim, sua não responsabilização nesse sentido gera impunidade ao nosso ordenamento jurídico.
Considerações Finais
Diante do exposto, é perceptível a função da administração pública em fiscalizar e controlar todos os atos e atividades praticados para que os interesses sociais jamais sejam prejudicados. No que diz respeito ao controle externo feito pelo TCU, a observância se dá na fiscalização dos recursos públicos, para que os administradores exerçam sua função aplicando a lei a fim de conservar os bens da coletividade.
Como observado, o entendimento doutrinário e jurisprudencial em sua maioria reconhece a competência do TCU em responsabilizar os pareceristas em casos de culpa e erro grosseiro, pois uma das obrigações para a Corte de Contas prevista no art. 71 do texto constitucional, é julgar aqueles que prejudicam o Erário.
Não obstante, as licitações por se tratarem de um procedimento administrativo que vincula a Administração Pública e tem a finalidade de selecionar a proposta mais vantajosa para os interesses coletivos, são suscetíveis à responsabilização de seu emissor. Ou seja, o parecerista que emite licitações deve estar condicionado a ser atingido pela responsabilização de possíveis danos que poderão acontecer em decorrência do seu parecer, certamente quando este for redigido com inobservância dos princípios da administração, mediante erro grosseiro ou culpa.
Ressalta-se ainda que, mesmo ocorrendo ato de improbidade administrativa por parte do gestor durante a licitação, caso o parecer esteja nos parâmetros do homem médio afasta-se a culpa do parecerista visto que o mesmo não participou de nenhuma ilegalidade restando assim a responsabilidade do gestor. Entendimento esse síncrono com a jurisprudência supracitada neste trabalho e o próprio Estatuto dos Advogados.
Ademais, percebe-se também uma visão doutrinária acerca da não responsabilização do parecerista, sendo por conta da tese de não competência do TCU como também uma crítica a análise do processo por conta de erro no parecer visto os critérios subjetivos em tal caso. Contudo, vale ressaltar que não é a doutrina majoritária e com a delimitação conceitual do erro grosseiro o critério de avaliação se torna menos nebulo, tendo assim um parâmetro mais tangível.
Por fim, apesar de divergências, o entendimento atual do TCU é que os pareceristas deverão ser responsabilizados solidariamente com seu gestor caso não respeitem o ordenamento, sejam omissos, tendenciosos ou cometam irregularidades ou ilegalidades que poderão gerar danos aos cofres públicos. Dessa forma, eles não serão responsabilizados por sua opinião ou livre interpretação, mas pela falta de cautela e observância dos dispositivos legais, jurisprudenciais e doutrinários e do próprio exercício de sua função como emissor de juízos de valores técnicos.
Referências
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, SÍNTIA BRITO DE. A responsabilidade do parecerista técnico nas licitações perante o Tribunal de Contas da União Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2021, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56925/a-responsabilidade-do-parecerista-tcnico-nas-licitaes-perante-o-tribunal-de-contas-da-unio. Acesso em: 22 nov 2024.
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