RODRIGO FERNANDO DE ALMEIDA OLIVEIRA
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade analisar os critérios para a concessão do benefício da gratuidade da justiça no âmbito do Poder Judiciário, conforme disposto nos artigos 98 a 102 do Código de Processo Civil de 2015. Assim, serão abordados aspectos propedêuticos, bem como conceituação do termo gratuidade da justiça, ou justiça gratuita. Ademais, será analisado o entendimento jurisprudencial sobre a temática. Encerra-se expondo as controvérsias no cumprimento da garantia constitucional de forma isonômica e amplo acesso à jurisdição, pontuando a necessidade de critério uniformizado pelo STJ, a fim de dissipar insegurança jurídica para a concessão de tal benesse às pessoas com insuficiência de recursos. Por fim, o desenvolvimento do trabalho foi concebido através do método indutivo, acionado à técnica de pesquisa bibliográfica.
PALAVRAS-CHAVE: Gratuidade da justiça. Justiça Gratuita. Acesso à Justiça.
ABSTRACT: The purpose of this work is to analyze the criteria for granting the benefit for free of justice within the scope of the Judiciary, as provided for in articles 98 to 102 of the 2015 Code of Civil Procedure. Thus, introductory aspects will be addressed, as well as the concept of the term free justice, or free justice. Furthermore, the jurisprudential understanding on the subject will be analyzed. Furthermore, the jurisprudential understanding on the subject will be analyzed. It ends by exposing the controversies in the fulfillment of the constitutional guarantee in an equal form and wide access to jurisdiction, pointing out the need for uniform criteria by the STJ, in order to dissipate legal uncertainty for granting such benefits to people with insufficient resources. Finally, the development of the work was conceived through the inductive method, triggered by the bibliographic research technique.
KEYWORDS: Gratuity of Justice. Free Justice. Access to justice.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Gratuidade da Justiça. 2.1. Gratuidade da justiça: conceito. 2.2. Requisitos para concessão da gratuidade da justiça. 2.3. Procedimento para concessão da gratuidade e impugnação. 3. Entendimento dos tribunais: aspectos procedimentais. 3.1. Entendimento dos Tribunais de Justiça. 3.2. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ. 4.Banalização da concessão da gratuidade da justiça. 4.1. Vinculação aos precedentes 5. Conclusão. 6.Referências.
O objetivo do presente trabalho é a fundamentação legal para a concessão do benefício da justiça gratuita, conforme regulamentada nos artigos 98 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015. Além disso, interessa-nos analisar os critérios adotados para o deferimento ou indeferimento dos pedidos de gratuidade da justiça nos Tribunais de Justiça no âmbito do Poder Judiciário brasileiro.
Nesse rumo, pretende-se realizar um estudo com base nas seguintes indagações: Quais critérios são costumeiramente considerados para a concessão do benefício da justiça gratuita? A mera afirmação de insuficiência de recursos financeiros pelo postulante é suficiente para a concessão? Qual é o entendimento dos Tribunais sobre o disposto no artigo 99, § 3º, do CPC/15? Os litigantes de má-fé sofrem algum tipo de penalidade? Havendo alteração econômica do beneficiário, durante o andamento do processo ou após o transitado em julgado dos autos, qual é o procedimento observado?
Inicialmente, no primeiro capítulo, será pontuado a conceituação da gratuidade da justiça, bem como esclarecido o conceito do termo “gratuidade da justiça”, ou “justiça gratuita”, o qual é comumente empregado de forma errônea. Nesse capítulo será evidenciado também os aspectos procedimentais, ou seja, a forma de ingresso para obtenção da justiça gratuita.
No segundo capítulo, será analisado o entendimento jurisprudencial, a fim de corroborar os dissensos nas decisões para tal concessão, tendo em vista que para alguns relatores, o deferimento da gratuidade da justiça depende apenas do simples requerimento ou declaração da parte, considerando que a lei outorga presunção de veracidade à tal pedido. Enquanto, para outros, a obtenção do instituto pressupõe a apresentação de documento comprobatório pelo interessado, de que efetivamente se enquadra à condição de insuficiência de recursos, ainda que o Superior Tribunal de Justiça consolidasse a jurisprudência, segundo a qual exige-se a avaliação concreta da real possibilidade de a parte arcar com as custas do processo.
