Resumo: O governo federal recentemente lançou um programa de concessões de serviços públicos, voltado, principalmente, para a estrutura e funcionamento de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. No presente trabalho pretende-se estudar o instituto da concessão de serviços públicos, importante instrumento de que o governo lançará mão com o intuito de modernização da infraestrutura de transportes do país e, ao mesmo tempo, de buscar a retomada do crescimento da economia nacional.
Palavras- chave: Direito Administrativo. Política. Concessões. Serviços Públicos. Transportes. Contratos. Interesse Público.
Introdução
O governo federal lançou, em junho de 2015, o Programa de Investimento em Logística, um processo de concessão de serviços públicos relacionados a rodovias, aeroportos, portos e ferrovias à iniciativa privada. Alegou-se, à época, que as concessões “são um importante mecanismo de elevar os investimentos no País com impactos positivos sobre a eficiência e a produtividade da economia”.
O presente trabalho pretende analisar, de maneira pormenorizada, a concessão de serviços públicos, instituto por meio do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a um agente privado, que o prestará em nome próprio[1], por sua conta e risco, nas condições fixadas no contrato e sob supervisão do poder concedente, remunerado pela própria exploração do serviço.
1 – Serviço Público
Serviço público, consoante doutrina majoritária, é todo e qualquer serviço prestado ao cidadão, independentemente da titularidade exclusiva do Estado e da forma de remuneração (concepção ampla de serviço público).
O art. 6º, §1º da Lei 8.987/95 elenca os princípios jurídicos que devem reger a prestação dos serviços públicos ao dispor que se considera adequado o serviço que satisfaz “as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.
O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, exige que os serviços públicos sejam “adequados, eficientes e seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.
O prestador do serviço, seja ele o Estado ou não, deve fazê-lo em conformidade com as normas vigentes. Com efeito, a continuidade do serviço pressupõe a sua regularidade.
O Estado pode prestar serviços direita ou indiretamente, vale dizer, pode ou não titularizar o serviço público voltado para o cidadão. Não sendo o titular, o serviço será prestado mediante concessão ou permissão.
2 – Concessão e Permissão de Serviços Públicos
A concessão é um contrato administrativo por meio do qual o Estado delega a execução de serviços públicos a terceiros.
A propósito leciona Maria Sylvia Zanella di Pietro:
Pode-se definir concessão, em sentido amplo, como o contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço público, de obra pública ou de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ou lhe cede o uso de bem público, para que o explore pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais.[2]
A Constituição Federal, em seu art.175, estabelece que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão e permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
A doutrina tradicional diferencia concessão de permissão de serviço público. Enquanto a concessão é formalizada por contrato administrativo, com prazo determinado e impossibilidade de rescisão antes do termo final, sob pena de indenização, a permissão é efetivada por ato administrativo e precário, sem prazo determinado e revogável a qualquer tempo.
Ainda, de acordo com as disposições literais do art. 2º, incisos II e IV, da Lei 8.987/1995, a permissão admite como permissionário pessoa física ou jurídica, contratada por qualquer tipo de procedimento licitatório, ao passo que a concessão só pode ser feita a pessoa jurídica ou consórcio de empresas, por meio de licitação.
Atualmente, segundo Rafael Oliveira, não existiria mais espaço para essa distinção doutrinária, sobretudo considerando a exigência, pelo art. 175, caput e parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal, de licitação para formalização da concessão e da permissão de serviços públicos, reconhecendo o caráter contratual de ambas[3].
Vale dizer, não haveria relevância na diferenciação dos dois institutos, mormente levando em consideração que as principais características são comuns a ambos: são formalizados por contratos administrativos, têm a mesma finalidade (delegação de serviços públicos) e submetem-se ao mesmo regime jurídico (Lei nº 8987/95).
Marçal Justen Filho[4], por outro lado, lembrando que a lei não tem palavras inúteis, pondera que o legislador pretendeu criar institutos diferentes, que não seriam equivalentes ou fungíveis, não havendo, pois, discricionariedade para a utilização de um ou de outro. Observa que a principal diferença é o caráter precário da permissão, o que afastaria o direito à indenização caso houvesse revogação antes do prazo.
