RESUMO: Este estudo explora as contribuições da Criminologia para a prevenção do tráfico transnacional de drogas, analisando teorias criminológicas e a eficácia de políticas públicas. A revisão da literatura abrange teorias como a Anomia de Merton e o Controle Social de Hirschi, que elucidam os fatores que perpetuam o tráfico de drogas. A pesquisa caracteriza o tráfico transnacional como uma atividade altamente organizada, utilizando logística sofisticada e redes complexas. As políticas de prevenção variam globalmente, com abordagens repressivas nos EUA e de redução de danos na Europa. A análise destaca a necessidade de políticas integradas que combinem prevenção, tratamento e repressão, considerando a resiliência das redes de tráfico e os fatores socioeconômicos subjacentes. A Criminologia oferece uma base teórica e prática para a formulação de políticas eficazes, promovendo uma abordagem multifacetada e adaptável às dinâmicas do tráfico de drogas.
Palavras-Chave: Tráfico transnacional de drogas. Criminologia. Políticas Públicas. Teoria da Anomia. Prevenção ao crime.
ABSTRACT: This study explores the contributions of Criminology to the prevention of transnational drug trafficking by analyzing criminological theories and the effectiveness of public policies. The literature review covers theories such as Merton's Anomie and Hirschi's Social Control, which elucidate the factors perpetuating drug trafficking. The research characterizes transnational trafficking as a highly organized activity utilizing sophisticated logistics and complex networks. Prevention policies vary globally, with repressive approaches in the USA and harm reduction in Europe. The analysis highlights the need for integrated policies that combine prevention, treatment, and enforcement, considering the resilience of trafficking networks and underlying socioeconomic factors. Criminology provides a theoretical and practical basis for formulating effective policies, promoting a multifaceted and adaptable approach to the dynamics of drug trafficking.
Keywords: Transnational drug trafficking. Criminology. Public policies. Anomie theory. Crime prevention.
O tráfico de drogas, em suas diversas modalidades, apresenta um desafio significativo tanto em âmbito nacional quanto internacional. Em sua forma transnacional, este fenômeno ultrapassa fronteiras e afeta várias nações, exigindo uma abordagem multidisciplinar para a compreensão de suas dinâmicas e a formulação de políticas eficazes. A Criminologia, com suas teorias e métodos analíticos, desempenha um papel crucial ao oferecer uma perspectiva distinta para entender os fatores que perpetuam o tráfico de drogas e desenvolver estratégias de repressão. Este estudo visa analisar as contribuições da Criminologia para a prevenção do tráfico transnacional de drogas, investigando as teorias relevantes e a eficácia das políticas públicas implementadas.
2.1 Revisão Crítica da Literatura
A revisão da literatura criminológica revela teorias que elucidam as dinâmicas do tráfico de drogas. A Teoria da Anomia de Merton postula que a globalização e o neoliberalismo criaram um ambiente econômico que cria uma desigualdade e também um desvio social[1].
No contexto do tráfico de drogas, essa teoria explica como a falta de oportunidades legítima induz indivíduos a buscarem alternativas ilícitas para alcançar o sucesso econômico.
Feartherstone e Deflem (2003) sustentam que esse postulado fornece uma explicação integrativa e cronologicamente ordenada, utilizando a anomia como um conceito de médio alcance que liga a estrutura social como a ação social em níveis individuais e em grupo. A desinstitucionalização ocorre quando há uma disjunção entre a ênfase nos objetivos culturais e os meios institucionais.
Por outro lado, ao trazer à baila a Teoria do Controle Social, desenvolvida por Travis Hirshi, destaca-se que laços sociais fortes, como a família, comunidade, podem inibir a participação em atividades ilícitas. Essa teoria questiona o motivo das pessoas não cometerem crimes, indicando que o crime ocorre quando indivíduos não estão devidamente “controlados”, seja por questões internas, externas ou psicossociais (HIRSCHI, 1969 apud AKERS, 2000).
2.2 Caracterização do Tráfico Transnacional
O tráfico transnacional de drogas caracteriza-se pela produção, transporte e distribuição de substâncias ilícias através de fronteiras internacionais. Essa modalidade possui é altamente organizada e utiliza a logística sofisticada para operar.