Por fim, no terceiro capítulo será explanado a banalização do instituto, razão pelo qual há necessidade de critério delimitado no procedimento para concessão da gratuidade da justiça àqueles que são considerados pessoas sob a condição de insuficiência de recursos, e porque não uma definição delimitada de pessoa com insuficiência de recursos na forma da lei, a qual, até o momento, não existe.
Assim, a temática a ser abordada trás suma relevância, a fim de compreender o instituto a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015. Além de evidenciar a falta de uniformização pelo Superior Tribunal de Justiça acerca dos critérios para concessão da benesse, razão pela qual ocasiona implicações jurídicas no que concerne os aspectos procedimentais ao obter a gratuidade da justiça, sejam pleitos frutos de má-fé, ou que a parte necessite ingressar no andamento do processo.
O acesso à justiça trata-se de uma garantia fundamental, conforme previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a saber: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Contudo, para obter acesso ao Poder Judiciário requer que a parte efetue o recolhimento das taxas judiciais, custear as despesas, inclusive despesas inerentes aos atos extrajudiciais, e honorários advocatícios decorrentes do processo.
Em contrapartida, segundo o autor Humberto Theodoro Júnior, “exigir o ônus como pressuposto indeclinável no acesso a garantia constitucional, seria privar a “pessoa necessitada” no acesso à tutela jurisdicional do Estado.”, ou seja, essa possibilidade de exigência do recolhimento das custas impossibilitaria que o hipossuficiente obtivesse o acesso aos direitos fundamentais de forma isonômica, ferindo gravemente os direitos deste a qual luta pela cidadania e pela igualdade.
Salienta-se que, o Estado possui o dever constitucional de amparar a população na busca de cidadania, conforme estabelecido no artigo 1º, inciso II, da CF/88, e o concreto acesso à justiça, consoante disposto no artigo 5º, inciso XXXV da CF/88. Assim sendo, o direito à isenção no pagamento das despesas processuais aos reconhecidamente pobres é assegurado como um direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
Esclarece-se que, antes da previsão Constitucional no que se refere ao tema assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, a lei federal nº. 1.060/50 (conhecida como lei da assistência judiciária), estabeleceu normas para a concessão da gratuidade da justiça àquelas pessoas com insuficiência de recursos, de forma genérica e abstrata, sem a previsão expressa de delimitação na extensão dos seus efeitos. Conquanto, atualmente a referida lei encontra-se revogada em parte, conforme é observado no artigo 1.072, inciso III, do CPC/2015, in verbis:
Art. 1.072. Revogam-se:
(...)
III - os arts. 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950.
Posto isso, a nova estrutura geral relacionada ao tema, a qual incorporado no Novo Código de Processo Civil de 2015 em uma Seção específica nomeada como Da Gratuidade da Justiça, que segundo o ponto de vista do autor Nelson Nery Jr sobre os dispositivos da lei 1.060/50 (2018), já estavam superados ou que conflitavam com o texto do novo CPC.
Nesse rumo, como é cediço, o Código de Processo Civil de 2015 adveio da necessidade de modernização no ordenamento jurídico formal, com o propósito de ideário de prestação jurisdicional célere, tornando-a econômica, mais desburocratizada, que inclusive possibilitasse a ampliação a assistência judiciária sob uma perspectiva social, que segundo o ponto de vista de Humberto Theodoro Jr (2018,62) aspiram adotar o Estado Democrático de Direito a um processo justo, e na ordem constitucional, como a garantia a todos de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva.