Neste trabalho, nos ateremos a analisar os pormenores da concessão comum de serviços públicos.
2.1 - Necessidade de lei autorizativa
O art. 175 da CF dispõe que o Estado concederá a prestação do serviço “na forma da lei”. No mesmo sentido, art. 2º da Lei 9.074/1995 veda ao Poder Público executar serviços públicos por meio de concessão ou permissão sem lei autorizativa.
Essa necessidade de legislação prévia autorizativa é tema controvertido na doutrina. Há autores que defendem a necessidade da lei, notadamente com fulcro no art. 175 da CF, diante da existência de interesses relevantes que deveriam ser ponderados pelo Poder Legislativo[5].
Outros autores, em contrapartida, entendem que a exigência de autorização legislativa específica para delegação do serviço público seria inconstitucional, “uma vez que a competência para prestar serviços públicos é do Poder Executivo, inserindo-se no seu poder decisório a escolha pela prestação direta ou sobre regime de delegação”[6].
Maria Syvia Zanella di Pietro defende que exigir autorização do Poder Legislativo para que o Poder Executivo pudesse praticar atos e celebrar contratos implicaria indevido controle prévio de um poder sobre o outro, em violação ao princípio da Separação de Poderes.
2.2 – Remuneração do Concessionário
A remuneração do concessionário é efetivada pela cobrança da tarifa dos usuários, que, embora prevista no contrato de concessão, deverá ser atualizada e revista com o tempo, como forma de preservação do equilíbrio econômico-financeiro do ajuste.
Importante ressaltar que há a possibilidade de cobrança de tarifa de usuários potenciais do serviço, vale dizer, os tribunais pátrios[7] permitem a cobrança de “tarifa básica” do usuário para cobrir custos de disponibilização do serviço, mesmo que o particular dele não se utilize efetivamente.
Embora a legislação não permita que o poder concedente pague uma receita mínima ao concessionário, doutrina majoritária entende possível o aporte de recursos pelo Poder Público para assegurar a modicidade da tarifa, garantindo o acesso ao serviço a um número maior de pessoas (universalidade do serviço).
2.3 - Licitação
Em regra, a concessão é precedida de licitação na modalidade concorrência, nos termos do art. 2º, incisos II, III e IV c/c o art. 40, parágrafo único, da Lei 8.987/1995, sendo possível, todavia, a previsão da utilização de outras modalidades licitatórias por legislação específica.
Há possibilidade de contratação direta nas hipóteses de inviabilidade de competição (licitação inexigível) ou na hipótese de urgência (art. 24, III, IV e IX, da Lei 8.666/1993), quando a licitação seria um obstáculo à promoção célere do interesse público, bem como na hipótese de licitação deserta (art. 24, V, da Lei 8.666/1993).
2.4 – Do contrato de concessão
O contrato de concessão tem prazo determinado, embora não se submeta à regra do art. 57 da Lei 8.666/1993, segundo a qual os contratos administrativos devem ter vigência de até um ano.
Rafael Oliveira pondera que a concessão de serviço público depende de um prazo contratual maior, que permita a amortização dos investimentos realizados pelo concessionário, além do retorno financeiro, sob pena de inviabilizar a prestação do serviço, que teria que ser remunerado por tarifas elevadas.
Admite-se a prorrogação do prazo contratual, desde que feita pela Administração Pública, não se permitindo a prorrogação por meio de lei, em razão do princípio da separação de poderes e da impessoalidade, conforme já decidiu o STF.[8]
2.5 – Responsabilidade pelo serviço
A responsabilidade pelo serviço concedido é da concessionária, “cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade” (art. 25 da Lei 8.987/1995).