Com efeito, de acordo com um estudo financiado pela National Drug Law Enforcement Research Fund (NDLERF), as redes de tráfico de drogas estão cada vez mais envolvidas no tráfico poli-droga, ou seja, no comércio de múltiplas substâncias ilícitas simultaneamente. Esse modus operandi aumenta a lucratividade e a resiliência dos traficantes na oferta de drogas e na aplicação da lei (HUGHES et al., 2012).
As redes de tráfico de drogas são compostas por múltiplos níveis de operação, desde os pequenos produtores até grandes distribuidores internacionais. Essas redes utilizam técnicas avançadas de comunicação e logística para operar de maneira eficaz. Segundo Tzanetakis (2016), a confiança e a violência são elementos cruciais na organização das redes de tráfico. A confiança evita conflitos e mantém relacionamentos comerciais, enquanto a violência é usada esporadicamente para resolver as disputas e manter, a ordem interna.
Os impactos do tráfico transnacional de drogas são profundos e abrangentes, afetando a saúde pública, a segurança, a economia e a estabilidade política em diversas regiões do mundo. Este fenômeno está frequentemente associado a outros crimes, como a lavagem de dinheiro e o tráfico de armas, exacerbando ainda mais os desafios para a segurança global. O relatório da UNODC (2021) fornece dados e análises detalhadas sobre os impactos globais do tráfico de drogas, evidenciando a necessidade de uma abordagem coordenada e multifacetada para combatê-lo. A análise da NDLERF sugere que, embora o tráfico poli-droga não seja necessariamente uma tendência crescente, sua complexidade está aumentando, exigindo respostas políticas e de aplicação da lei que considerem a interconectividade e a diversificação das atividades criminosas.
2.3 Análise das Políticas Públicas de Prevenção
As políticas públicas de prevenção ao tráfico de drogas variam entre países, refletindo diferentes abordagens culturais, políticas e econômicas. Paoli, Greenfield e Reuter (2009) destacam que os EUA adotam uma abordagem repressiva, focada na interdição e aplicação da lei, enquanto a Europa tende a utilizar métodos de redução de danos, que minimizam os impactos negativos sem eliminar completamente o uso ou tráfico de drogas. Apesar dos esforços de repressão, a disponibilidade de drogas como maconha e cocaína permanece alta nos EUA. Reuter e Kleiman (1986) apontam que os preços das drogas não são significativamente reduzidos pelos esforços de repressão, indicando uma elasticidade da demanda que dificulta a erradicação do uso e tráfico.
Os mercados de drogas ilícitas apresentam uma grande variedade em termos de organização, estratégias de preços, qualidade dos produtos e níveis de corrupção. A venda direta ao consumidor pela internet tem aumentado para novas substâncias psicoativas e cannabis em alguns mercados legais. No entanto, a maioria dos danos associados às drogas ainda provém de substâncias com cadeias de fornecimento tradicionais. Embora se acredite que esses mercados sejam dominados por poucos cartéis e famílias do crime organizado, na realidade, a produção e distribuição de drogas envolvem milhões de indivíduos e pequenas organizações que operam de forma descentralizada. Essa natureza em rede torna a distribuição de drogas resiliente, de modo que a eliminação de participantes individuais ou até mesmo de organizações inteiras tem pouco impacto na capacidade global da rede de fornecer drogas aos consumidores (BABOR et al., 2019).
A eficácia das políticas públicas de prevenção ao tráfico de drogas depende de abordagens multifacetadas que combinem prevenção, tratamento e repressão. Políticas integradas são mais eficazes na redução do tráfico e consumo de drogas. Entender a elasticidade da demanda é crucial para políticas de preço eficientes. Estratégias que considerem a resiliência das redes de distribuição e os fatores sociais e econômicos subjacentes são essenciais para reduzir os danos sociais e de saúde associados ao uso de drogas.
2. 4 Contribuição da Criminologia Para Políticas de Prevenção
As teorias criminológicas fornecem uma base sólida para a formulação de políticas públicas eficazes, ajudando a identificar as causas subjacentes do tráfico de drogas e as melhores estratégias de intervenção. Tonry e Farrington (1995) destacam que as abordagens estratégicas para a prevenção do crime devem transcender as tradicionais práticas de aplicação da lei e punição de infratores, integrando iniciativas de prevenção situacional, comunitária e desenvolvimental. Essas abordagens visam não apenas reduzir as oportunidades para o crime, mas também modificar as condições sociais que fomentam o comportamento delinquente e abordar os fatores de risco individuais ao longo do desenvolvimento humano. A aplicação prática dessas teorias pode orientar a criação de políticas mais eficientes e adaptáveis às dinâmicas do tráfico de drogas, promovendo uma sociedade mais segura através da implementação de medidas preventivas abrangentes e baseadas em evidências (TONRY, FARRINGTON, 1995).