Contudo, considerando a promessa de prestação jurisdicional de forma efetiva às pessoas com insuficiência de recursos, com o início da vigência do CPC/2015, por sua vez, permanece ensejando consideráveis dissensos jurídicos e entendimentos jurisprudenciais diversos, que restará demonstrado no presente trabalho. Então, passaremos, inicialmente, a tentar traçar um conceito acerca do tema em debate, que mais associe a realidade fática e jurídica da sociedade brasileira
Inicialmente, cabe esmiuçar o conceito de pessoa com insuficiência de recursos que para o professor Christiano Cassettari (2021) entende que: “(...) há diversas maneiras a definir: seja por insuficiência de renda; insatisfação de necessidades básicas; privação de capacidades; avaliações participativas sobre a pobreza – Vozes dos Pobres; exclusão social e ausência de direitos sociais.”
Segundo o entendimento do autor Humberto Theodoro Júnior (2018) “Necessitado, para o legislador, não é apenas o miserável, mas, sim, aquele ‘com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios’ (art. 98, caput, do CPC/15)”.
Nesse sentido, a doutrina constitucional assegura o mínimo existencial aos hipossuficientes, visando garantir a qualidade de vida à população, conforme disposto no artigo 7º, inciso IV, da CF/88, a saber:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
O referido patamar de conteúdo mínimo tem por referência o artigo 25 da Declaração dos Direitos Humanos ONU de 1948, que dispõe que todo o ser humano e seus familiares têm direito a uma qualidade de vida tal que lhes sejam assegurados saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, entre outros.
Diante os entendimentos dos autores mencionados associado a legislação vigente, compreende-se que o legislador estabeleceu a gratuidade da justiça como uma garantia fundamental aos que não possuem recursos suficientes para recorrer à Jurisdição, aqueles que não possuem meios, ou condições, de arcar com as custas decorrentes do processo, conforme disposto no artigo 5º, inciso LXXIV, da CF/88.
A partir do advento do Código de Processo Civil de 2015, a terminologia correta empregada, qual seja, a gratuidade da justiça. Quer dizer, aqueles que não possuem suficiência de recursos para custear todas as despesas processuais e os honorários advocatícios têm direito à gratuidade da justiça, na forma da lei, segundo o teor do artigo 98, caput, do CPC/15, in verbis:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
Com efeito, observa-se que o termo “gratuidade da justiça”, ou “justiça gratuita”, comumente é empregado de forma errônea, visto que há certa confusão conceitual com outras terminologias, bem como em doutrinas e jurisprudência, razão pela qual é de suma importância pontuar o conceito do instituto no intuito de dissipar incompreensões.
Assim, a gratuidade da justiça, ou justiça gratuita, deve ser compreendida em caráter mais amplo, como uma isenção de todas as custas e despesas relativas aos atos processuais a serem praticados no desenrolar do processo, contemplando tanto a atuação judicial quanto o extrajudicial, bem como a defesa dos direitos do beneficiário em juízo.
Ante o exposto, bem como considerando a previsão no diploma processual numa Seção específica, observa-se que não há conceito delimitado do instituto, a qual busca-se força em conceitos, princípios e normas infraconstitucionais. No intuito de compreender o procedimento para obtenção da benesse, cabe expor os requisitos para conceder a gratuidade da justiça.
O requisito fundamental para o deferimento ao benefício da gratuidade da justiça é a “insuficiência de recursos” (art. 98, CPC/15), cujo beneficiário é a pessoa que se encontra na condição de insuficiência de recursos.
Nesse sentido, segundo o posicionamento de Rogerio de Vidal da Cunha (2016, 24), o requisito não é a situação de pobreza, de miserabilidade, mas a grandeza das despesas processuais frente à situação econômica do postulante. Ou seja, é a sua situação de hipossuficiência econômica, ou falta de recursos suficientes para o custeio das despesas do processo sem que interfira no acesso às condições básicas de mínimo existencial, ainda que momentânea.