Em outras palavras, a responsabilidade do concessionário por prejuízos causados a terceiros, em decorrência da execução de serviço público, é objetiva, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição, podendo o poder concedente, contudo, responder, subsidiariamente, em caso de insuficiência de bens da concessionária ou, eventualmente, por má escolha da concessionária ou omissão quanto ao dever de fiscalização.
Cabe ao poder concedente fiscalizar a execução do contrato, assegurando seu devido cumprimento e a boa qualidade do serviço, bem como a observância da legislação em vigor.
A Lei 8.987/95 admite, em caso de irregularidades por parte da concessionária, que o poder concedente aplique sanções, intervenha, ou até mesmo extinga a concessão.
A lei admite a subconcessão, que é a sub-rogação pelo concessionário de todos os direitos e obrigações da concessão, desde que autorizada pelo poder concedente e precedido de concorrência.
Permite-se, outrossim, a contratação com terceiros de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados ao serviço público, hipóteses em que a concessionária mantém a responsabilidade exclusiva pela correta prestação do serviço público (art. 25, § 1.º, da Lei 8.987/1995).
As subcontratações, a seu turno, são contratos de direito privado que não dependem de autorização do poder concedente, nem de licitação (a não ser que a concessionária seja empresa estatal), não estabelecendo, assim, qualquer vínculo com o poder concedente.
2.6 – Serviço Público e o Código de Defesa do Consumidor
A Lei 8.987/95 elenca os direitos e as obrigações dos usuários, mas ressalva a aplicação do disposto no Código de Defesa do Consumidor, que tem como princípio a racionalização e a melhoria dos serviços públicos.
Não obstante, há controvérsia na doutrina sobre a submissão de alguns serviços públicos ao CDC, notadamente os uti universe, ou seja, aqueles que são prestados a usuários indeterminados e remunerados por impostos.
Isso porque o CDC exige, para sua incidência, que o serviço seja remunerado (art. 3º, § 2º) e os autores da corrente acima mencionada interpretam que deve haver remuneração pelo usuário. Nesse sentido, o STJ já decidiu ser inaplicável o CDC aos serviços de saúde prestados por hospitais públicos, “pois inexiste qualquer forma de remuneração direta referente ao serviço de saúde prestado pelo hospital público”[9].
De outro lado, os tribunais superiores têm aplicado o CDC aos serviços públicos individuais e remunerados por tarifas como fornecimento de energia, de água e de telefonia.
Com efeito, a aplicação do CDC aos serviços públicos não é automática, mas dependente de sua compatibilidade com os princípios que norteiam a prestação dos serviços públicos[10]. Em eventual conflito, deve ser reconhecida a primazia do interesse público sobre o direito consumidor.
O STJ assim o fez para reconhecer a juridicidade do corte de serviço público do usuário inadimplente, resolvendo o conflito entre os artigos 22 e 42 do CDC e 6º, §3º da Lei nº 8.987/95.
Igualmente, o STJ privilegiou as normas que regem os serviços públicos para definir, no enunciado da Súmula 356, que “é legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”, independentemente da utilização efetiva do serviço.
2.7 – Extinção do contrato de concessão
O contrato de concessão é firmado por prazo determinado, logo, em condições normais a sua extinção se dará com o seu termo final.
Pode ocorrer, contudo, a extinção do contrato antes do término do prazo por situações excepcionais, como: encampação (retomada do serviço pelo poder concedente por razões de interesse público), caducidade (decorrente da inexecução total ou parcial do contrato), rescisão (por descumprimento do contrato pelo poder concedente), anulação (por ocorrência de vício de legalidade na licitação ou no contrato) e falência ou extinção da empresa concessionária.
O descumprimento do contrato pelo poder concedente pode, como visto, gerar a extinção do contrato de concessão, que pode ser pleiteada pelo concessionário administrativa ou judicialmente.
Na doutrina discute-se a possibilidade de se utilizar a exceptio non adimpeti contractus ou exceção de contrato não cumprido, que seria a impossibilidade de o poder concedente, inadimplente, exigir que o outro contratante cumpra a sua parte.