Reuter e Caulkins (1995) argumentam que a meta principal das políticas de drogas deve ser diminuir os prejuízos à sociedade decorrentes da produção, consumo, distribuição e controle das drogas. Eles sugerem que a combinação de metas de redução de uso e redução de danos pode resultar em estratégias mais equilibradas e eficazes. Além disso, destacam a importância de integrar políticas de prevenção, tratamento e repressão para abordar tanto a oferta quanto a demanda de drogas.
Adicionalmente, a Lei n.º 70/2019 (2019), que regula o exercício da profissão de criminólogo, fortalece o papel desses profissionais na concepção e execução de programas de prevenção da criminalidade. Conforme dispõe Artigo 4º, os criminólogos são fundamentais na análise criminológica e na concepção de políticas sociais e penais, bem como na intervenção comunitária e na avaliação do risco de reincidência. Esta legislação reconhece a criminologia como uma profissão essencial no apoio às autoridades judiciárias e na implementação de estratégias baseadas em evidências para a prevenção do crime. A regulamentação clara das competências e funções dos criminólogos, conforme delineado na lei, proporciona um framework robusto para a contribuição efetiva desses profissionais nas políticas públicas, especialmente no contexto complexo do tráfico de drogas. Dessa forma, a criminologia não apenas contribui teoricamente, mas também operacionalmente, para a criação de uma sociedade mais segura e justa.
Este estudo revelou que a Criminologia oferece contribuições valiosas para a compreensão e combate ao tráfico transnacional de drogas. As teorias da Anomia, do Controle Social e da Rotulação fornecem diferentes perspectivas sobre as causas e dinâmicas do tráfico, destacando a importância de políticas públicas integradas e adaptáveis. A análise criminológica sugere que políticas eficazes devem combinar prevenção, tratamento e repressão, adaptando-se continuamente às mudanças nas dinâmicas do tráfico. No entanto, é fundamental que futuras pesquisas se concentrem em análises longitudinais e comparativas para avaliar a eficácia das políticas de forma abrangente. A pesquisa criminológica é essencial para o desenvolvimento de políticas públicas baseadas em evidências, e sua continuidade é crucial para adaptar as estratégias de combate às novas realidades do tráfico global. Assim, é imperativo que as políticas públicas evoluam junto com as operações de tráfico, garantindo uma abordagem sempre atualizada e eficaz.
AKERS, R. L. Criminological theories. 3rd ed. Roxbury Publishing, 2000. Disponível em: https://doi.org/10.4324/9781315062723. Acesso em: 23 jun. 2024.
BABOR, T. F. et al. Drug policy and the public good: A summary of the second edition. Addiction, v. 114, n. 11, p. 1941-1950, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1111/add.14734. Acesso em: 23 jun. 2024.
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HIRSCHI, T. Causes of delinquency. University of California Press, 1969. Disponível em: https://api.pageplace.de/preview/DT0400.9781351529723_A30635299/preview-9781351529723_A30635299.pdf. Acesso em: 23 jun. 2024.
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Lei n.º 70/2019, de 2 de setembro. Regula o exercício da profissão de criminólogo. Diário da República n.º 169/2019, Série I de 2019-09-02, pp. 2-7. Disponível em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/70-2019-124346821. Acesso em: 23 jun. 2024.
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[1] Featherstone, R., & Deflem, M. (2003). Anomie and Strain: Context and Consequences of Merton’s Two Theories. Sociological Inquiry, 73(4), 471-489.
Bacharel em Direito pela Faculdade Metodista Granbery, Especialista em Ciências Penais e Segurança Pública, Especialista em Atividade Policial, ambos pelo Instituto de Ensino Rogério Greco, Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal, Mestrando em Criminologia pela Universidade Fernando Pessoa (UFP), com linha de pesquisa em Criminal Law. Estagiário de Pós-Graduação no Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDRO PASSINI MENDONçA, . Políticas em movimento: prevenção ao tráfico transnacional de drogas e suas eficácias criminológicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2024, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66365/polticas-em-movimento-preveno-ao-trfico-transnacional-de-drogas-e-suas-eficcias-criminolgicas. Acesso em: 04 out 2024.
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