Ademais, o CPC/2015 em seu artigo 98, caput, com observância da legislação anterior e ditames da Súmula STJ nº 481, ampliou a aplicabilidade do instituto ao garantir tanto a pessoa natural como a pessoa jurídica, sejam brasileiros natos, ou estrangeiros, residente e/ou domiciliados ou não no Brasil.
Para que não seja obstado seu amplo acesso à prestação jurisdicional, consta delimitado no artigo 98, parágrafo 1º, incisos I a IX do diploma processual civil, quais abrangências abarcam a tal gratuidade.
No entanto, tal benefício poderá ser total, ou parcial, dispondo a possibilidade na redução percentual das despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento (art. 98, § 5º, CPC/15).
Nesse contexto, o juiz poderá parcelar as despesas processuais que o beneficiário tiver que adiantar no curso do procedimento (art. 98, § 6º, CPC/15). Um procedimento suplementar é a Portaria PTJ nº. 116/2017, em seu artigo 7º, caput, que prevê a faculdade ao Juiz autorizar o parcelamento das custas judiciais e da taxa judiciária, desde que o integral pagamento seja efetuado antes da sentença, in verbis:
Art. 7º. É facultado ao Juiz diferir o momento do recolhimento das custas judiciais e da taxa judiciária, bem como autorizar seu parcelamento, desde que, em ambas as situações, o integral pagamento seja efetuado antes da sentença, incumbindo à serventia do Juízo a fiscalização quanto ao correto recolhimento das respectivas parcelas.
Por sua vez, no Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba há previsão de forma suplementar diversa do regramento estabelecido no Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas no que se refere ao acesso à justiça sem a necessidade da concessão
plena da gratuidade, conforme previsto na Portaria Conjunta nº. 02/2018, de 28 de novembro de 2018, que dispõe no caput do artigo 1º, in verbis:
Art. 1º O magistrado poderá conceder a redução e/ou o parcelamento das despesas processuais que a parte ou interessado tiver de adiantar no curso do procedimento, mediante decisão fundamentada, na forma do §§ 5º e 6º do artigo 98, da Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
Dessa forma, observa-se que a concessão da gratuidade da justiça não afasta a responsabilidade do beneficiário de arcar com as custas, seja pelas despesas processuais e/ou honorários advocatícios decorrente da sucumbência (art. 98, § 2º do CPC/15), além das multas processuais que lhe sejam impostas (art. 98, § 4º do CPC/15).
Desse modo, no Novo Código de Processo Civil, é previsto a suspensão da exigibilidade das custas e despesas, e somente poderão ser executadas se, nos 05 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou. Em caso de o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos, e, se passado esse prazo, as obrigações serão extintas (art. 98, § 3º do CPC/15).
Considerando os requisitos para a concessão da gratuidade, importa expor o procedimento. Dito isso, conforme disposto no artigo 99, caput, do CPC/15, o requerimento para obtenção da justiça gratuita à pessoa com insuficiência de recursos pode ser pleiteado no corpo: a) da peça inicial, b) da contestação, c) da peça que requer o ingresso de terceiro no processo, ou c) do recurso.
Ainda que possa ingressar com o pedido em qualquer fase do processo, ao ser deferido o benefício, será extensivo à todas as instâncias, não havendo a necessidade de que a parte reitere em caso de recurso, bastando que conste a mera menção de que a goze da benesse.
O regramento estabelecido art. 98, § 5º, do diploma processual civil, reforça- se a circunstância que o deferimento do instituto tem o efeito ex nunc, ou seja, seus efeitos não poderão retroagir para alcançar atos anteriormente convalidados. Desta feita, o benefício da justiça gratuita pode ser concedido a qualquer tempo e grau de jurisdição, todavia não afasta eventuais despesas processuais devidas por atos anteriores.
Nesse diapasão, após o deferimento ao postulante beneficiário a parte contrária poderá oferecer impugnação, que segundo o Elpídio Donizetti (2018,137) deverá fazê- la na contestação, na réplica, nas contrarrazões ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser juntado nos próprios autos, sem que implique a suspensão do feito.