Há quem defenda a inaplicabilidade da cláusula, sobretudo em razão da supremacia do interesse público e do princípio da continuidade dos serviços públicos.
Contudo, atualmente, tem-se admitido a incidência da cláusula, que está, inclusive, prevista no art. 78, incisos XIV e XV, da Lei 8.666/93.
Costumava-se afirmar que a exceção de contrato não cumprido {exceptio non adimplet contractus) não é invocável pelo contratado nos contratos administrativos. Tal assertiva (que, ao nosso ver, dantes já era inexata) hoje não mais poderia ser feita, pois o art. 78, XV, expressamente estabelece que, se a Administração atrasar por mais de 90 dias os pagamentos devidos em decorrência de obras, serviços, fornecimentos ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo no caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, o contratado poderá suspender o cumprimento de suas obrigações, até a normalização destes pagamentos, ou então obter a rescisão do contrato. Assim também o inciso XIV — sempre com a ressalva das situações excepcionais aludidas — autoriza-o, no caso de suspensão da execução do contrato, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 dias, ou por repetidas suspensões que totalizem o mesmo tempo, a suspender o cumprimento desuas obrigações ou a obter rescisão do contrato[11].
Não obstante, deve-se ponderar que, no que tange às concessões de serviços públicos, deve ser observado o princípio da continuidade do serviço público, pois, nos termos do art. 39 da Lei 8.987/95, os serviços prestados pela concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados até decisão judicial transitada em julgado.
Há que se destacar, por fim, a Súmula 205 do TCU, que diz ser “inadmissível, em princípio, a inclusão em contratos administrativos, de cláusula que preveja, para o Poder Público, multa ou indenização, em caso de rescisão”.
Conclusão
A par de juízos políticos, verifica-se que o governo, carente de recursos para investimentos em áreas relevantes, como portos, aeroportos, ferrovias e rodovias, tem, cada vez mais, lançado mão de contratos de concessão, delegando a infraestrutura e a execução dos serviços públicos à iniciativa privada.
Pretendeu-se, neste trabalho, analisar as principais características da concessão, que é um instrumento por meio do qual a Administração confere ao particular a execução de um serviço público, para que o explore pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais, remunerada pelas tarifas pagas pelos usuários.
A grande vantagem deste procedimento está no fato de que o Estado pode prestar serviços públicos sem necessidade de investir grandes capitais. O que, infelizmente, não garante a devida eficiência na prestação dos mesmos, conquanto seja responsabilidade do poder concedente fiscalizar a execução do contrato, assegurando seu devido cumprimento e a boa qualidade do serviço, bem como a observância da legislação em vigor.
Referências:
Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo:Atlas, 2014.
MELLO.Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. Malheiros.2010
JUSTEN FILHO. Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003.
OLIVIERA, Rafael Carvalho Rezende. Administração Pública, Concessões e Terceiro Setor. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
[1] MELLO.Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. Malheiros.2010p.701
[2] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. 27. ed.São Paulo:Atlas,2014.p.302
[3] OLIVIERA, Rafael Carvalho Rezende. Administração Pública, Concessões e Terceiro Setor. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.p.216
[4] JUSTEN FILHO. Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003.p.114
[5] JUSTEN FILHO. Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público. São Paulo: Dialética, 2003.p.176
[6] OLIVIERA, Rafael Carvalho Rezende. Administração Pública, Concessões e Terceiro Setor. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011
[7] Súmula 356 do STJ: “É legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”.
[8] ADI 118 MC, Relator(a): Min. ALDIR PASSARINHO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/1989, DJ 03-12-1993 PP-26337 EMENT VOL-01728-01 PP-0000
[9] STJ, REsp nº 494.181
[10] OLIVIERA, Rafael Carvalho Rezende. Administração Pública, Concessões e Terceiro Setor. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.p.234
[11] MELLO.Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. Malheiros.2010. p.630
Advogada da União, especialista em direito processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Gabriela Baracho. Concessões de serviços públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jan 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45763/concessoes-de-servicos-publicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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