No entanto, o juiz relator somente poderá indeferi-la se houver nos autos elementos que evidenciem suspeita, ou falta do preenchimento dos pressupostos legais, pelo requerente. E, antes de julgar o pleito, deverá possibilitar o contraditório, determinando ao postulante a comprovação de sua condição de insuficiência de recursos (art. 99, § 2º, CPC/2015).
Ademais, o Donizetti (2018) leciona que, por tratar-se de matéria de ordem pública, o Juiz Relator pode, a qualquer momento, revogar motivadamente o benefício. E caso seja revogado ao longo da tramitação processual, a parte deverá providenciar o pagamento das despesas que deixou de adiantar e, se for comprovado ato de má-fé, arcará com multa de décuplo ao valor das despesas, conforme previsto no art. 100, caput e parágrafo único do CPC/2015.
Diante as considerações propedêuticas elencadas no tocante ao tema gratuidade da justiça, cabe explanar os aspectos procedimentais na prática forense no que se refere aos critérios adotados nos Tribunais de Justiça, bem como o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a fim de corroborar os dissensos jurídicos, que demonstre a necessidade de critério delimitado no procedimento para concessão da gratuidade da justiça às reais possibilidades de insuficiência de recursos do requerente.
A concessão do benefício da justiça gratuita enseja dissensos jurídicos no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, segundo o qual o requisito de insuficiência de recursos por tratar-se de embasamento genérico, não consta no diploma processual requisitos objetivos para fazer jus ao benefício, permitindo assim amplas interpretações.
Fato é que, em uma primeira análise quanto a atualidade, é que na prática forense institui o requerimento do beneficiário com declaração genérica e abstrata de que “não possui condições de arcar com as custas do processo sem prejuízo de seus sustentos ou de sua família”. Afinal, a presunção relativa de veracidade relaciona aos fatos declarados pelo postulante no que tange ao conteúdo da declaração, uma vez que tal documento é assegurado como prova documental nos ditames do caput, do artigo 1º, da Lei nº. 7115/83, in verbis:
Art. 1º - A declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interessado ou por procurador bastante, e sob as penas da Lei, presume-se verdadeira.
Tal legislação somado ao artigo 99, 3º, do CPC/2015, in verbis:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
Assim, somado as forças das legislações supramencionadas presume-se verdadeira a mera declaração do requerente de não possuir recursos suficientes para arcar com as custas do processo. E, quando ocorre esta presunção, inverte o ônus da prova, ou seja, a parte ex-adverso possui o dever de provar o contrário.
Nesses ditames, coleciona-se:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM. JUSTIÇA GRATUITA.INDEFERIMENTO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO
MANTIDA.1."O benefício da assistência judiciária gratuita pode ser pleiteado a qualquer tempo, sendo suficiente que a pessoa física declare não ter condições de arcar com as despesas processuais. Entretanto, tal presunção é relativa (art. 99, § 3º, do CPC/2015), podendo a parte contrária demonstrar a inexistência do alegado estado de hipossuficiência ou o julgador indeferir o pedido se encontrar elementos que coloquem em dúvida a condição financeira do peticionário" (AgInt no AREsp 1311620/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/12/2018, DJe 14/12/2018).
Por outro lado, há Tribunais que aderem a apresentação de documento comprobatório de que o postulante atende ao critério de insuficiência de recursos, especialmente àqueles em que o Juiz Relator detém de fundada dúvida quanto à alegação da pobreza, conforme o entendimento jurisprudencial, que se segue:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM. JUSTIÇA GRATUITA.INDEFERIMENTO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO
MANTIDA.1."O benefício da assistência judiciária gratuita pode ser pleiteado a qualquer tempo, sendo suficiente que a pessoa física declare não ter condições de arcar com as despesas processuais. Entretanto, tal presunção é relativa (art. 99, § 3º, do CPC/2015), podendo a parte contrária demonstrar a inexistência do alegado estado de hipossuficiência ou o julgador indeferir o pedido se encontrar elementos que coloquem em dúvida a condição financeira do peticionário" (AgInt no AREsp 1311620/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/12/2018, DJe 14/12/2018).
Ante o exposto, cabe a análise em uma ação Rescisória nº. 4.914 DF, cujo Relator fora o Ministro Herman Benjamin, e a parte autora Sérgio Xavier de Souza Rocha, que tratou de incidente de impugnação à concessão do benefício da justiça gratuita deferida pelo Ministro Ari Pargengler. Quanto ao caso mencionado, a impugnante afirmou que, “o autor da demanda rescisória é Desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, situação que por si só, já seria bastante à não concessão dos benefícios da justiça gratuita (...)”, ainda que alegasse a sua condição de arrimo de sua família, além de sustentar outros três filhos de mães distintas, todos cursando escolas/faculdades particulares, situação que sua companheira também se encontrava à época dos autos.
Para obtenção da benesse a um Desembargador do TJDFT, não se pode olvidar que tal cargo situa-se no topo salarial do funcionalismo público. E, se pelo pressuposto de que possui direito à gratuidade processual por meras alegações de sua condição financeira somente pelo fato de possuir família (que todas as famílias detêm destes gastos), não fundamentação para conceder o benefício da justiça gratuita.
Portanto, compreende-se que há divergências relacionado ao critério para concessão do benefício no âmbito da jurisdição, incumbindo ao juiz relator julgar cada caso, para um maior controle e para que seja realizado triagem das possibilidades da parte que postula o benefício da gratuidade.
Noutro giro, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, acerca dos critérios para obtenção da gratuidade da justiça, declara não ser suficiente a simples afirmação de insuficiência de recursos para se ter direito à gratuidade de justiça, sendo primordial que seja comprovada a efetiva necessidade do benefício, de acordo com o disposto no art. 5º, LXXIV da CF/1988.
Por sua vez, no que concerne a adoção de renda mensal auferida como critério objetivo, há divergência jurisprudencial, a qual o STJ entende que o referido critério adotado nos Tribunais, não se deve prosperar, em razão da ausência de fundamentação legal para julgar. Desta forma, não poderia analisar se a parte possui ou não condições de custear as despesas processuais. Tal entendimento encontra sustentação no agravo regimental de nº. 140286, julgado pelo STJ pela Primeira Turma, tendo como Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em 27 de fevereiro de 2018.
Diante da promulgação do Código de Processo Civil de 2015, promovendo consideráveis alterações no que se refere a temática da gratuidade da justiça, bem como as constatações analisadas, cabe observar que há certa banalização do instituto, a qual é demonstrada na prática forense o deferimento de forma massiva.
Outrossim, verifica-se que esta prática é consequência de pleitos de má-fé e abusos de direitos daqueles que possuindo plenas condições de custear as despesas do processo em todos os seus aspectos, o que ainda assim faz uso do requerimento do benefício da justiça gratuita.
Enquanto que, comumente, os relatores dificultam o deferimento da benesse para aqueles que realmente dele necessitam, violando assim, o exercício da cidadania, estimulando o abuso de direito e fomentando a desigualdade social.
De um modo geral, há uma discrepância de entendimento para julgar nos ditames dos critérios atualmente previstos na forma da lei, para deferir ou indeferir a concessão da gratuidade da justiça. Consequentemente, no primeiro e segundo grau continuam adotando parâmetros de renda mínima, que não encontra fundamento de forma uniformizada pelo STJ, o que confronta com o dever dos Tribunais estabelecido no artigo 926, caput, do CPC/2015, in verbis:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
Para tanto, o juiz deve observar os precedentes vinculantes, cuja observância é obrigatória para os tribunais, que conforme Elpídio Donizetti (2018,1042) leciona, o legislador buscou adequar os entendimentos dos tribunais superiores em todos os níveis jurisdicionais, de modo a evitar a dispersão da jurisprudência e, consequentemente, a intranquilidade social e o descrédito nas decisões emanadas pelo Poder Judiciário.
Em síntese, os termos vetores previstos no artigo 926, caput, do CPC/2015, aduzem que, “estabilidade” significa que o precedente deve conferir a segurança jurídica. O termo “integridade” aponta a obrigatoriedade de o magistrado argumentar de forma integrada ao dispositivo normativo, evitando a discricionariedade. Por fim, o termo “coerência” traduz no dever de os tribunais aplicarem os mesmos preceitos e princípios para casos idênticos, assegurando assim a igualdade.
Nesses termos, é estabelecido o rol de decisões dotados de efeito vinculante no artigo 927, incisos I a V do CPC/2015, in verbis:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.18).
Conquanto, o deferimento do benefício da justiça gratuita mediante a alegação e juntada de declaração de pobreza, e assim, o magistrado julgar casuisticamente cada caso concreto, utilizando-se critérios objetivos, exemplos são o montante de salário mínimos, o teto dos benefícios da previdência, o limite de isenção do IR, e dentre outros.
Repisa-se que não há uniformização pelo STJ no tocante ao tema debatido, prova disso é, após realizado pesquisa de Precedentes Repetitivos no endereço eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, não fora possível localizar qualquer precedente, o que denota que essas variações de decisões poderiam, e necessitam, ser uniformizados por questão de segurança jurídica, competindo igualmente ao STJ essa função, que deve ser feito via Recurso Extraordinário Repetitivo ou Súmula do STJ.
O acesso à justiça é consagrado como garantia constitucional para que todos pudessem obter acesso a assistência judiciária, especialmente de forma gratuita, desde que comprovado a sua condição de insuficiência de recursos.
Entretanto, com o início da vigência do Novo Código de Processo Civil de 2015 e revogado parcialmente a lei da assistência judiciária (lei nº. 1060/50), o instituto da gratuidade da justiça é disciplinado nos artigos 98 a 102, em Seção específica sobre o assunto.
Todavia, ainda que o ideário do novo diploma propusesse modernização e ampliação no acesso à justiça de forma isonômica, permanece controvérsias teóricas, que se não dissensos jurídicos, principalmente sobre os aspectos procedimentais relacionado a aplicação e interpretação para concessão do benefício. Quer dizer, não houve proposta de uniformização dos critérios para concessão da benesse, uma vez que permanece a insegurança jurídica por não haver critérios objetivos no tocante a matéria, e ainda, o conceito delimitado de pessoa na condição de insuficiência de recursos.
Exemplo é, para alguns Tribunais a necessidade de impor limite de patamar sobre a renda auferida dos postulantes, enquanto para outros, a mera afirmação de que atende aos requisitos de pessoa com insuficiência de recursos é o suficiente para concessão do benefício.
Tratando-se do artigo 99, § 3º, do CPC/2015, compreende-se que a verdadeira alegação de insuficiência de recursos da parte que a postula, sendo pessoa natural. Entretanto, os tribunais deixam evidente que há necessidade de realizar triagem àqueles que presumem sua condição econômica, contrapondo a norma disciplinada no supracitado artigo.
No entanto, é compreensível a adoção destas medidas pelos Tribunais, para que haja controle na garantia ao ingresso no Poder Judiciário de forma justa e efetiva, sem atitudes que possam determinar a condenação do requerente por pleitear o benefício sob o uso da má-fé.
Contudo, uma solução razoável seria o Superior Tribunal de Justiça, órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, que o compete zelar pela uniformidade de interpretações da legislação federal brasileira, caberia uniformizar os critérios para concessão da justiça gratuita por meio de Recurso Extraordinário Repetitivo ou Súmulas, a fim de dissipar a insegurança jurídica relacionado ao tema gratuidade da justiça.
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graduanda em Direito pela FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, IASMIN CRISTINA BARROSO. A necessidade de uma delimitação de critérios para fins de concessão do benefício da gratuidade da justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2021, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57791/a-necessidade-de-uma-delimitao-de-critrios-para-fins-de-concesso-do-benefcio-da-gratuidade-da-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
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